Três instituições que combatem a cegueira e ampliam o acesso à oftalmologia no Brasil foram as grandes vencedoras do prémio António Champalimaud de Visão de 2019, que garante 1 milhão de euros aos laureados e é o principal prémio do mundo na área.
O Instituto da Visão - IPEPO, a Fundação Altino Ventura e o Serviço de Oftalmologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) atuam, de forma independente com algumas das populações mais vulneráveis do Brasil, seja nas periferias pobres de grandes centros urbanos ou em aldeias remotas da Amazónia.
Com mais de 30 anos de trabalho em zonas do interior da floresta amazónica e nas periferias de grandes cidades, o Instituto da Visão - IPEPO agrega atendimento à população com um intenso trabalho de investigação da área oftalmológica. Apenas nos últimos cinco anos, a organização não governamental, ligada à Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), realizou mais de 2 milhões de consultas oftalmológicas e 100 mil cirurgias oculares.
"Muitas das pessoas atendidas nunca tinham tido contacto com um oftalmologista na vida", diz o médico Rubens Belfort Jr, presidente do Instituto da Visão-IPEPO. No caso do trabalho na Amazónia, por exemplo, a ONG leva profissionais para áreas onde não há acesso à saúde visual. Em muitas dessas regiões, as populações não têm sequer meios de conseguirem óculos graduados simples.
Além dos óculos, o grupo promove rastreios de cirurgias de catarata e de outros problemas visuais, devolvendo a visão a quem muitas vezes já havia desistido dela. "Tem um impacto muito grande na vida dessas pessoas, mas também na dos profissionais que realizam este trabalho. Temos um grupo muito grande de jovens médicos que acabam se engajando e se apaixonando por essa iniciativa tão importante, que nós chamamos de oftalmologia humanitária", diz Rubens Belfort Jr.
Do outro lado do Brasil, na região Nordeste, o trabalho da Fundação Altino Ventura também se concentra nas populações mais pobres. "O maior problema do Brasil é ainda é financiamento da saúde, que é um problema que leva tempo. A quantidade e a qualidade dos oftalmologistas formados no Brasil é mais do que suficiente, mas é preciso melhorar o acesso. E é isso que nós tentamos fazer: trazer cada vez mais pessoas para ter tratamentos adequados para a saúde visual", explica Marcelo Carvalho Ventura, presidente e co-fundador da Fundação Altino Ventura.
A instituição aposta no conceito de proximidade com os pacientes para garantir a adesão aos tratamentos. Para isso, além de estar presente em vários municípios do interior, a fundação conta ainda com uma unidade móvel -um autocarro adaptado que se transforma em minicentro de saúde visual completo, apto até para realizar cirurgias de catarata.
"É um projeto pioneiro no Brasil que já fez mais de 33 mil cirurgias. Conseguimos ir até cidades e vilas pequenas. A operação feita aqui é de muita qualidade, um cortezinho pequeno, o paciente volta para casa no mesmo dia. As pessoas voltam a ver e têm uma alegria enorme", conta Marcelo Carvalho Ventura.
No interior de São Paulo, é o trabalho do Instituto de Oftalmologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) que se destaca. Através de rastreios de saúde, a instituição leva médicos e equipamentos de diagnóstico até populações vulneráveis e pobres, que muitas vezes não conseguem acesso a um oftalmologista no serviço público.
"Há pessoas que vão envelhecendo e vão perdendo a visão, e aceitam isso como parte do processo de envelhecimento. Elas têm de saber que têm direito à saúde visual", diz o médico Carlos Eduardo Leite Arieta, que lidera o serviço.
Num mesmo sítio, os utentes passam por uma consulta médica e realizam eventuais exames. Caso seja necessário, já saem dali com cirurgias marcadas. Graças ao esforço, em um ano, são realizadas cerca de 3,6 mil operações de catarata -a mais comum- no Hospital das Clínicas da Unicamp, além de outras 2,5 mil em unidades em outros pontos do estado: Sumaré, Divinolândia e Piracicaba.
"Queremos facilitar o acesso à saúde visual. Assim, saindo de casa uma vez, o paciente já resolve tudo. Sabemos que, em um estado grande como São Paulo, o tempo para se deslocar de um lado para o outro é muito grande. Muitas pessoas não têm condições de o fazer", completa Carlos Eduardo Leite Arieta.
Num ponto todas as três instituições concordam: além da importância para o financiamento das operações, o prémio António Champalimaud de Visão amplia a visibilidade do trabalho realizado e deve potencializar outras parcerias internacionais. "É uma alegria, uma hora e uma grande oportunidade de conseguir fundos extras para pesquisas, principalmente pela credibilidade da instituição que o concede", diz Rubens Belfort Jr, presidente do Instituto da Visão-IPEPO.
Lançado em 2006, o Prémio António Champalimaud de Visão tem o apoio do programa «2020 - O direito à Visão» da Organização Mundial de Saúde. Com valor de 1 milhão de euros, é o maior prémio do mundo na área da Visão. Nos anos ímpar, a láurea reconhece o trabalho desenvolvido no terreno por instituições na prevenção e combate à cegueira e doenças da visão, principalmente nos países em vias de desenvolvimento. Nos anos par, o Prémio é atribuído às pesquisas científicas de grande alcance na área da visão.
Em 2007, o Prémio de Visão foi entregue ao Aravind Eye Care System da Índia e em 2008 foi atribuído conjuntamente aos laboratórios de KingWai Yau e Jeremy Nathans, da Universidade Johns Hopkins; na edição de 2009 ganhou a Helen Keller International, em 2010 Anthony Movshon (Universidade de Nova Iorque) e William T. Newsome (Howard Hughes Medical Institute e Universidade de Stanford); em 2011 venceu o Programa Africano para o Controlo da Oncocercose, APOC; em 2012 o prémio foi atribuído a dois grupos de cientistas: James Fujimoto, David Huang, Carmen Puliafito, Joel Schuman e Eric Swanson e David R. Williams; em 2013 venceram quatro instituições do Nepal: Tilganga Institute of Ophthalmology, Nepal Netra Jyoti Sang (NNJS), Eastern Regional Eye Care Programme (Sagamartha Choudhary Eye Hospital e Biratnagar Eye Hospital) e Lumbini Eye Institute; em 2014 o prémio foi para sete cientistas: Napoleone Ferrara, Joan W. Miller, Evangelos S. Gragoudas, Patricia A. D"Amore, Anthony P. Adamis, George L. King e Lloyd Paul Aiello, em 2015 o prémio foi para três instituições ativas na África Subsariana: Kilimanjaro Centre for Community Opththalmology, Seva Foundation e Seva Canada.
Em 2016, o prémio foi atribuído a quatro cientistas Christine Holt, Carol Mason, John Flanagan e Carla Shatz e em 2017 a duas instituições que atuam na prevenção da cegueira em países de baixo rendimento, Sightsavers e CBM. Em 2018, os vencedores foram Michael Redmond e as equipas de investigação lideradas por Jean Bennett e Albert Maguire; Robin Ali e James Bainbridge; e Samuel Jacobson e William Hauswirth.
*Especial DN/Folha de São Paulo