Sociedade
30 dezembro 2021 às 00h13

Pandemia em valores recorde pode impedir milhares de votar

Voto antecipado já está em marcha, volta a ser alargado, mas quem ficar infetado (e quem for contacto de risco) a partir de 23 de janeiro não poderá votar.

As inscrições para o voto antecipado nas legislativas de 30 de janeiro já estão em marcha: o prazo para doentes hospitalizados e presos não privados de direitos políticos está aberto desde a última segunda-feira, prolongando-se até 10 de janeiro. O arranque das inscrições marca o início de um processo eleitoral que repetirá as condições especiais de voto já testadas nas presidenciais de há um ano e nas autárquicas de setembro. Mas, como os anteriores atos eleitorais, as legislativas de 30 de janeiro avizinham-se sob a sombra da pandemia que, sobretudo nas presidenciais, terá deixado milhares de eleitores sem acesso ao voto.

O governo nunca revelou quantas pessoas com capacidade eleitoral estavam em confinamento à data das eleições presidenciais, a 24 de janeiro de 2021, e ficaram então impedidas de votar. Os números da Direção-Geral da Saúde (DGS) permitem apenas uma aproximação: nos dias que mediaram entre o encerramento das inscrições para o voto e o domingo das eleições, com o país em números nunca vistos de contágios e de mortes, testaram positivo à covid-19 um total de 67 966 pessoas. Neste universo haverá menores de idade e outras pessoas sem direito de voto (por exemplo, estrangeiros), e alguns destes eleitores até poderiam já ter votado (em mobilidade) quando testaram positivo. Mas a estes dados há que somar - com as mesmas ressalvas - os contactos de risco que entraram também em isolamento nesses dias. A 24 de janeiro de 2021 estavam em vigilância 210 664 contactos.

Dados que apontam para números na ordem dos milhares de eleitores impedidos de votar nas presidenciais, o que levanta a mesma interrogação para as legislativas que se aproximam, numa altura em que o país bate recordes de contágio com a disseminação da variante Ómicron. A ministra da Saúde, Marta Temido, já antecipou que o país passará os 30 mil casos diários na primeira semana de janeiro. E ontem, Óscar Felgueiras, matemático da Universidade do Porto e um dos especialistas que tem participado nas reuniões do Infarmed, afirmava à CNN Portugal que o país chegará ao início de janeiro com cerca de 600 mil pessoas em isolamento profilático - "Valores a uma escala nunca vista".

Com as eleições marcadas para dia 30 a questão está em saber com que números chegará o país ao final do mês. Com a certeza - à luz das regras atuais - de que as pessoas que testarem positivo à covid-19 a partir de 23 de janeiro ficarão impedidas de votar, assim como os contactos de risco destes infetados.

O epidemiologista Manuel Carmo Gomes sublinha que "neste momento estamos com 135 mil pessoas sob vigilância quando há um mês atrás tínhamos 60 mil". "Vamos em direção às centenas de milhar", vaticina o especialista que, no entanto, é bastante mais cauteloso quanto a projeções para o final de janeiro. Manuel Carmo Gomes sublinha que a experiência da África do Sul mostra que a variante Ómicron é "tão rápida a infetar" que acaba por sofrer uma quebra brusca. Mas é "difícil prever" o que acontecerá a esta distância, refere o epidemiologista, defendendo uma medida que - não tendo esse propósito direto - poderia mitigar os efeitos da pandemia sobre as eleições : "Tenho esperança que antes disso se tome a decisão de encurtar o período de isolamento. A mim parece-me que, com a Ómicron, estes dez dias [de isolamento] deviam passar a cinco, devíamos reduzir para metade".

Aconteça o que acontecer no próximo mês um dado é certo: a lei não pode ser alterada. A Comissão Permanente - que substitui o plenário, depois da dissolução da Assembleia da República - não tem poderes para mudar leis eleitorais. Na verdade, nesta altura nem mesmo um Parlamento em pleno funcionamento o poderia fazer: uma vez marcadas eleições, não se pode mexer na legislação eleitoral. O que poderia, eventualmente, acontecer, seriam ajustes às datas, no sentido da extensão ou encurtamento, mas tudo o que implique mexer no quadro legal está agora vedado.

Nestas eleições repete-se o modelo de voto em mobilidade já testado o ano passado nas presidenciais: qualquer eleitor pode votar nesta modalidade, desde que se inscreva previamente. Neste caso, o prazo de inscrição começa a contar a 16 de janeiro e estende-se por quatro dias, até 20. De acordo com a secretaria-geral do Ministério da Administração Interna, que organiza o processo eleitoral, existirá "uma mesa de voto antecipado em cada município". Os "eleitores que pretendam votar antecipadamente em mobilidade devem manifestar essa intenção" ou por via postal, ou através da plataforma online criada para esse efeito. Em janeiro do ano passado votaram antecipadamente quase 198 mil pessoas.

Outra novidade que surgiu em janeiro de 2021 e se vai repetir agora nas legislativas é a recolha de voto ao domicílio. A medida aplica-se a eleitores em confinamento obrigatório ou que vivam em estruturas residenciais como lares de idosos, ou instituições similares, e exige também inscrição, neste caso entre 20 e 23 de janeiro.

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