Sociedade
06 maio 2023 às 22h16

Foi a secretária-geral das "secretas" quem ordenou ao SIS que recuperasse o computador

Com as audições parlamentares marcadas para a próxima terça-feira, a secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e o diretor-geral do Serviço de Informações de Segurança (SIS) vão tentar demonstrar que a sua decisão de recuperar o computador de Frederico Pinheiro foi legítima.

Partiu da secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), embaixadora Graça Mira Gomes, a ordem para o Serviço de Informações de Segurança (SIS) abordar o adjunto do Ministro das Infraestruturas, com o objetivo de recuperar o computador onde, alegadamente, existiam matérias classificadas.

De acordo com uma investigação do DN, cruzando e confirmando informações de fontes judiciais, das "secretas" e do ministério das Infraestruturas, todos os dados conhecidos, até este momento, apontam para Mira Gomes como tendo sido a responsável por acionar o SIS naquela que está a ser uma das operações mais contestadas da sua história.

Na próxima terça-feira, a secretária -geral, escolhida em 2017 pelo primeiro-ministro António Costa, e o diretor-geral do SIS, Neiva da Cruz, vão tentar demonstrar aos deputados que a sua decisão de recuperar o computador de Frederico Pinheiro foi legítima, em audições no Parlamento pedidas por todos os partidos da oposição.

Citaçãocitacao"Reconhecer esse erro macula o ato concreto praticado pelo SIS, mas preserva o interesse superior da integridade do Serviço"

Já têm o respaldo do primeiro-ministro e do Conselho de Fiscalização do SIRP, mas a maior parte das opiniões têm contrariado este parecer e às quais se junta agora a do anterior presidente do CFSIRP, Abílio Morgado, que quebrou o silêncio em artigo de opinião publicado neste jornal: "Reconhecer esse erro macula o ato concreto praticado pelo SIS, mas preserva o interesse superior da integridade do Serviço", declara.

Reconstituindo o que se passou na noite do passado dia 26 de abril, depois de o adjunto do Ministro João Galamba ter deixado a ministério com o computador de serviço que utilizava no gabinete - após ter, alegadamente, agredido colegas suas e tendo sido, presumivelmente, deixado sair por agentes da PSP que estavam no local - faltava esclarecer quem tinha dado a ordem para a polémica intervenção do SIS.

As fontes ouvidas pelo DN coincidem em que foi um membro do gabinete de Galamba quem, logo ao final da tarde desse dia, telefonou diretamente ao gabinete da embaixadora, a dar-lhe conta do sucedido.

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Alegou que havia informação classificada em causa, cuja divulgação poderia por em causa a segurança e o interesse nacional.

Graça Mira Gomes contactou Neiva da Cruz - os serviços de informações são altamente hierarquizados e a secretária-geral só fala com o diretor-geral ou com o seu número dois, Gil Vicente.

Conforme contou o Observador e depois o Expresso e a Visão, pouco depois das 23 horas, Frederico Pinheiro "atendeu o telefonema do funcionário da "secreta"" a quem terá ouvido dizer, revelou o próprio ao Observador, que seria melhor entregar o computador "a bem" ou tudo se poderia "complicar". Entregaria pouco depois voluntariamente o portátil.

Destaquedestaque"Pode ter hesitado", admite ao DN fonte que acompanhou a operação, "mas a entrega foi completamente livre e voluntária. Ninguém ameaçou, ninguém pressionou".

"Pode ter hesitado", admite ao DN fonte que acompanhou a operação, "mas a entrega foi completamente livre e voluntária. Ninguém ameaçou, ninguém pressionou".

Por sua vez, e apesar de João Galamba ter dito que tinha sido também alertada a Polícia Judiciária (PJ), o diretor-nacional desta polícia, Luís Neves, só seria contactado diretamente por ele, já depois de o SIS ter ido buscar o computador.

"Garantidamente o Ministro não sabia que o SIS já tinha intervindo, ou não faria qualquer sentido não avisar o diretor da PJ, o que denota algum desnorte naquele gabinete, tendo em conta tudo o que se passara", sustenta uma das fontes envolvidas, ouvidas por este jornal.

Sem saber que o SIS já tinha colocado um seu agente em campo, Luís Neves deu conta do que se passava a Manuela Santos, diretora da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT), que tem a investigação dos casos "contra a segurança do Estado, com exceção dos que respeitem ao processo eleitoral" e que "dá resposta preventiva e repressiva" a ameaças que "pela sua natureza grave e violenta, atentem contra o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e a legalidade democrática".

Na verdade, ao que o DN soube, o próprio SIS desconhecia que a PJ não tinha sido contactada, embora nem sequer houvesse uma tentativa de partilha de informações. Por isso, descreve também o Expresso, por ter sido contactada a uma hora "muito tardia" e, tendo em conta o relato de Galamba sobre a alegada disposição violenta de Frederico Pinheiro, a "operação frustrada da PJ só ocorreu na quinta-feira, 27 de abril".

Os inspetores da UNCT fora a casa do ex-adjunto e foram surpreendidos com o facto de o SIS, sem os informar, se ter antecipado.

Depois de uma troca de telefonemas, a PJ ficou a saber que o computador tinha sido recolhido e entregue no CEGER (Centro de Gestão Informática do Governo), onde, depois de ter aberto um inquérito-crime, Luís Neves ordenou que fosse apreendido e depositado na perícia informática onde será cirurgicamente analisado para verificar eventuais manipulações, cópias ou extração de documentos.

Contactado pelo DN, para esclarecer se tinha sido diretamente para si a ordem da secretária-geral para recolher o equipamento; se tinham sido suscitadas dúvidas sobre a ação; e porque não tinha de imediato contactado a PJ, Neiva da Cruz remete para a Graça Mira Gomes. "Agradeço o interesse manifestado e informo que o seu email foi reenviado ao Gabinete da Senhora Secretária-Geral do SIRP", responde.

Por sua vez, confrontado com a conclusão da investigação do DN e questionado porque foi acionado o SIS, a quem exatamente foi dada a ordem e porque não se coordenaram com a PJ, o gabinete de Mira Gomes não respondeu até ao fecho desta edição.

No SIS e fora dele avolumam-se as críticas e o mal-estar em relação a Graça Mira Gomes, por se entender que esta já devia ter assumido as suas responsabilidades e salvaguardar os serviços de informações.

Citaçãocitacao"As pessoas já sentiam os serviços à beira de rutura, com uma sangria de quadros nunca vista, falta de meios essenciais, e consideram que boa parte da situação se deve a esta secretária-geral que não defende os serviços e não se sabe impor ao poder político. Este caso ainda veio agravar mais essa agonia"

"As pessoas já sentiam os serviços à beira de rutura, com uma sangria de quadros nunca vista, falta de meios essenciais, e consideram que boa parte da situação se deve a esta secretária-geral que não defende os serviços e não se sabe impor ao poder político. Este caso ainda veio agravar mais essa agonia", sintetiza um alto quadro das "secretas".

As intervenções de Graça Mira Gomes em reuniões de alto nível, com representantes também da área da Segurança Interna, têm sido também observadas com "muita deceção", confirmou o DN junto a alguns destes responsáveis.

Apesar de os seus sucessores do CFSIRP garantirem que o SIS atuou num quadro de "urgência" e "numa lógica de prevenção de riscos", no texto que publica e assume ser um "grito de alerta", o ex-presidente da fiscalização refuta essa argumentação: "Onde quer que o direito o acolha, o "estado de necessidade" (tal como a "ação direta") implica uma impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios de atuação normais, sendo que o SIS nada fez que não pudesse ter sido feito pela Polícia Judiciária, enquanto órgão de polícia criminal, com o mesmíssimo sentido de urgência e certamente com muito mais propriedade e solidez jurídica".

Num conselho que pode ir para Graça Mira Gomes, Abílio Morgado escreve que "reconhecer tal erro - nalguma medida até desculpável, face ao inusitado da situação com que o SIS se viu confrontado e à precipitação por ela induzida - é, não só uma atitude nobre e eticamente fundada, como, acima de tudo, nos tempos conturbados que correm na vida pública nacional, uma postura de franqueza, honestidade e transparência, capaz de consolidar a demonstração de que o que ocorreu é um caso absolutamente isolado e irrepetível e, assim mesmo, contribuindo para repor a confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade e autoridade do SIS".