Política
27 agosto 2023 às 18h10

Sai o "securitário" Magina, entra o "civilista" Barros Correia

A escolha do ministro José Luís Carneiro é muito mais que uma sucessão de um nome. O novo diretor nacional da PSP, José Barros Correia, é a outra face da moeda desta força de segurança que foi liderada nos últimos 4 anos por Magina da Silva, o campeão de tiro que queria blindados para patrulhar os bairros sensíveis. De Barros Correia, o homem que preparou o primeiro programa de policiamento de proximidade, espera-se que traga um novo paradigma, coesão, recursos e rejuvenesça os comandos da PSP. Vai tomar posse a 4 de setembro, tal como o novo comandante-geral da GNR, Rui Ribeiro Veloso.

Valentina Marcelino

Foi uma escolha pensada, preparada e com muitos contributos. Não faltam na PSP oficiais superiores com percurso e provas dadas para chegarem ao topo, mas o ministro da Administração Interna pretende uma mudança de paradigma sólida na mais importante força de segurança para a ordem pública nas cidades. O eleito, José Barros Correia, 58 anos, reuniu os requisitos que José Luís Carneiro considera mais relevantes e que também sensibilizaram o primeiro-ministro António Costa, que aprovou a preferência.

Vai agora tomar posse dia 4 de setembro, tal como o novo comandante-geral da GNR que, tal como o DN já tinha avançado, será Rui Ribeiro Veloso, o primeiro General da carreira da Guarda a chegar ao topo e que assim marca o fim da era do Exército na liderança desta força de segurança.

Na PSP, o rótulo de "securitário" e de uma polícia "musculada" que sempre se colou a Magina da Silva -- o homem que queria blindados a patrulhar os bairros das zonas urbanas sensíveis e que foi um dos mais brilhantes atiradores do Grupo de Operações Especiais (GOE), que comandou vários anos -- deve agora ser trocado pelo de "civilista" para Barros Correia e para uma PSP de mais "proximidade" com os cidadãos. Recorde-se que em 2005, o novo diretor nacional esteve na génese do projeto-piloto do policiamento de proximidade na PSP, que preparou e coordenou.

Mas para esta transformação será preciso uma repensar a fundo a PSP, desde logo com uma reorganização das esquadras na grande Lisboa, prometida, pelo menos desde 2012, e que nunca foi por diante.

José Luís Carneiro tem em Barros Correia alguém que pode ajudá-lo a não cometer os mesmos erros do tempo das "super-esquadras" de Dias Loureiro, em 1991, pois quando era subcomissário destacou-se nas famosas "brigadas de justiça" da "super-esquadra" dos Olivais, com intervenções em bairros de alto risco, como a Curraleira e o Cambodja.
Ao ministro agradará saber que, com este novo diretor nacional não haverá televisões em operações policiais em zonas urbanas sensíveis, porque, não só o recurso à força é a última linha, mas principalmente porque as comunidades não devem ser penalizadas por uma minoria de criminosos.

Barros Correia e José Luís Carneiro também estão em sintonia quando à evidência que as populações só vão aceitar fecho de esquadras se virem, de facto, mais polícias nas ruas. De preferência apeados, em contactos com os locais, a ouvir os seus problemas, a ganhar confiança e a aproveitarem a riqueza das informações que assim recolhem.

"Perspicaz, honesto e polícia por todos os poros", salienta um oficial antigo que o conhece desde que entrou na PSP.

Se a "frontalidade" era uma qualidade de Magina da Silva apreciada por José Luís Carneiro, essa será uma característica com que também deverá poder contar em Barros Correia.
Talvez seja por isso que tem a originalidade de não ter tido louvores desde que foi promovido a superintendente, o que diz bastante da sua capacidade de ser frontal, dizendo o que pensa, sem agradar aos seus superiores nem estar preocupado com isso.
Antes de saber o nome do seu novo diretor nacional, Paulo Jorge Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da PSP (ASPP), a mais representativa estrutura sindical, dizia sobre o perfil que preferia: "Alguém que conheça bem a PSP, seja sensível aos problemas que a afetam e aos profissionais e não seja subserviente politicamente". Se Barros Correia não encaixa, poucos encaixarão.

É respeitado no meio sindical e sempre defendeu o diálogo com estas estruturas. Foi um dos fundadores da associação dos oficiais do Curso de Formação de Oficiais de Polícia, que deu origem ao Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia, tendo sido seu presidente.
Não serão muitos os comandantes da PSP que motivam abaixo-assinados de agentes e declarações de apoio de dirigentes sindicais, quando são afastados do cargo e a justificação oficial de "gestão de recursos" não convence. Foi isso mesmo que aconteceu quando comandava a Divisão de Trânsito de Lisboa.

Apesar de o então dirigente do Comando Metropolitano de Lisboa (COMETLIS), Monteiro Lopes, ter dito do jovem subintendente Barros Correia que estava "em condições de desempenhar" todas as tarefas" que lhe fossem "atribuídas", que tinha a sua "máxima confiança pessoal e profissional" e que ia "chefiar outra divisão da PSP", tal não convenceu os agentes, que promoveram um abaixo-assinado, nem os sindicatos. Manuel Morais, na altura vice-presidente da região sul da ASPP atribuiu o afastamento de Barros Correia à sua atuação rigorosa como comandante da Divisão de Trânsito: "Este comandante impôs no trânsito a regra de que todos os condutores devem ser tratados de forma igual e aquilo que me transmitem os seus subordinados é que este afastamento só vem beneficiar os prevaricadores das elites", denunciou à Lusa.

Filho único, nasceu em Moçambique de onde veio a seguir ao 25 de abril. No regresso viveu em Favaios, terra natal dos pais, mas depois mudaram-se para Lisboa. O pai foi funcionário da Polícia Judiciária, em departamentos administrativos, a mãe também era funcionária pública.

Entrou na Academia Militar mas, para desgosto do seu pai, não gostou e, no ano seguinte entrou em Engenharia e na Escola Superior de Polícia. Escolheu esta última carreira e estreou a primeira turma de oficiais da PSP em 1984. Eram seus camaradas Magina da Silva, Constantino Ramos (atual número dois), Paulo Lucas (atual comandante da Unidade Especial de Polícia), entre outros que têm estado, nos últimos anos, à frente da PSP.
Licenciado em Ciências Policiais, Barros Correia tem também uma pós-graduação em Relações Internacionais, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Na PSP, teve funções operacionais puras e duras, como nas já referidas brigadas dos Olivais, mas também no comando de grandes divisões de Lisboa e no próprio COMETLIS, onde chefiou a área de Operações e Segurança.

Em 2005, quando foi promovido a Intendente, assumiu a coordenação do Projeto-piloto do Programa Integrado de Policiamento de Proximidade da PSP -- que começou em esquadras da Grande Lisboa, como destaque para a Amadora, onde se conseguiu uma aproximação com as comunidades de imigrantes e descendentes. Nesse ano, a 17 de fevereiro, tinha sido morto o agente da PSP Irineu Diniz, 33 anos, no bairro da Cova da Moura, baleado com 22 tiros por traficantes.

Entre 2008 e 2014 foi Comandante Regional dos Açores, de onde seguiu, sem pousar em Lisboa, para oficial de ligação em S. Tomé e Príncipe. Quando regressou, passados três anos, um impasse mal gerido pelo então diretor nacional, Luís Farinha, obrigou-o a ficar à espera de colocação vários meses. O seu nome chegou a ser falado para o comando de Lisboa, mas foi vetado pela direção.

Depois de quase um ano em casa (a comissão de serviço em S.Tomé tinha acabado em maio de 2014 ) e numa manobra interpretada como para o afastar do núcleo de poder do quartel-general na Penha de França, acabou por ser nomeado, em janeiro de 2018, diretor dos Serviços Sociais da PSP.

Um cargo que, para muitos, é considerado uma "prateleira", mas que Barros Correia soube dinamizar até ao último minuto, aumentando significativamente o número de alojamentos para os polícias no início da carreira -- com apoio da tutela e das Finanças foram comprados três novos edifícios -- e aproximou os serviços dos beneficiários, dando-lhes maior visibilidade.

Quando há cerca de duas semanas, foi chamado ao gabinete de José Luís Carneiro, este superintendente chefe sentiu uma espécie de déjà vu. Em janeiro de 2020 também esteve na short list de "generais" da PSP que foram chamados ao gabinete do então ministro Eduardo Cabrita para a escolha do diretor nacional. Manuel Magina da Silva acabou por ser a opção.

Este segue agora, tal como o DN já tinha noticiado em junho passado, para Paris, onde será oficial de ligação do ministério da Administração Interna, em substituição do também ex-diretor Luís Peça Farinha, que deverá regressar a Lisboa para dirigir o Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna.

É o fecho de um ciclo na PSP, com um diretor carismático, sem travão nas palavras, que várias controvérsias protagonizou e que deixou a polícia em rutura. Como dizia ao DN um oficial superior, já há um ano, quando um grande mal-estar com Magina contagiava a polícia ao mais alto nível, "o diretor nacional isolou-se no alto do seu poder, deixou de ouvir e aceitar opiniões diferentes da sua e não percebeu o quanto a sua liderança está a arruinar a PSP. Entrou em autismo total. O seu Estado-Maior não funciona, não se falam entre eles. Quebrou totalmente a coesão do efetivo, não só entre oficiais e bases, como entre os próprios oficiais. Ninguém abre a boca nas reuniões de comandos porque não vale a pena. Temos um barril e pólvora na PSP" e está de tal forma que ninguém sabe quanto mais de aguenta".

A comissão de serviço de Magina terminou em fevereiro deste ano, mas o governo decidiu prolonga-la para garantir a "estabilidade" necessária para aquela que foi a mais complexa operação de segurança do país, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

De Barros Correia agentes, chefes e oficiais esperam que volte a restaurar a coesão na PSP -- que passará por rejuvenescer os comandos e a direção nacional também com oficiais do 2.º e 3.º cursos -- e que o conhecimento profundo que tem dos problemas maiores que atingem esta força de segurança possam guiá-lo para a sua resolução ou, no mínimo, mitigação.

A falta de recursos humanos é gritante mas com um ministro que já disse que não há falta de polícias, a exigência de reorganização de esquadras e de trabalho estará na primeira linha. Há estudos feitos desde o tempo em que António Costa foi ministro da Administração Interna, que identificam as principais linhas deste caminho. É uma questão de as atualizar.
Marcará também a diferença -- e esta foi outra qualidade que José Luís Carneiro teve muito em conta -- na relação com as outras forças e serviços de segurança. Ao contrário do tendencialmente conflituoso Magina, numa altura em que a cooperação policial está no topo da agenda governamental -- particularmente sublinhada pelo sucesso da operação da JMJ -- Barros Correia é apreciado pela capacidade de construir e manter essas pontes, mais do que pelas disputas de competências e antagonismos. Uma exigência do governo é que haja compromisso de colaboração com todas as polícias e cada vez mais operações conjuntas.

No rejuvenescimento dos comandos será tido em conta outro desígnio que é uma grande aposta do executivo: preparar as novas lideranças para que olhem mais para o interesse do país, em vez de apenas se preocuparem com a sua "quintinha".

valentina.marcelino@dn.pt