Política
28 janeiro 2022 às 21h10

Acordos, equações e arranjinhos. Os momentos finais da campanha

Derradeiro dia da campanha eleitoral centrado nos cenários de governabilidade que se vão desenhar a partir da noite de domingo, numas eleições de desfecho imprevisível.

Começou com o PS a larga distância do PSD e António Costa a pedir maioria absoluta, acaba com os dois partidos em empate técnico nas sondagens. Duas semanas passadas, a campanha eleitoral termina esta sexta-feira, num dia que tem sido marcado pelo derradeiro apelo ao voto, em que muito se falou de "acordos de cavalheiros" e dos cenários de governabilidade, à esquerda e à direita, após o próximo domingo.

O PS fez esta tarde a tradicional arruada no Chiado, com António Costa a atirar a Rui Rio, que acusou de "decretar por antecipação" os resultados" do próximo domingo e de estar já a escolher ministros. "Vejo o meu adversário muito empolgado e a decretar por antecipação os resultados, a distribuir as pastas entre ele e os outros partidos, a escolher ministros. Cada coisa a seu tempo. Neste momento é o tempo de os portugueses falarem, de os portugueses escolherem, de os portugueses decidirem", defendeu o secretário-geral socialista, apelando a que se aguarde pelo que "os portugueses têm a dizer com toda a humildade".

"No domingo à noite vamos ver quais são os resultados. Em função dos resultados, o senhor Presidente da República designará a quem cabe a iniciativa de formação do Governo e, em função disso, iremos trabalhar", disse Costa, garantindo que saberá interpretar os resultados na noite de domingo.

Rui Rio também falou no pós-eleições para defender que o Presidente da República deve chamar para formar Governo o líder do partido mais votado, mesmo que a maioria parlamentar seja de sentido contrário. O líder do PSD saudou as palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santo Silva - que admitiu, na CNN Portugal, um "acordo de cavalheiros entre os maiores partidos no sentido de facilitar a vida ao que formar governo" -, considerando que foi uma "declaração civilizada e que ajuda francamente à governabilidade". "Vem no sentido daquilo que eu próprio tenho vindo a dizer. Se a questão do PS é o Chega estar fora da equação, isso estou a dizer desde sempre que está. Não é fora do Parlamento, isso são os portugueses que determinam", sublinhou Rio.

Também o PSD desceu esta tarde o Chiado, com nomes como Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, a antiga líder do partido Manuela Ferreira Leite e boa parte do Estado-maior dos sociais-democratas a juntarem-se a Rio numa das derradeiras ações de campanha. Uma arruada a que se juntou também Pedro Santana Lopes (que deixou o partido em 2018), num sinal de apoio a Rio. Uma ação de campanha que o líder do PSD aproveitou para voltar a criticar Costa, acusando-o de ter aberto a porta aos extremos com a 'geringonça'.

Já à noite, em entrevista à SIC, o líder do PSD admitiu uma 'geringonça' à direita, mesmo no caso de perder as eleições, dizendo que essa questão caberá à direção do partido - "Veremos, o dr. António Costa ensinou-nos que se pode fazer diferente. Se isso for possível, logo veremos e a direção nacional há de decidir".

O "acordo de cavalheiros" admitido por Augusto Santos Silva acabou por dominar os discursos à esquerda no derradeiro dia da campanha.

"O PS tem alimentado a ambiguidade nestas eleições e mesmo agora nos últimos dias diz que está a equacionar um acordo de cavalheiros com o PSD. Quem quer uma maioria à esquerda, quem quer uma maioria pelo salário, pela pensão, sabe que o voto é no BE", apelou Catarina Martins, numa arruada na Rua de Santa Catarina, no Porto.

Um voto que "afasta a direita e constrói soluções para o país", que vai " impedir acordos de centrão" e "dar uma maioria à esquerda", defendeu a líder bloquista, repetindo outro dos principais argumentos eleitorais do partido, que as sondagens mostram a disputar o terceiro lugar com o Chega: "é o voto que ganha porque derrota André Ventura".

Com o mesmo pano de fundo das declarações de Augusto Santos Silva, Jerónimo de Sousa defendeu que aquilo de que o país precisa "é de soluções, não é de arranjinhos". Para o secretário-geral comunista "dizer que se vai falar com todos é esconder uma decisão já tomada. Quem quer uma política de esquerda não a pode negociar com todos e muito menos com a direita ou a extrema-direita".

"Bem podem fazer de amuados, bem podem fingir discórdias, mas o que ensaiam são acordos para, pela mão de um ou de outro, dar andamento à política de direita", diria ainda Jerónimo, deixando uma crítica direta a Rui Rio, que vestiu "a pele de cordeiro" durante a campanha eleitoral, mas depois das eleições vai "mostrar a sua verdadeira natureza".

Razões para deixar um apelo ao voto na CDU, cujos deputados "são tão mais importantes quando" PS e PSD, "movidos por um acordo tácito, não vão mexer uma palha em nada que possa pôr em causa dos grandes interesses instalados".

Com as sondagens a darem o CDS em mínimos históricos, em risco de não eleger deputados à Assembleia da República, Francisco Rodrigues dos Santos disse hoje que devem ser "partidas de Carnaval antecipadas".

"Eu acho que é para os apanhados, aquelas partidas de Carnaval antecipadas, porque de facto são sondagens fabricadas, de encomenda, para favorecem os partidos do bloco central de interesses e para, uma vez mais, como fizeram sempre ao longo da história, vaticinarem o fim do CDS", criticou o líder do partido, sustentando que os centristas, habitualmente subvalorizados nas sondagens, aprenderam "a defender-se destes estudos de opinião e a proteger-se destas fabricações de conveniência".

No final de uma visita ao Mercado de Alvalade, em Lisboa, Francisco Rodrigues dos Santos afirmou-se "absolutamente certo" de que o "eleitorado conservador e democrata-cristão vai preferir a direita certa para Portugal, uma direita com quase 50 anos de história".

O PAN também andou pelo Chiado no último dia de campanha, cruzando-se com as comitivas de PS e PSD - uma oportunidade para a líder do partido reafirmar que admite dialogar com socialistas ou sociais-democratas para viabilizar uma solução de Governo.

"Trocámos alguns panfletos, quer com o PS, quer também com o PSD", pelo que "ficamos com as ideias uns dos outros e vamos antecipando, se calhar, o debate que vai ocorrer depois do dia 30 de janeiro", afirmou Inês Sousa Real. Um diálogo com um caderno de encargos. Qualquer partido que "esteja em condições de formar uma solução governativa para o país terá que ter, inevitavelmente, um compromisso com a cultura e com as artes", defendeu Inês Sousa Real, sublinhando que a "tauromaquia, que já deveria ter sido abolida e continua a beneficiar de financiamento públicos", enquanto "o verdadeiro setor cultural" continua a "ter que mendigar".

Já o líder da Iniciativa Liberal (IL) voltou a garantir que não fará qualquer tipo de acordo - nem um "acordo de cavalheiros" - com os socialistas. "O voto que nos confiarem não viabilizará uma solução socialista e a abertura do PSD é mais um exemplo do que temos vindo a dizer, que o PSD sem nós fica demasiado parecido com o PS", afirmou João Cotrim Figueiredo.

Sobre o cenário de o partido poder ser a terceira força política mais votada, o presidente da IL defendeu que seria "uma bofetada de luva branca fantástica" que os eleitores dariam a partidos com ideologias "particularmente antigas": "O terceiro lugar não foi um objetivo que tenhamos fixado à partida, mas tendo agora oportunidade acho que seria um excelente voto de louvor que o eleitorado português daria a essas forças do passado".

No último dia da campanha, André Ventura escolheu um hotel de cinco estrelas na Quinta da Marinha, em Cascais, para afirmar que o seu partido é "o único contra os "interesses instalados".

"Só há um partido verdadeiramente contra o sistema de interesses instalados, que é o nosso. Se todos nos querem anular e aniquilar, eu tenho a certeza que o povo português vai dizer que quem manda é o povo e não as elites que nos governam há 47 anos e que têm destruído o país, afirmou". À tarde, numa arruada no Chiado, em Lisboa, Ventura mostrou-se convicto de que o Chega ficará em terceiro lugar no próximo domingo.

Pelo Livre, Rui Tavares prometeu levar à Assembleia da República "uma cultura de diálogo e compromisso", pondo mais "exigência à esquerda" no sentido de procurar convergências. "Chega de haver uma direita a propor ou austeridade, ou privatizações, mas depois uma esquerda que só reage em vez de propor modelos de futuro. O Livre trouxe a esta campanha assuntos de futuro e a partir do próximo dia 31 quer levá-los ao Parlamento", garantiu.

Os portugueses vão às urnas no próximo domingo, numa altura em que há mais de um milhão de pessoas em isolamento. De acordo com o boletim da Direção-Geral da Saúde desta sexta-feira há agora 579 370 pessoas com covid-19 e 594 382 contactos de risco, o que perfaz um total de 1 173 752 pessoas em isolamento.

No dia das eleições os eleitores que estiverem em confinamento poderão ir votar, devendo deslocar-se às assembleias de voto entre as 18 e as 19 horas, segundo a recomendação feita pelo Governo.