A Igreja Católica começou 2019 com vários recados dirigidos aos partidos. Num ano marcado por eleições importantes, com especial destaque para as legislativas de outubro, representantes da Igreja pedem mais participação cívica e criticam a falta de ética de alguns políticos. O ataque mais feroz vem do bispo auxiliar de Braga, que esta terça-feira disse esperar que as eleições sirvam para "varrer o lixo da corrupção".
Homilias e documentos de instituições ligadas à Igreja, como a Comissão Nacional Justiça e Paz, aproveitaram a boleia das palavras do Papa a propósito do Dia Mundial da Paz, que se assinala precisamente no primeiro dia do ano e onde Francisco falou sobre a necessidade da boa política ao serviço da paz. Palavras recordadas pelo Cardeal Patriarca de Lisboa na sua homilia desta terça-feira, onde sublinha o pedido feito pelo Papa para que haja mais participação cívica para "melhorar as coisas". "Pois estejamos atentos, sejamos ativos, façamos paz", defendeu Manuel Clemente na missa da solenidade de Santa Maria, em Aveiras, onde deixou, no entanto, um aviso: "a paz é fruto da Justiça, acontece quando damos a cada um o que lhe é devido, quer material, quer espiritualmente".
E se o Cardeal Patriarca nunca se refere explicitamente ao período eleitoral que se aproxima, com as Europeias a realizarem-se já em maio, o bispo auxiliar de Braga foi bastante mais direto - e muito duro - na sua homilia desta terça-feira, onde pediu uma "cidadania atenta, ativa e criativa" para não deixar a política em "mãos sujas". "No ano que findou, saímos do lixo financeiro, mas tomámos consciência de que continuámos a 'atolar-nos' no lixo da corrupção. Também está nas nossas mãos e nas nossas decisões uma mudança séria e a sério. Que ninguém nos roube a nossa liberdade de escolha", declarou Nuno Almeida, citado pela agência Ecclesia.
"Porque muitos cristãos têm medo de sujar as mãos, corremos o risco de deixar a política em algumas mãos muito sujas", continuou. "Não nos deixemos seduzir com a propaganda política profissionalmente orientada, mas balofa e a fingir. Não permitamos que alguns euros a mais na reforma ou no salário comprem as nossas convicções profundas", um ataque de Nuno Almeida ao eleitoralismo, que parece ter como destinatário o governo.
Já no último dia do ano, a Comissão Nacional Justiça e Paz, organismo de leigos católicos ligado à Conferência Episcopal Portuguesa, tinha apontado o dedo às "atitudes que denotam falta de ética da parte de políticos de quem se esperaria um comportamento exemplar". Num documento divulgado na véspera do Dia Mundial da Paz, a comissão defendeu uma maior participação política dos jovens, lamentando o "crescente absentismo eleitoral e desinteresse na participação política" e ainda a "marginalização de jovens vítimas do desemprego".
O documento do papa "A boa política está ao serviço da paz' deu o mote para estas tomadas de posição em Portugal. Francisco reflete sobre os "vícios" da política, desde logo "a corrupção - nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas". A negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da razão de Estado, a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo são outros dos vícios apontados pelo Papa.
"Cada renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, cada etapa da vida pública constitui uma oportunidade para voltar à fonte e às referências que inspiram a justiça e o direito", lembra Francisco, que defende que "a política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem". Mas quando a prioridade é "a busca do poder a todo o custo" ela "leva a abusos e injustiças".
O Papa voltou a recordar hoje, na recitação do ângelus, o tema da "boa política", ao avisar que a política não está reservada apenas aos governantes: "todos somos responsáveis pela vida da cidade, pelo bem comum; a política é boa na medida em que cada um faz a sua parte, ao serviço da paz".