José Montenegro, vice-almirante na reserva que foi assessor militar de António Costa entre 2016 e 2018, anunciou logo na sua declaração prévia à inquirição, que só tinha tido "três contactos diretos" com o furto de Tancos, em 28 de junho de 2017: nas audições que decorreram sobre o assunto na Comissão de Defesa Nacional; numa reunião a 11 de julho em S.Bento, com o primeiro-ministro (PM) e os chefes dos ramos militares; e através do relatório Tancos 2017, no ministério da Defesa.
Deixando alguns deputados, principalmente do CDS e do PSD quase à beira de um ataque de nervos, o oficial da Marinha deixou claro que a sua ação, enquanto assessor especializado de Costa para os assuntos militares, se tinha reduzido a nada.
Nem sobre o assalto propriamente dito, que soube pela comunicação social, nem sobre a recuperação do material, que teve igualmente conhecimento pela imprensa, em sequer sobre os conflitos entre a Polícia Judiciária Militar (PJM) e a Polícia Judiciária (PJ), este oficial se pronunciou, nem pensou pronunciar-se em S. Bento.
"Nunca conversei com o primeiro-ministro sobre Tancos", admitiu o vice-almirante. Perante a estupefação do deputado do CDS, António Carlos Monteiro, que lembrou a "gravidade" do que estava em causa, José Montenegro frisou que presumira que o primeiro-ministro "estivesse confortável com a informação que lhe era transmitida pelo ministro da Defesa (que insistiu ser, esse sim, o conselheiro do PM para matérias militares)" e que "não seria expectável" que ele "tivesse informação privilegiada". "Fiz questão em não andar por aí a fazer perguntas sobre Tancos", assinalou.
Questionado sobre o que tinha feito quando soube do furto, Montenegro foi perentório: "Não tomei qualquer iniciativa. Fiquei na expectativa. Não tomei qualquer ação".
Recordou que António Costa PM estava fora e quando questionado pelo CDS sobre se recomendou alguma coisa ao primeiro-ministro sobre essa matéria se devia interromper as férias, respondeu: "Nem me passaria pela cabeça fazer alguma recomendação ao primeiro-ministro".
O vice-almirante garantiu que nunca falou também com o então diretor da PJM, coronel Luís Vieira, sobre Tancos - apenas uma vez sobre a lei orgânica da PJM - nem sequer teve conhecimento dos "famosos" memorandos que este oficial da PJM entregou ao ministro da Defesa e ao Chefe de Gabinete - um em que punha em causa a decisão da Procuradoria-Geral da República de entregar à PJ a investigação ao furto, outro com a narrativa da recuperação das armas, à margem do Ministério Público.
O vice-almirante não viu nada de estranho no comunicado da PJM quando recuperou o material - referindo uma investigação que não tinha a seu cargo - , nem nas declarações do então Chefe de Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte, violando o segredo de justiça, sobre a "caixa a mais" que tinha sido devolvida.
José Montenegro justificou que "a preocupação desde logo foi em garantir que uma situação como a do furto não voltaria a acontecer e daí o Sr. primeiro-ministro ter convocado os chefes dos ramos militares para uma reunião, no dia 11 de julho, na qual foi feita uma análise das condições de segurança das instalações militares e discutidas as medidas que seria necessário tomar. Isso foi feito e, a partir daí, é normal que quer eu, quer os Sr. primeiro ministro nos tenhamos colocados à margem, deixando as autoridades judiciárias tratar da questão da investigação".
No final da audição, a deputada do PSD Fátima Ramos, expressou a sua "desilusão" com as declarações do vice-almirante. "O senhor como assessor militar do primeiro-ministro ou não ouvia ou não cumpria o seu papel. Isto vem dar razão a quem acusa o governo de ter assessores a mais. O primeiro-ministro tem três assessores nesta área, enquanto o anterior tinha três. Não consigo compreender como num processo desta gravidade há este afastamento da assessoria militar", criticou a social-democrata.
Montenegro era o assessor militar do gabinete de Costa à data do furto. Quando passou à reserva, e, maio de 2018, mereceu um louvor do primeiro-ministro "pela sólida formação ética e moral, pelas excecionais qualidades e virtudes pessoais que, a par da sua irrepreensível conduta militar e do seu elevado espírito de cooperação, sempre evidenciou no exercício das funções por mim confiadas".
Especializado em Artilharia Naval, frequentou, entre outros, o International Principal Warfare Officer Course no Reino Unido, o Curso Geral Naval de Guerra, o Senior Course do Colégio de Defesa NATO.
Comandou duas unidades navais, a Corveta "Honório Barreto" e a Fragata "Corte Real", com a qual integrou a Standing Naval Force Atlantic como Navio-Almirante. Foi ainda Chefe do Estado-Maior da European Maritime Force (EUROMARFOR).
Foi promovido ao posto de Vice-Almirante em 25 de Outubro de 2010. Passou à situação de reserva em 20 de maio de 2014, tendo permanecido na efetividade de serviço como Inspetor-Geral da Marinha.
Quem soube, quando e que medidas tomou quanto à operação de recuperação do material de guerra protagonizada pela PJM, à margem do Ministério Público, é uma das respostas que os deputados procuram obter por parte de políticos e membros dos seus gabinetes.
Na semana passada, o ex-chefe de gabinete do ex-ministro da Defesa confirmou que recebeu, dia 20 de outubro de 2017 (dois dias depois do "achamento"), do ex-diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), coronel Luís Vieira, e do ex-chefe da investigação desta polícia, Major Vasco Brazão - ambos arguidos no inquérito-crime - um memorando e uma fita de tempo sobre a operação de recuperação de material.
Conforme o DN já noticiou a informação aí registada não é explícita relativamente à "encenação" - entretanto já assumida por militares da PJM envolvidos na operação, ouvidos na CPI. Mas havia havia pelo menos um dado no "memorando" que obrigaria Martins Pereira a informar de imediato as autoridades judiciais: a condição, alegadamente imposta por um dos presumíveis autores do assalto - que a PJM não tinha autoridade para aceitar - de a PJ ser afastada e implicitamente o MP - do processo de entrega das armas.
O tenente-general justificou aos deputados que, tal como já tinha afirmado quando foi ouvido no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), não percebeu que estava em causa uma ilegalidade.
"Tal como já tinha dito, não descortinei ali nenhuma encenação. Para mim tratava-se de uma tática de investigação normal" e partiu do pressuposto que "estava coordenada", com a PJ. "Da leitura do documento não é visível isso. Sou das Operações Especiais, não da investigação criminal. Não consegui descortinar e não sou propriamente um indivíduo pouco inteligente", frisou.
Martins Pereira confirmou que falou com Azeredo Lopes, ao telefone, sobre os documentos entregues, mas alegou não se recordar se os enviou. "Se enviei ao não, não me lembro, o ministro diz que nunca viu o documento, eu confio no ministro", declarou.
Já Vasco Brazão, tinha memória da conversa que diz ter assistido, nesse mesmo encontro de dia 20, entre Luís Vieira e Azeredo. "O Diretor da Polícia Judiciária Militar, numa diligência em que foi acompanhado por mim, comunicou ao então Senhor Ministro da Defesa, na presença do seu Chefe de Gabinete, que o aparecimento do material de guerra furtado não ocorrera da forma como tinha sido publicitada, mas sim através de um informador. O Senhor Ministro não deu ao Senhor Diretor qualquer instrução no sentido de alterarmos a nossa conduta nem de participarmos a ocorrência ao Ministério Público. O Senhor Diretor comunicou-nos que a partir deste momento deveríamos aguardar".
Por seu turno, o ex-diretor da PJM, negando que tenha havido uma "encenação" na recuperação do material, assumiu não se ter conformado com a decisão da PGR em entregar a investigação ao furto à PJM civil, tendo manifestado essa preocupação ao Presidente da República, durante uma visita do Chefe de Estado a Tancos, logo a 4 de julho de 2017 (o furto tinha sido noticiado a 29 de junho).
Segundo Luís Vieira, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu que "ia falar com a procuradora-geral da República e deu um conselho ao ministro da Defesa para falar com a sua colega ministra da Justiça" - situação que Belém já negou.