Segurança eleitoral, credibilidade das sondagens, avaliação a Trump e catarse democrata depois da trágica noite eleitoral de 2016. Simplificadamente, eram estes os testes em cima da mesa nestas intercalares. À partida, o reforço de meios e coordenação com as grandes empresas tecnológicas superaram o primeiro desafio, especialmente grave quando 70% dos americanos se dizem desconfiados sobre a credibilidade do processo eleitoral. Parece que o sistema soube dar resposta aos seus demónios. Também as sondagens ultrapassaram o trauma de 8 de novembro de 2016, sem grandes discrepâncias sobre os resultados para a Câmara dos Representantes, Senado e governadores. Da minha parte, agradeço o esforço e o contributo que dão à melhoria das análises políticas, ao realismo que trazem à grande angular que paira sobre o espectro político e geográfico norte-americano, e ainda à adequação entre meios e discurso nas várias campanhas.
Todas as intercalares são um referendo à administração e ao presidente. Todas. Por isso, em mais de 90% dos casos desde a Guerra Civil o partido do presidente em exercício é penalizado, com especial incidência na Câmara dos Representantes. Neste sentido, a perda da maioria republicana na câmara baixa do Congresso não é uma surpresa. Aliás, pode nem implicar uma redução de hipóteses à reeleição de Trump em 2020. Se nos recordarmos, para não irmos muito mais longe no tempo, Barack Obama perdeu a maioria democrata no Congresso nas midterms de 2010 e foi reeleito em 2012. O que me parece mais relevante nesta avaliação a Trump e ao partido republicano, reside nos resultados obtidos na Rust Belt, a cintura de estados que lhe deram a vitória no colégio eleitoral em 2016, por uma margem de 80 mil votos. Este ângulo é relevante para se perceber como os americanos da Pensilvânia, Wisconsin e Michigan estão a acolher ou não a saúde da economia nacional tão propalada por Trump.
O que aconteceu, então? Os democratas reconquistaram lugares de senadores em disputa, alguns governadores importantes e, no geral, tiveram melhores prestações do que Clinton em 2016 . Quer isto dizer que tudo mudou em dois anos na Rust Belt? Não. Mas significa que valores brutos positivos na economia não estarão a ser sentidos de igual forma em todos os estados, com especial incidência nos que mais sofreram com a crise financeira, como os do Midwest. Não basta a Trump dizer que o emprego está em níveis históricos (quando cresce pelo 95º mês consecutivo), que a sua administração gerou até aqui 3,5 milhões de novos empregos (quando 3,9 milhões foram criados só nos últimos 18 meses da administração Obama), ou que a economia está como nunca esteve (quando o PIB cresce entre 1,6% e 2,9% e o PIB per capita entre 1,5% e 3,9 pelo 8º ano consecutivo). Um eleitor suburbano (onde os democratas cresceram nestas intercalares) que não sinta esta vitalidade económica e esteja indeciso, ao encontrar um candidato democrata com carisma e que lhe fale a verdade, pode não cair mais na narrativa do presidente. Mas isto não significa, por si só, que a noite tenha corrido mal a Trump.
Houve contenção de danos, a maioria do Senado foi ampliada, e a estratégia de cerco legislativo e de investigação potenciada agora pela maioria democrata na Câmara dos Representantes, pode até favorecer o presidente. Por um lado, coloca-o dois anos no centro do debate, polarizando-o ainda mais. Isto serve a sua fórmula: dividir o mapa político e ideológico para reinar. Por outro, mobiliza a sua base eleitoral, tornando-a mais facciosa, impenetrável a investigações ou ao trabalho dos media tradicionais. Mobilizada, como provou estar nestas intercalares, pode ser suficiente para, no confronto com outro erro de casting democrata para as presidenciais, ser suficiente para garantir a reeleição. Se em 2016 Trump usou o GOP como barriga de aluguer para chegar à Casa Branca, em 2018 parece claro que tem o partido na mão.
Os democratas precisavam de equilibrar o sistema, de oxigenar a sua máquina e reavivar a sua plataforma eleitoral cada vez mais multifacetada. Conseguiram os três feitos. Por isso têm hoje uma maior responsabilidade: não basta destruir o que Trump faz ou diz, precisam de trazer à agenda uma alternativa perceptível e galvanizadora. E, com isso, gerar um ticket capaz de agregar essa imensa federação de eleitores. Têm menos de seis meses para o fazer. A campanha segue dentro de momentos.