Uma investigação publicada há poucos dias na revista Science Advances dava conta de que, em África, mais de um terço da população dos grandes símios como gorilas, chimpanzés e bonobos está ameaçada pelo aumento da exploração mineira provocada pela crescente procura de minerais fundamentais para a transição energética, como o lítio ou níquel. Para que possamos continuar a usar os smartphones, laptops ou carros elétricos que moldam a paisagem de um futuro construído com promessas de energia limpa, há também uma pegada de estragos cuja real dimensão vamos destapando a pouco e pouco..O renovar de um alerta já conhecido, agora reforçado com novos dados recolhidos pelo estudo feito em 17 países africanos, chegou numa altura em que na Jamaica, no meio do mar das Caraíbas, parte do imaginário de grandes aventuras oceânicas, mais de 190 delegados e observadores se reuniram, entre 18 e 29 de março, para aquela que foi a primeira parte da 29.ª sessão da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA). E se o nome desta organização dirá pouco à maioria dos mortais, é ali que se debate atualmente um dos mais importantes temas para o futuro do planeta. .Ora, a ISA é uma organização intergovernamental criada ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS, na sigla inglesa) de 1982 para desenvolver regras, regulamentos e procedimentos relativos à exploração comercial de recursos minerais do mar profundo. Ou seja, é quem tem o poder de autorizar ou não a mineração no fundo do mar, fora das zonas económicas exclusivas de qualquer país. Precisamente o próximo passo que a indústria de extração mineira quer dar, com o apoio entusiástico de uma mão-cheia de países que se posicionam já na corrida aos novos tesouros dos oceanos, sedentos por pôr as mãos nos milhões de toneladas de minerais, como o níquel, o cobre ou o cobalto, que se encontram em densos nódulos em metal no fundo do mar..Acontece que este mergulho comercial nas profundezas dos oceanos levanta, naturalmente, uma série de dúvidas e interrogações. Desde logo, à comunidade científica, preocupada com os impactos ainda desconhecidos da mineração em águas profundas. É que, apesar de a Terra ser principalmente um mundo aquático - com mais de 70% da sua superfície coberta por oceanos -, sabemos ainda muito pouco sobre o que reside debaixo de água. Atualmente, apenas cerca de 20% do fundo do mar foi mapeado. Para se ter uma ideia de quão grande é o mistério, uma pesquisa liderada por investigadores do Museu de História Natural de Londres na Zona Clarion-Clipperton, uma vasta área rica em minerais no Oceano Pacífico, concluiu que existirão ali cerca de 5000 animais marinhos completamente novos para a ciência, juntando mais um grande aviso sobre os potenciais custos que a extração comercial subaquática pode ter para a biodiversidade e para a sustentabilidade do planeta..No entanto, os modernos garimpeiros têm pressa. Em janeiro deste ano, a Noruega decidiu mesmo lançar-se já ao mar em busca dos metais preciosos, numa área de 280 mil km2 dentro da sua fronteira marítima, no Ártico, sem precisar, portanto, da autorização da ISA para o fazer - as regras internacionais estipulam que a fronteira marítima de qualquer país se estende até 200 milhas náuticas..No seio da ISA - que inclui 167 Estados-membros, mas entre os quais não se encontram os EUA -, a discussão acelerou nos últimos tempos, muito por culpa da pequena república de Nauru, a menor nação insular do mundo, que, depois de ter esgotado as reservas de fosfato (com brutais impactos ambientais que perduram), procura agora encontrar uma alternativa na mineração do mar profundo no Pacífico, em parceria com a empresa multinacional The Metals Company (TMC). Aproveitando uma lacuna legal, o pequeno país oceânico ativou uma regra que estipula que o Conselho da ISA adote uma regulamentação para a exploração comercial do fundo dos mares no prazo de dois anos após a receção da notificação. Nauru e a TMC decidiram aguardar até ao final desta 29.ª sessão anual da ISA - que terá a sua terceira e última parte em novembro - para avançar com o pedido de exploração, colocando assim pressão sobre uma decisão até final deste ano..Países como a China, Índia e Coreia do Sul também aguardam impacientemente o desfecho das negociações, num jogo de pressões que arrisca um salto sem retorno nas incertezas da sustentabilidade da mineração oceânica. A dar voz a estas preocupações, um conjunto de 25 países, de várias geografias, já apelou a uma moratória, enquanto não existem estudos suficientes para confirmar que a mineração em águas profundas não irá gerar efeitos nocivos nos ecossistemas oceânicos, o maior captor de carbono do planeta. Entre esses países está Portugal, faltando conhecer a postura do novo Governo em relação a esta matéria..“Por que estão as empresas e os Governos determinados a iniciar a mineração em escala comercial de metais raros quando tão pouco se sabe sobre os seus impactos mais amplos?”, questionava em março o editorial da revista científica Nature. Se a sustentabilidade deve ser o princípio orientador de qualquer projeto de transição energética, de nada serve mudar apenas o tipo de recurso ou de superfície a explorar fechando os olhos às potenciais consequências. Temos agora uma oportunidade de não cometermos no mar os mesmos erros que cometemos em terra. Porquê tanta pressa em ir ao fundo?