O sinal

Não consigo deixar de pensar naquele sinal de trânsito! São eles que produzem a maioria dos alimentos, são eles que me servem à mesa nos restaurantes, são eles que me arrumam o carro, e são eles que cortam a relva do jardim da casa onde vivo por estes dias. E apesar disto tudo, lá está o sinal, oficial, no meio da autoestrada. Tem estampado um casal e uma criança a correr. Significa: "Perigo! Imigrantes ilegais a atravessar a estrada!".
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Por mais que me expliquem a necessidade deste sinal aqui na Califórnia ele é uma vergonha! É o símbolo de um dilema que enfrentam há décadas os Estados Unidos e que chegou agora em força à União Europeia, onde milhares de imigrantes ilegais tentam diariamente atravessar o canal da mancha.

Criámos nestes dois polos do mundo estilos de vida que cercámos com muros, alguns invisíveis, e que transformámos em fortalezas. Temos medo ou egoísmo na partilha. À medida que a nossa qualidade de vida melhorou começamos a ter necessidades que exigem trabalhos que já não podemos, ou deixamos de querer fazer. Começámos por isso a precisar deles, dos imigrantes, e fechámos os olhos à lei. Com a hipocrisia dos governos, milhares de ilegais foram entrando nos países da União Europeia, porque davam jeito. Pouco a pouco mais alguns milhões começaram a bater também à nossa porta. Estão dispostos a tudo, até morrer, para fazer parte deste sonho americano, ou europeu.

A Europa deveria aprender com os erros dos Estados Unidos para enfrentar esta tragédia. Não vale a pena gastar mais milhões de euros a construir cercas, ou muros envergonhados. Não servem para nada. Já fizeram isso aqui na Califórnia, na fronteira com o México, e nada resolveu. O desespero encontra sempre maneira de escalar, furar, pagar e até morrer na busca do sonho.

Nos Estados Unidos este problema foi sendo ignorado com muita hipocrisia à semelhança do que assistimos agora na Europa. E as consequências hoje são no mínimo irónicas. Só hispânicos vivem aqui quase 55 milhões. Esta "minoria" passou a ser a base de grande parte do sucesso da economia norte-americana, obrigou este país a falar duas línguas (a seguir ao México esta é a nação onde há mais falantes de espanhol) e tornou-se determinante na escolha do presidente norte-americano.

A força dos latinos é tal que uma das televisões mais poderosas nos Estados Unidos só fala espanhol. A Univision consegue muitas vezes ser a estação mais vista no prime time entre os espectadores de 18/49 anos, a mais cobiçada faixa de audiência televisiva. Uma arma que permite a este canal formar muita da opinião pública norte-americana. Tornou-se por isso ponto de passagem obrigatório para qualquer candidato que queira entrar na Casa Branca.

Ironicamente os muros que foram levantados contra os imigrantes neste país não os impediram de entrar, vencer e ficar. Antes pelo contrário. Conseguiram marginalizar uma população que com muito sacrifício e sofrimento vingou, cresceu e poderá em breve ser ela a governar uma das nações mais poderosas do mundo. Ninguém já tem dúvidas que depois de uma mulher será inevitável a Casa Branca ter um presidente Hispânico. Talvez só nesse dia o vergonhoso sinal desapareça para sempre da autoestrada que liga a Califórnia ao México.

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