Internacional
27 junho 2022 às 05h00

Finalmente, um cardeal para Goa

Apesar da sua longa história e importante papel na difusão do catolicismo no sul e sudeste da Ásia, o arcebispo de Goa, que também é o patriarca das Índias Orientais, nunca fora elevado ao status de cardeal.

Alexandre Moniz Barbosa, Goa

Faltando apenas 11 anos para completar cinco séculos desde que foi criada, a Arquidiocese Católica de Goa e Damão recebeu uma notícia que lhe trouxe muito ânimo. Goa, que foi colónia portuguesa por 450 anos e que foi o berço de onde o catolicismo foi introduzido pela primeira vez no subcontinente indiano e depois viajou mais além para o leste até o Japão, finalmente ganhará um barrete vermelho.

No dia 29 de maio, o Papa Francisco surpreendeu os goeses com o anúncio, em Roma, de que o arcebispo patriarca Dom Filipe Neri Ferrão seria elevado à estatura de cardeal num Consistório de agosto junto com 20 outros (agora 19 pois um dos cardeais-eleitos da Bélgica pediu que o seu nome seja excluído desta lista).

Apesar da sua longa história e do importante papel que desempenhou na difusão do catolicismo no sul e sudeste da Ásia, o arcebispo de Goa, que também é o patriarca das Índias Orientais, nunca foi elevado ao status de cardeal. Foi assim até agora. Curiosamente, embora seja um cardeal patriarca, ao contrário do cardeal patriarca de Lisboa ou Veneza, Dom Ferrão não será o cardeal patriarca de Goa e Damão.

O padre Joaquim Loiola Pereira, secretário do arcebispo e prelado muito respeitado da arquidiocese, explica-o quando afirma que, embora o cardeal eleito Ferrão seja arcebispo de Goa e Damão, não é patriarca de Goa e Damão, mas tem outro título de patriarca das Índias Orientais, portanto, enquanto o seu título será cardeal patriarca, ele será cardeal arcebispo de Goa e Damão e cardeal patriarca das Índias Orientais.

Mas enquanto os católicos em Goa podem ter de se acostumar com uma nova designação para o seu arcebispo, a elevação vai além de apenas uma mudança de título. Jason Keith Fernandes, investigador do Centro de Investigação em Antropologia do ISCTE, Lisboa, explica: "É um momento de orgulho também para Goa, pois é mais um reconhecimento do esforço árduo e secular dos goeses na evangelização de grandes partes do subcontinente, para não falar da Ásia e da África".

Foi após a conquista de Goa por Afonso de Albuquerque, em 1510, que foi construída uma capela dedicada a Santa Catarina na atual aldeia de Velha Goa. Foi nomeada padroeira e, a 31 de janeiro de 1533, foi criada a Diocese de Goa, estendendo-se a sua área desde o Cabo da Boa Esperança até à China e Japão. Nos anos e séculos seguintes, a diocese foi bastante fragmentada. Hoje a sua área estende-se por 1619 milhas quadradas [4193 km2] e uma população católica de aproximadamente 640 mil pessoas. Isso, no entanto, não pode explicar o papel que Goa desempenhou na propagação da fé no leste da Ásia, mas embora tenha uma história tão longa e importante, o seu chefe nunca foi um príncipe da Igreja.

Haveria alguma razão específica para isso? Fernandes tem uma nova perspetiva sobre o assunto, pois traz um pedaço da história que relaciona ao anúncio do cardeal como fim de um longo conflito histórico. "Para quem tem memória histórica, este também é um fim bem-vindo às amargas experiências do conflito entre a Propaganda Fide e o Padroado", disse Fernandes.

Para benefício daqueles que não têm uma longa memória histórica, em suma, o Padroado foi um acordo entre o Vaticano e Portugal, através do qual o Vaticano concedeu a Portugal o privilégio de selecionar candidatos para as sés e benefícios eclesiásticos nas suas colónias em África e as Índias Orientais, sendo Goa uma delas. Embora esta concessão possa ter sido concedida a Portugal no primeiro impulso de suas conquistas, mais tarde houve conflitos entre o Padroado e a Propaganda Fide que era a Congregação do Vaticano para a Propagação da Fé e, portanto, supervisionava os esforços missionários.

Perante este pano de fundo do Padroado, o que é relevante aqui é que Dom Ferrão é apenas o segundo goês a presidir sobre a arquidiocese, sendo o primeiro o seu antecessor, o arcebispo emérito Raul Nicolau Gonsalves. Antes disso, sob as concordatas e o Padroado, os arcebispos de Goa vinham todos de Portugal. Só mudou depois de 19 de dezembro de 1961, quando terminou o governo colonial de 451 anos de Portugal em Goa.

Assim, embora houvesse padres goeses que foram elevados aos cargos de bispos e arcebispos em outras partes da Índia e da África, a arquidiocese de Goa e Damão obteve o seu primeiro bispo goês só em 1978, depois do reverendo José Vieira Alvernaz ter resignado, embora este tenha saído de Goa em 1961.

Em Goa, no entanto, a notícia foi recebida não com qualquer contexto histórico, mas como reconhecimento da arquidiocese e do arcebispo. Felicitações derramaram de católicos e outros. O ministro-chefe de Goa, Pramod Sawant, foi um dos que enviaram os seus bons votos dizendo: "Os mais sinceros parabéns ao reverendo arcebispo Filipe Neri Ferrão por ter sido escolhido como um dos 21 cardeais por Sua Santidade o Papa".

No entanto, embora se tenha reunido com várias delegações que o foram felicitar, o reverendo Ferrão não fez nenhuma declaração pública sobre a sua elevação. Em vez disso, dois dias após o anúncio, o cardeal eleito cumpria os seus deveres normais, desta vez viajando para a igreja em Duler, Mapusa, para divulgar o plano pastoral para o ano 2022-23 de arquidiocese.

Para a Índia, o anúncio de dois novos cardeais, com o arcebispo de Hyderabad, Anthony Poola, a ser o segundo, é muito significativo, pois aumenta o número de cardeais ativos no país de quatro para seis.

A Índia agora ocupa um lugar mais proeminente na Igreja Católica e o aumento do número de cardeais do país pode ver um aumento significativo da sua influência no Vaticano agora e nas décadas seguintes. Os sacerdotes de cá também veem a Índia a desempenhar um papel mais influente no próximo conclave papal, quando for realizado, pois o número de cardeais indianos será maior. Continua a especulação de que nos próximos anos a Índia poderá receber ainda mais cardeais. Esses podem vir do centro, leste e nordeste do país.

Nesse contexto de especulação de aumento de cardeais da Índia, há uma escola de pensamento no país entre os membros do clero de que o número de cardeais do sul global, países da Ásia, África e países da América Latina, vai aumentar e isto impactará exponencialmente a eleição do Romano Pontífice, reduzindo o domínio da Europa em futuros conclaves.

Falando a este correspondente, um prelado com experiência na Europa e América do Norte, além da Ásia, disse: "A nova indicação leva a supor que alguns serão criados como cardeais de países menos populosos católicos ou onde existem níveis mais altos de ameaças para praticar em igrejas cristãs. O que precisa ser visto é se esses cardeais são representativos de um número crescente de fiéis no sul global ou a influência desses países está levando a uma nova hermenêutica da maneira como as coisas são feitas".

Mesmo que haja tentativas de olhar para o futuro, há indícios no passado que indicam o caminho que a Igreja vai levar no futuro. É pertinente aqui recordar que durante uma breve visita à Índia em 1999, o Papa João Paulo II, agora santo, referindo-se ao crescimento do cristianismo na Europa e na África no primeiro e segundo milénios, havia dito da Ásia "que o terceiro milénio cristão testemunhe uma grande colheita de fé neste vasto e vital continente". Os sucessores de João Paulo II não se esqueceram disso, pois há apenas algumas semanas, no mês passado, a Índia conseguiu outro santo - Devasahayam Pillai - o primeiro leigo do país a ser canonizado.

Goa desempenhou um papel importante na propagação da fé católica na Ásia. Tem uma longa história mas, como as pessoas se alegram com o barrete vermelho que o seu arcebispo patriarca vai usar em breve, pode ser pertinente ter em mente o que disse um padre, que o desafio não é usar o chapéu vermelho, mas permitir-lhe desgastar-se ao serviço do povo.

dnot@dn.pt