Silêncio. Eis uma bela palavra cinematográfica que, como numa partitura musical, pode adquirir um peso especial no interior de um filme. Dito de outro modo: aí está O Silêncio de Julie, primeira longa-metragem de Leonardo Van Dijl e também (mais) um grande acontecimento na produção proveniente da Bélgica.Julie é uma estudante que revela qualidades invulgares para a prática do ténis, para tal contando com o apoio incondicional de Jeremy, o seu treinador - é mesmo vista por todos como a “protegida” de Jeremy. Até que Aline, colega de Julie e também praticante de ténis, se suicida: a direção da escola suspende Jeremy, iniciando-se um inquérito para tentar esclarecer o que gerou o gesto fatal de Aline...Não estamos perante um filme da moda em que a complexidade das relações humanas se reduz a um enigma “policial” que desembocará numa inevitável partição dos “puros” e dos “impuros”. A questão central do filme é mesmo o “silêncio” do título: embora todos peçam a Julie que diga alguma coisa que possa ajudar a compreender a tragédia de Aline, ela persiste na sua recusa em falar.O subtil argumento de O Silêncio de Julie, assinado por Van Dijl e Ruth Becquart (também intérprete da mãe de Julie) coloca em cena uma comunidade - estudantes, professores, escola e famílias - que, por assim dizer, desconhece os seus próprios bastidores. Há mesmo no modo de filmar de Van Dijl, porventura favorecido pela geometria do ténis, a capacidade invulgar de dar a ver a tensão entre o desejo de uma ordem transparente e a lógica de uma ordem que desconhece os seus fantasmas. Tessa Van den Broeck, intérprete de Julie, é prodigiosa na representação dessa tensão, sem esquecer que as suas vivências são pontuadas pela extraordinária música original da americana Caroline Shaw, figura fundamental dos novos “clássicos contemporâneos”. Resumindo, este é mais um exemplo de um genuíno realismo social que tem marcado alguns títulos notáveis da produção belga, quase todos influenciados pela “escola” narrativa dos irmãos Dardenne - simplificando, digamos apenas que a sua empresa (Les Films du Fleuve) é uma das entidades envolvida na produção de O Silêncio de Julie.