O Flamengo de Jorge Jesus é o campeão da Taça Libertadores de 2019. O clube brasileiro venceu neste sábado o River Plate, da Argentina, por 2-1, e voltou a erguer o troféu mais importante da América do Sul (equivalente à Liga dos Campeões europeia) 38 anos depois de Zico e companhia terem vencido o Cobreloa, do Chile, na final realizada em Montevideu, no Uruguai. Um jogo de loucos resolvido no final com dois golos do avançado Gabigol. O último ao minuto 90'+2!
Foi um jogo com um final surreal. O Flamengo viu-se em desvantagem logo aos 14 minutos, com um golo de Borre, e durante a primeira parte sentiu sempre grandes dificuldades para contrariar a estratégia montada pelo treinador do River Plate. No segundo tempo, a equipa canarinha melhorou, mas o aproximar do final do jogo já não dava grandes esperanças aos muitos adeptos do Flamengo presentes na final disputada em Lima.
Mas ao 89', Gabriel Barbosa marcou o golo do empate e levou ao delírio os adeptos brasileiros. E quase como por artes mágicas, Gabigol, quando já todos se preparavam para o prolongamento, apontou o segundo do Flamengo. Imaginem a que minuto? Aos 90'+2, esse minuto fatal que ficou marcado pela negativa na carreira de Jorge Jesus na época 2012-13, primeiro com o golo de Kelvin que praticamente deu o título ao FC Porto, e depois na final da Liga Europa com o cabeceamento de Ivanovic na partida com o Chelsea.
"É o título mais importante da minha carreira até hoje. A Libertadores está para este continente como a Liga dos Campeões está para a Europa. Esta final foi vista em 176 países e por milhões de pessOas e perceberam a qualidade destas duas grandes equipas. Qualquer uma poderia ter ganhado. Os adeptos do Flamengo são impressionantes e precisavam de transportar isto para títulos. Um está ganho, falta o campeonato, que é tão importante para mim. Para os adeptos este era o mais importante e felizmente virámos o resultado. Uma palavra para Portugal. Sei que o Flamengo tem sido uma paixão grande, não sei se eram 10 milhões mas muitos milhões de portugueses estavam a fazer força para o Flamengo ganhar. Um grande beijo e tenho muito orgulho em ser português", disse Jesus à Sport TV após a conquista da Libertadores2019.
Veja aqui os golos que deram a Libertadores ao Flamengo.
Este triunfo foi o culminar de uma sequência de 13 jogos na competição, que começou em março ainda na fase de grupos sob o comando do treinador Abel Braga (três vitórias, um empate e duas derrotas), e que depois teve Jorge Jesus como o maior protagonista.
O treinador português, contratado no verão para render precisamente Abel Braga, estreou-se na Libertadores nos oitavos-de-final da prova. Começou com uma derrota que parecia comprometedora, perdendo por 2-0 com o Emelec, no Equador, no jogo da primeira mão. Depois, em pleno Maracanã, o Flamengo deu a volta ao texto. Venceu por 2-0, igualou a eliminatória, e no desempate por grandes penalidades triunfou por 4-2, assegurando por mérito próprio um lugar nos quartos-de-final.
Na caminhada até à final, Jorge Jesus deixou ainda pelo caminho o Internacional de Porto Alegre (2-0 em casa e um empate a um golo fora) e depois o Grémio, com uma goleada das antigas (5-0) e uma exibição de sonho no jogo da segunda mão disputado no Maracanã, após uma igualdade a um golo no campo do rival.
Neste sábado, Jorge Jesus fez história. Conquistou a segunda Libertadores do Flamengo e colocou um ponto final na malapata das grandes finais perdidas, pois quando era treinador do Benfica saiu derrotado em duas ocasiões no jogo decisivo da Liga Europa - em 2012-13 frente ao Chelsea (com um famoso golo de Ivanovic aos 90'+2) e em 2013-14 diante do Sevilha (nas grandes penalidades).
A vitória na Libertadores fez rebentar um pouco por todo o Brasil uma enorme festa, com epicentro no Rio de Janeiro, onde milhares de adeptos assistiram ao jogo através dos ecrãs gigantes no Maracanã e depois nas ruas da cidade.
Uma festa que se vai prolongar até este domingo com a chegada da equipa, que vai desfilar pela cidade, e que pode ter um novo motivo de comemoração mais logo: é que mesmo sem jogar, o Flamengo tem hipóteses de se sagrar campeão brasileiro neste domingo à noite, caso o Palmeiras, segundo classificado, a 13 pontos de distância, não vença o Grémio.
Jorge Jesus tornou-se no segundo treinador europeu a conseguir vencer a Taça Libertadores. Antes dele, apenas Mirko Jozic, técnico croata que treinou o Sporting, conseguiu tamanho feito, ao serviço do Colo Colo, do Chile, na edição da prova em 1991.
O treinador português contribuiu ainda para quebrar um pouco a lógica da Libertadores, pois foi apenas o quinto técnico estrangeiro a vencer a competição, depois do uruguaio Luis Cubilla (campeão pelo Olímpia do Paraguai em duas ocasiões), do já citado Mirko Jozic, e dos argentinos Nery Pumpido em 2002 pelo mesmo Olimpia e Edgardo Bauza, em 2008, pelos equatorianos da LDU.
"Se alguma vez me tivessem perguntado se poderia estar na Libertadores... não pensava nisso, a minha vida era a Champions. Mas a Libertadores é a Champions da América Latina e participar nesta competição foi um dos motivos pelos quais aceitei o Flamengo. Entra no currículo que já tenho na Europa", disse Jesus em julho, precisamente na véspera de se estrear na prova. Este sábado ficou com o seu nome inscrito na principal competição de futebol da América do Sul e do Mengão.
A comitiva do Flamengo só regressa ao Rio de Janeiro na manhã deste domingo (à hora do almoço em Portugal Continental), pois viaja durante a madrugada. Do aeroporto, num autocarro fechado, Jorge Jesus e os jogadores deslocam-se até à Candelária, uma igreja localizada bem no centro da cidade. Daqui, a comitiva segue para um cortejo pela Avenida Presidente Vargas até à estátua do Zumbi dos Palmares.
Quando no dia 1 de julho foi oficialmente apresentado como treinador do Flamengo, a desconfiança apoderou-se dos adeptos, de antigas estrelas da equipa e até de comentadores. Jesus ouviu um pouco de tudo, desde ser um treinador velho, a estar completamente fora da realidade do futebol brasileiro e de ter pouco currículo.
Mais ainda. Ao longo de todos estes meses foi alvo de uma certa discriminação por parte da classe de treinadores brasileiros, que a determinado momento virou quase ciúme, sobretudo quando os resultados começaram a surgir. De certa forma, os técnicos brasileiros viram o seu trabalho colocado em causa por um estrangeiro que em apenas seis meses conseguiu transformar uma equipa numa verdadeira máquina. Por isso, não raras as vezes, o sucesso do Flamengo foi quase sempre atribuído pelos rivais à qualidade dos jogadores e à boa saúde financeira do clube. Poucos foram os que, em determinada fse, deram realmente mérito a Jorge Jesus.
"Não vim tirar o lugar a ninguém e não vim ensinar ninguém. Não sou melhor nem pior, trabalho segundo uma metodologia. Queria lembrar os meus colegas brasileiros que em Portugal já tivemos um brasileiro na seleção, Scolari. Era acarinhado por todos os treinadores portugueses. Ele e muitos outros que trabalharam em Portugal: René Simões, Autuori, Abel Braga, Carlos Alberto Silva. Todos nós em Portugal tentámos aprender com eles, nunca foi esta agressividade verbal que há aqui sobre mim. Não entendo estas mentes fechadas, mesmo de alguns já em casa, de luvas e a tremer", reagiu Jesus.
A determinada altura, tornou-se impossível não elogiar o treinador de 65 anos que nasceu na Venda Nova, na Amadora, e cujos maiores sucessos foram alcançados ao serviço do Benfica. Sobretudo nas semanas que antecederam a final da Libertadores. De Pelé a Zico, passando por Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo "Fenómeno", e por vários treinadores brasileiros, quase todos passaram a admirar o mister, a alcunha pela qual começou a ser tratado, quando numa célebre conferência disse: "Professor é quem ensina matemática ou filosofia, chamem-me mister".
Agora, depois dos festejos, na próxima semana, a questão em cima da mesa é só uma: vai Jesus continuar no Flamengo ou aproveitar uma cláusula que tem no contrato que lhe permite deixar o clube já em dezembro? Depois destes seis meses mágicos provavelmente não vão faltar interessados...