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14 MAI 2019
14 maio 2019 às 06h24

António Costa é o prato principal na campanha europeia de Rangel

Dez anos depois das suas primeiras europeias, Paulo Rangel sente "maior consciência das pessoas sobre a Europa", mas a ordem é apontar a António Costa. "As pessoas vêm ter connosco e falam do problema da sua rua", confessa.

Rui Frias

"Menina, menina, não se esqueça do meu café por favor." Ao balcão do restaurante Bar da Praça, em Vila do Conde, depois de uma viagem de barco pelo rio Ave e de um almoço com militantes em que aproveitou os problemas que afetam os pescadores locais como embalo para um endurecer das críticas sobre a governação de António Costa, o cabeça-de-lista do PSD às eleições europeias retempera forças com mais um café.

Em condições normais, seria o último do dia, confessa ao DN, mas em campanha a dose é reforçada e contempla mais um ao longo da tarde, para preparar o discurso do grande jantar-convívio da noite, em Penafiel, que marca uma espécie de momento zero da campanha, que arranca de forma oficial nesta segunda-feira.

Paulo Rangel, que já anda em pré-campanha há um par de meses, chega a esta altura afetado por uma rinite que não o larga há uns dias. "E com estas coisas há alturas do dia em que ficamos mais prostrados", admite. A cafeína é um auxiliar precioso para manter a vitalidade que lhe vai ser exigida ao longo dos próximos 15 dias, até às eleições de 26 de maio.

Esta é a terceira campanha consecutiva em que Rangel assume o papel de cabeça-de-lista do PSD às europeias, depois de em 2009 ter dado a vitória aos sociais-democratas em pleno período de maioria absoluta de José Sócrates no país e de em 2014 ter servido de gatilho para a subida de António Costa à liderança do PS (a "vitória poucochinha" de Assis sobre Rangel que levou os socialistas a livrarem-se de António José Seguro).

Dez anos depois, Paulo Rangel diz ao DN que sente "uma maior consciencialização" do eleitorado para as questões europeias, mesmo se estas parecem ser sempre as eleições condenadas às maiores taxas de abstenção. "Nos detalhes mais técnicos, não, está igual. Mas sobre a importância da Europa e uma certa ligação entre as questões nacionais e europeias, sim. E aí, apesar de tudo, acho que a crise teve um efeito, o tempo da troika criou maior sensibilidade para a lógica europeia, as pessoas ouviam todos os dias notícias sobre a influência da Europa nas políticas nacionais", diz, por entre o café que permite aliviar as dores de cabeça provocadas pela rinite.

Mas, como comprova a ação de rua marcada pelo PSD para este "domingo zero" de campanha, 12 de maio, no litoral norte, o tema continua a não ser o mais popular no dia-a-dia dos portugueses, com várias pessoas a mostrarem desconhecimento até sobre o facto de haver eleições neste mês de maio. "Se perguntar às pessoas o que faz exatamente um eurodeputado, em que dia é que são as eleições, isso ainda não sabem. Quando comecei a pré-campanha em fevereiro/março, muitas pessoas não tinham bem a noção de que ia haver eleições europeias neste ano; agora, muitas já sabem mas ainda perguntam o dia e confundem eleições, perguntam se não são em outubro [data das legislativas]", constata o eurodeputado.

Preocupação na Póvoa é a romaria à Nossa Sra. da Saúde

A incursão pela feira da Estela, na Póvoa de Varzim, histórico território laranja que acolhe o início da jornada de campanha domingueira, permite testemunhar isso mesmo. "Mas vai haver eleições agora? Não é mais para o fim do ano?", questiona uma feirante, perante a abordagem do candidato, que vai respondendo pacientemente. "Isso são outras. Agora, estas eleições são para as Europeias, 26 de maio, não se esqueça. Tome lá uma caneta para ir votar." O ritual repete-se ao longo do dia (ao longo das campanhas?).

Bento Silva, de 76 anos, é um dos fundadores do PSD na Póvoa, militante "número dois" a nível concelhio e "o número 474 a nível nacional", diz ao DN. Pouco passa das nove da manhã quando este antigo presidente da Junta de Freguesia da Póvoa e um outro militante estacionam o carro no parque do Hotel Contriz com o material de campanha que vai ser usado na visita à feira. Não faltam as coisas típicas de ocasião, de bandeiras a esferográficas, que garantem sempre que pelo menos o nome do partido vá para casa de umas centenas de transeuntes.

Enquanto espera a chegada de Paulo Rangel, Bento Silva desfia as memórias das "reuniões com Sá Carneiro". "Sou do PSD porque sou Sá-carneirista, não porque conhecesse a fundo os estatutos ou isso", confessa, quase num remake de uma frase de Rui Rio na semana passada, quando o líder do partido disse que se não fosse o histórico fundador do PSD "se calhar teria ido para o PS". Não foram. Nem Rio nem Bento Silva, que não duvida que Paulo Rangel vai ganhar as Europeias. "Na Póvoa, então, de certeza", garante, sublinhando que "aqui ganha sempre o PSD". "Até quando foi o desastre da maioria absoluta do Sócrates, a Póvoa foi o único concelho do Porto onde o PSD ganhou", lembra, mostrando apenas uma preocupação: a abstenção. "Vai haver muita porque é o dia da romaria à Nossa Sra. da Saúde, em Laundos, e, nesse dia, 90% da Póvoa vai para lá."

Se fossem autárquicas, sim, a mobilização era maior, assegura. Mais até do que as legislativas. "Essas são as nossas grandes eleições." Os problemas locais e nacionais continuam a ser os que mais interessam diretamente às pessoas. Paulo Rangel sabe disso. O candidato do PSD, que chega à feira pouco antes das dez da manhã, com um ar algo afetado pela tal rinite de época, começa a distribuir os panfletos com a sua imagem, acompanhado pelo presidente da câmara local, Couto Pereira, e vai ouvindo as preocupações de feirantes e compradores, sejam essas "os preços do aluguer" dos espaços na feira ou "o estado da estrada ao pé de casa".

Professores. "Com o tempo vai perceber-se melhor a posição do PSD"

"É mais fácil chegar às pessoas com assuntos da política nacional e até da local", admite Rangel. "As pessoas vêm ter connosco e falam do problema da sua rua, da estrada que falta construir, da recolha do lixo, da garagem que não sei quê... As pessoas até sabem que nós às vezes não vamos resolver isso, mas pedem-nos para falar lá com quem pode resolver. Como as pessoas veem alguém que reconhecem da televisão ou sabem que está numa campanha, querem que essa pessoa seja o seu provedor junto de quem pode resolver os seus problemas. Também há aquelas que nos pedem: "olhe, trate lá de nós lá fora, cuide de Portugal... que é a maioria", retrata o eurodeputado.

Os assuntos locais e nacionais vão mesmo ser a fonte de energia para Paulo Rangel ao longo do dia. Mais até do que o café por que anseia ao almoço. A crise política a propósito do tempo de serviço dos professores, que marcou a semana anterior, interrompeu a dinâmica de lançamento de campanha, mas o eurodeputado garante que não afetou a mobilização. "Afetar a campanha, não acho que tenha afetado. Estou em pré-campanha já há mais de um mês, não senti diferença nem de ânimo nem de mobilização. Agora, em termos de agenda de debate nacional, isso foi quase um monotema durante uma semana. Não sei se isso terá algum impacto ou não a seguir. Mas, sinceramente, em termos de mobilização da campanha não sinto diferença."

E acredita que, "com o tempo", a posição do partido nessa matéria será compreendida de melhor forma, diz ao DN. "Quanto mais o tempo passar, mais bem compreendida será a estratégia do PSD nesta matéria [da crise dos professores]. Admito que houve muita intoxicação comunicacional, muito ruído à volta do tema. Mas, à medida que a poeira assenta, para as pessoas as coisas tornam-se mais claras. Temos a ganhar com a passagem do tempo, no sentido de clarificar a posição de cada partido e do próprio governo, claro."

Aquilo que Rangel e o PSD catalogam como "golpe de teatro" de António Costa - a crise política que levou à ameaça de demissão do primeiro-ministro - vai ser usado várias vezes ao longo do dia para o ataque cerrado "ao governo de António Costa", o grande tema que a campanha laranja tem na sua agenda por estes dias. Deixada Póvoa de Varzim para trás, a comitiva de Paulo Rangel atravessa para Vila do Conde, onde o candidato se vai meter literalmente à água para abordar os problemas que afetam a chamada economia azul local.

Vila do Conde. O pé na água e a entrevista de Moedas

Antes de entrar para a embarcação que o levou a visionar a barra, o porto de pesca e os estaleiros de Vila do Conde, o excesso de gente na plataforma de acesso quase a fazia virar e ainda obrigou Rangel a molhar os sapatos. O percalço foi rapidamente ultrapassado e a viagem retemperou as forças de Rangel, que saiu do barco embalado para as críticas ao governo de António Costa. E nem os inesperados elogios do comissário europeu Carlos Moedas, mandatário nacional do PSD nestas eleições, à atuação do executivo socialista (em entrevista ao DN e à TSF) condicionaram o ataque do candidato.

Começando por aproveitar os problemas de assoreamento da barra de Vila do Conde para expor a falta de aproveitamento dos fundos europeus por parte do governo - "o Programa Operacional Mar 2020 é um dos casos mais graves de não execução dos fundos", lembrou -, Rangel tentou inverter o efeito da entrevista de Moedas lançando o repto a António Costa para que renove a confiança no "trabalho muito bom" do comissário europeu em Bruxelas e apoie a continuidade de Carlos Moedas, "em vez de andar a fazer experiências e projeções várias sobre comissários nestas eleições".

E depois carregou o tom sobre as políticas socialistas que permitem "contas certas com escolhas políticas erradas", apontando em especial à situação na Saúde, em que o anunciado aumento das taxas de mortalidade materna e infantil "representam uma regressão de mais de 20 anos", denunciou. "Estamos a deixar morrer as nossas crianças", alertou no primeiro discurso oficial do dia, ao almoço, ainda em Vila do Conde, onde Rangel começou a visar diretamente o primeiro-ministro, a quem catalogou de "esse grande artista da política, a quem só interessa o voto". E pediu então, para dia 26, "um fortíssimo cartão amarelo a António Costa e às suas políticas".

Matosinhos. O apoio de Aguiar-Branco e o entusiasmo do Sr. Guilherme

Depois de almoço, viagem até Matosinhos, onde Paulo Rangel recebeu o reforço de José Pedro Aguiar-Branco, de quem foi secretário de Estado no Ministério da Justiça no governo de Santana Lopes, em 2004, nos primeiros tempos de uma atividade política que começara poucos anos antes, com a elaboração do programa de candidatura de Rui Rio à Câmara Municipal do Porto, em 2001. Mais de uma década depois, os três nomes repetiram-se neste domingo de campanha.

A Aguiar-Branco ficou a missão de animar a arruada na marginal de Matosinhos e o agora político retirado (atualmente dedicado em exclusivo à advocacia, depois de ter renunciado ao mandato de deputado, em fevereiro) mostrou que continua com a política "no sangue". Debaixo de um calor de ananases, com os termómetros acima dos 30 graus, a comitiva laranja percorreu o calçadão até ao Edifício Transparente, já no Porto, a tentar captar a atenção da multidão que acorreu às praias neste domingo.

O antigo ministro não poupou esforços, bem-disposto, a tomar a iniciativa de contacto com muitas das pessoas sentadas a apanhar sol, promovendo "o candidato mais consagrado", Paulo Rangel, mas também a chamar a atenção para "a candidata mais jovem", Ana Lídia Pereira, a economista de 27 anos que lidera a juventude do PPE (a área política europeia do PSD) e é a número dois da lista do partido a estas Europeias.

Aguiar Branco e Lídia Pereira dizem ao DN que sentem o candidato "cheio de energia" para esta campanha. O antigo ministro lembra que Rangel "já demonstrou no passado, com bons resultados, que é um bom candidato". Já a economista de Coimbra elogia a sensibilidade do eurodeputado para as temáticas mais relacionadas com os jovens e admite sentir "uma responsabilidade grande" para corresponder ao "sinal de abertura dado pelo partido à juventude", com a sua escolha para número dois da lista.

Já na fronteira entre Matosinhos e o Porto, a comitiva viveu o seu grande momento de entusiasmo, surpreendida por um emigrante. "Fora com a geringonça", gritou Guilherme Seixas ao avistar as bandeiras laranja, no momento em que se tirava uma foto de grupo na chamada Rotunda da Anémona que é ponto de encontro entre as marginais dos dois concelhos. Foi o mote para o primeiro grito coletivo de "PSD, PSD" desta arruada.

Emigrante em Toronto, no Canadá, há mais de 50 anos, abeirou-se de Rangel para pedir ao candidato que "dê cabo deles, dos socialistas". Aos 72 anos, diz, "só há duas coisas" que o fazem vir a Portugal: "Nossa Senhora de Fátima e o partido." Veio por causa do 13 de maio e não vai votar nas europeias. Mas nas legislativas garante que vem de propósito votar a Carrazeda de Ansiães, onde nunca deixou de estar registado.

Penafiel. O ataque de tosse de Rio e Costa como prato principal

Ego reconfortado, Paulo Rangel pôde então descansar um par de horas até ao momento alto do dia: o jantar-comício em Penafiel, perante cerca de dois mil apoiantes, onde o cabeça-de-lista teve a seu lado o presidente do partido, Rui Rio. Um ataque de tosse, no entanto, condicionou o discurso do líder do PSD, interrompido algumas vezes até uma militante se ter dirigido ao palanque com um copo de água.

Paulo Rangel, esse, surgiu de discurso enérgico e incisivo, de novo com António Costa e o seu "candidato virtual" Pedro Marques sob ponto de mira. Devidamente informado sobre a ação de campanha socialista em Mangualde, onde o nome de Pedro Marques nunca foi referido no discurso de Costa, Rangel lembrou que ninguém se esconde no PSD, ao contrário da campanha socialista, que privilegia "espaços fechados" e trata de um "candidato virtual".

O cabeça-de-lista do PSD deixou claro: "O nosso adversário nestas eleições é António Costa." E reforçou o pedido já lançado ao almoço: "um cartão amarelo, quase laranja" para este governo nas europeias. Como Rangel tinha admitido ao DN no café após o almoço, os assuntos nacionais continuam a ser a forma mais eficaz de abordar as europeias. Por isso, António Costa será o prato principal na campanha laranja.