Sociedade
12 dezembro 2022 às 00h15

"Investe-se na formação e não há retorno. Estamos perder a geração mais qualificada"

Salário, estabilidade e reconhecimento são as razões que levam tantos jovens com formação superior a saírem do país. 70% ganhava menos de mil euros e passou a receber mais de dois mil e, até, mais de três mil.

Céu Neves

Os portugueses com habilitações superiores que emigram chegam a ganhar três vezes mais nos países que os acolhem do que em Portugal. Conseguem empregos estáveis e progressão profissional, e os que partiram a pensar no regresso, dizem, agora, que a saída é permanente. São os novos emigrantes e estas conclusões estão no estudo Êxodo de competências e mobilidade académica de Portugal para a Europa.

"Faz-se um investimento na formação dos jovens, que depois não têm o devido reconhecimento na sociedade portuguesa e acabam por emigrar. Não há o devido retorno para o desenvolvimento do país", lamenta João Teixeira Lopes, um dos autores do estudo. Esclarece: "Do ponto de vista do indivíduo é perfeitamente racional, mas não do país. Estamos a perder a geração mais qualificada, é um absurdo."

A investigação envolveu os jovens qualificados que emigraram para a Europa, e que representarão um quarto dos portugueses que deixaram o país na última década, segundo o sociólogo, professor e investigador do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto. Discorda do uso do termo "fuga de cérebros", preferindo a designação "emigração qualificada".

A maioria dos jovens que deixa o país não tem um curso superior, apesar da qualificação ser cada vez mais elevada. Mas o número de emigrantes qualificados subiu 87,5%. O seu peso era de 6,2% do total de emigrantes em 2000, atingindo os 11% em 2015.

Para o estudo, os investigadores realizaram entrevistas em videoconferência e questionários online, a que responderam 1011 pessoas. Uma das razões apontadas para emigrar é o nível salarial. "Estamos a falar de pessoas que ganhavam mil euros [em Portugal] e nos países de destino vão ganhar três mil ou mais euros". Segundo o documento em Portugal, 70% ganhava menos de 1000 euros. No destino, mais de 50% passou a receber mais de 2000 e 26,5 %% acima de 3000".

Uma segunda conquista no estrangeiro é a estabilidade profissional. Pesa muito o facto de, finalmente, terem condições financeiras e profissionais para saírem de casa dos pais. "Estavam cansados de ser jovens, de viverem num limbo, naquela transição para a vida adulta e que nunca mais se completava. Estavam cansados da precariedade".

Ou seja, de não terem a garantia de manter o emprego, desconhecerem o que vai acontecer depois do estágio profissional, não saberem se a bolsa de investigação será renovada ou terá uma concretização no mercado de trabalho. E sentem-se mais reconhecidos nos países de destino. "Os fatores profissionais (remuneração, carreira ou progressão) são referidos por 63% dos inquiridos, seguindo-se as oportunidades de emprego e os fatores pessoais e familiares (44,4% das respostas)."

Relativamente a Portugal, é também a família e as questões pessoais que os atrai, mas é mais forte o que os afasta. Justificam que não têm as mesmas oportunidades de emprego (63%) e condições profissionais (29,6 %).

Por isso, a maioria não pensa em voltar. "As gerações anteriores tinham como objetivo o regresso. Saíam do país para conseguirem meios para fazer uma casa em Portugal, amealhar dinheiro para regressar. Agora, estes emigrantes sabem que dificilmente conseguem ter em Portugal as mesmas condições que usufruem lá fora, mais depressa pensam em mudar de país", salienta João Teixeira Lopes.

Em contrapartida, viajam frequentemente às origens, para matar saudades "das pessoas, da comida, dos costumes, do clima, o que é respondido por 66,7% dos inquiridos. E 37% aproveita para diversos consumos e procura de serviços (cabeleireiro, médico, etc)".

Todos realçaram a boa integração no país de destino. Apenas em França, alguns sentiram um tratamento xenófobo nos serviços públicos, fruto da imagem que os franceses poderão ter da emigração portuguesa. A que o investigador chama "racismo de classe".

A investigação insere-se no projeto BRADRAMO - Brain Drain and Academic Mobility from Portugal to Europe, financiado com dinheiros nacionais e europeus e a investigação foi realizada entre maio e outubro de 2014.

A amostra é composta por 54,2% do sexo feminino, contrariamente à emigração portuguesa tradicional. O que também se deve, explicam os investigadores, à presença feminina maioritário no Ensino Superior. Uma maioria (74,5%) tem cursos pós-graduados: 43% tem um mestrado, 22,3% são doutorados e 9,2% concluíram uma pós-graduação, possuindo os restantes 25,4% a licenciatura. Jovens que emigraram sobretudo na sequência da crise económica de 2008.

João Teixeira Lopes sublinha que embora estes fluxos tenham diminuído bastante, as causas que motivaram a saída do país não se alteraram. Segundo as estimativas do Instituto Nacional de Estatística para 2021 deixaram o país menos de metade das pessoas do que em 2014 (134 624), ano em que se atingiu o pico, a partir daí tendo vindo a baixar continuamente.

O estudo faz parte da coletânea Estado da Emigração, publicada pelo Observatório da Emigração, com outras duas investigações sobre a nova emigração portuguesa.

ceuneves@dn.pt