Dinheiro
10 setembro 2023 às 05h01

Portugueses pediram sete milhões de euros por dia para comprar carro

Empresas de crédito especializado concederam 1,25 mil milhões de euros de crédito automóvel no primeiro semestre, mais 13% face ao mesmo período de 2022. Veículos em segunda mão continuam a ser aposta.

Os empréstimos para comprar carro atingiram 1,25 mil milhões de euros no primeiro semestre, o que traduz uma subida de 13% face aos 1,11 mil milhões registados no igual período do ano passado e uma média de 6,9 milhões pedidos por dia, sobretudo para aquisição de veículos usados, segundo cálculos feitos pelo DN/Dinheiro Vivo, baseados nos dados da Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC).

Estas estatísticas incluem apenas a produção das associadas da ASFAC, que representam 60% do crédito ao consumo concedido em Portugal e detêm 75% da quota de crédito automóvel, 45% do crédito pessoal e 59% dos cartões de crédito. BNP Paribas, Cofidis, Unicre e BMW Group são algumas instituições de crédito especializadas no financiamento ao consumo que integram a lista de 26.

Os valores acumulados até junho mostram que os portugueses pediram 1,15 mil milhões, isto é, praticamente 92% do montante total, para comprarem veículos ligeiros de passageiros. Dentro desta categoria, os automóveis em segunda mão continuaram a ser uma aposta, assumindo mais de 74% do montante de empréstimos, o que em valores absolutos expressa 933,3 milhões de euros. Em contrapartida, apenas 218,2 milhões de euros foram canalizados para a compra de viaturas prontas a estrear.

A preferência por veículos usados não é exclusiva do momento: já nos primeiros seis meses do ano passado, os empréstimos para aquisição de viaturas de passageiros ligeiros nesta condição tinham totalizado os 1,02 mil milhões de euros (menos 13% do que em 2023), representando 76% do crédito automóvel concedido naquele período, ao passo que apenas 16%, ou 177,5 milhões de euros, se destinaram à compra de automóveis novos.

Focando apenas a evolução do crédito automóvel entre janeiro e junho deste ano, verificou-se um melhor desempenho no segundo trimestre, com 651,3 milhões de euros financiados, face ao primeiro trimestre, quando foram emprestados 605,3 milhões - ou seja, de abril a junho as instituições concederam mais 46 milhões de euros. O acréscimo entre o primeiro e o segundo trimestre foi uma tendência observada também no ano anterior.

Feitas as contas, os empréstimos automóvel representaram cerca de 60% do crédito clássico atribuído pelas associadas da ASFAC a famílias e empresas durante o primeiro semestre, sendo que, em igual período de 2022, esta proporção fixou-se nos 57%, o que traduz num aumento de três pontos percentuais. Em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo, Duarte Gomes Pereira, secretário-geral da associação, explica que a subida se deveu sobretudo a "uma maior disponibilidade de viaturas no mercado e à concretização de negócios fruto de encomendas de há vários meses".

De recordar que, no crédito clássico, a instituição disponibiliza ao cliente uma quantia de dinheiro certa, que deve ser reembolsada num prazo previamente fixado e nas condições contratualmente acordadas. Entre janeiro e junho, o montante concedido através deste tipo de empréstimo totalizou os 2,09 mil milhões de euros, refletindo um acréscimo de 7% em relação ao período homólogo, quando foram emprestados 1,95 mil milhões de euros.

Neste sentido, os empréstimos ao consumo, respeitantes aos particulares, ascenderam aos 1,92 mil milhões de euros, o que, além de refletir uma fatia de praticamente 92%, significa que as famílias pediram mais de 10,6 milhões por dia às instituições de crédito - trata-se de uma subida de 5% em comparação com o mesmo conjunto de meses do ano anterior.

Parte desta rubrica, o valor dos empréstimos pessoais, destinados a financiar a aquisição de bens e serviços, podendo ser contratados também sem uma finalidade específica, fixou-se nos 609,5 milhões de euros, com a concessão no segundo trimestre a registar uma quebra de cerca de 16% relativamente aos primeiros três meses do ano. Ainda assim, face ao primeiro semestre de 2022, o total de crédito pessoal subiu 2%.

Até junho, foram celebrados em torno de 243 810 contratos de crédito clássico, sendo que 236 486 dizem respeito às famílias e 7324 às empresas. Enquanto os pedidos de particulares se mantiveram estáveis em termos homólogos, subindo apenas 2%, os pedidos de empréstimo por parte das empresas aumentaram 19%. Considerando o volume total, o crescimento foi de 3%, somando-se mais 6543 contratos.

Já considerando o revolving nas contas, isto é, os cartões de crédito que disponibilizam um determinado plafond, que pode ou não ser utilizado, o crédito ao consumo no âmbito da atividade das 26 associadas da ASFAC subiu quase 9% no primeiro semestre, face ao igual período do ano passado, cifrando-se em 3,6 mil milhões de euros. Concretamente, os portugueses tiveram à sua disposição, neste mesmo espaço temporal, cerca de 1,7 mil milhões de euros em plafond.

O crédito é, muitas vezes, a forma que as famílias têm de fazer face a necessidades que de outra forma não poderiam satisfazer, inclusive despesas correntes. E embora as prestações do crédito ao consumo sejam maioritariamente fixas, outros fatores, como a inflação e o aumento da prestação da casa, ocasionado pela subida das taxas de juro, têm pesado no orçamento dos consumidores, levando a uma perda de rendimento disponível e, consequentemente, a um maior esforço para o pagamento das prestações de outros créditos, como o pessoal, o automóvel ou até mesmo o em cartão.

Mas, até agora, não há sinais alarmantes no que toca aos níveis de incumprimento, garante Duarte Gomes Pereira. Em parte, porque a concessão do crédito em Portugal "é feita de forma cuidada e sujeita a uma análise completa do cliente e da sua capacidade financeira a cada momento e perspetivas futuras", explica o secretário-geral da ASFAC. O que se verificou antes, nota, foi "um ajustamento" do financiamento atribuído pelas associadas face à atual conjuntura económica, que se refletiu essencialmente numa "maior cautela" por parte das instituições de crédito especializadas no segmento de consumo.

De acordo com os dados citados pela associação, a taxa de incumprimento no crédito ao consumo até revelou melhorias ao longo do segundo trimestre, tendo-se cifrado, em julho, em 3,3%, enquanto no início do ano se fixou nos 3,4%, ou seja, uma redução de um ponto percentual. Além disso, trata-se de um valor "bastante abaixo" dos 4,5% registados em janeiro de 2022.

"A qualidade do crédito ao consumo é bastante boa, se tivermos como medida o incumprimento", destaca o mesmo responsável. Contudo, acrescenta, "se houver agravamentos ao nível socioeconómico e limitações legais ao crédito ao consumo", os problemas serão inevitáveis.

Mariana Coelho Dias é jornalista do Dinheiro Vivo