23 abril 2004 às 19h06

Os interesses e não a política na origem do Movimento

O MFA teve uma raiz corporativa que a rigidez do regime levou à politização

JOSÉ MANUEL BARROSO

A 13 de Julho de 1973, o Governo de Marcelo Caetano faz publicar no Diário da República a sua sentença de morte. Tratava-se de um simples decreto-lei, número 353/73, que permitia aos oficiais contratados pelo Exército para complementar o quadro de oficiais profissionais (Quadro Permanente, QP) aceder ao QP mediante um curso intensivo na Academia Militar.
O decreto-lei pretendia minorar a situação de falta de oficiais nas fileiras do Exército, a que havia conduzido a guerra colonial.

Mas acabava por prejudicar a carreira dos oficiais profissionais e, sobretudo, retardar a sua promoção hierárquica. A medida era apenas pragmática, dada a especial situação de guerra. Se as academias militares estavam desertas e o quadro de oficiais profissionais reduzido - o que conduzia, a nível dos capitães, a cada vez mais frequentes e próximas comissões militares no então Ultramar - , se a guerra era a prioridade absoluta, porque não aliviar o QP de frequentes comissões alargando-o aos oficiais oriundos de milicianos?

Do ponto de vista da economia da guerra, isso parecia lógico, mas o Governo de Marcelo Caetano não contou com a reacção corporativa dos oficiais profissionais. Por esta via não política vai nascer o Movimento dos Capitães, depois Movimento das Forças Armadas, MFA.

Os capitães do QP queriam ser aliviados do fardo de repetidas comissões no Ultramar, mas não queriam perder privilégios, ou direitos constituídos, para outros. Avia da contestação estava aberta. E por ela avançaram.
Após a publicação do decreto- -lei, os capitães da Guiné - onde a situação no terreno era mais difícil e a politização mais avançada e onde o general Spínola cobria a contestações ao Governo central - reúnem-se repetidamente e enviam várias exposições colectivas às autoridades militares e políticas, subindo sempre de tom o seu teor. E desprezando cada vez mais o sagrado respeito pela legalidade.

Na verdade, as exposições colectivas eram terminantemente proibidas pelos regulamentos militares, mas uma punição dos seus subscritores (às dezenas já) criaria uma situação insustentável num teatro de guerra. E potenciaria uma reacção em cadeia ainda mais arriscada para o regime. A manutenção, pela parte do Governo de Caetano, do essencial do teor do decreto vai alargar a contestação dos oficias profissionais da Guiné aos outros territórios ultramarinos, nomeadamente Angola e Moçambique, e aos quartéis do Continente.
Sucedem-se as reuniões de capitães por todo o lado. Em Monte Sobral, perto de Évora, em Setembro de 1973 reúnem-se ilegalmente 136 capitães, a primeira grande reunião do Movimento. Seguem-se outras, até Óbidos, a 5 de Dezembro - na qual o Movimento congrega não apenas oficiais do Exército mas também da Marinha e da Força Aérea, numa progressão e politização rápidas. Em Óbidos se coloca e aprova já a alternativa de derrube do regime e se escolhem para líderes dois generais, ainda no activo: Francisco da Costa Gomes e António de Spínola.

A politização

As teses das esquerdas no programa do MFA

A partir de Óbidos, a politização do Movimento dos Capitães avança.
Em Janeiro de 1974, dois elementos centrais se conjugam. O general Spínola, o mais activo oficial general contra a política ultramarina, toma posse como número dois da alta hierarquia militar, e vai publicar, em Fevereiro, com o beneplácito do seu chefe, general Costa Gomes, um libelo contra o regime, o livro Portugal e o Futuro. Serão demitidos ambos, dias depois. No Exército, a ala mais politizada consegue agregar o que será o grande teórico do MFA, o major Melo Antunes, e fazer a ponte para a politizada Marinha. O que culminará na elaboração de um programa anti-regime baseado nas teses da oposição socialista e comunista, reunida em Aveiro meses antes. Aprovado em Março com emendas por Costa Gomes e por Spínola, que propôs que o Movimento se chamasse apenas Movimento das Forças Armadas, MFA.