08 ABR 2023
07 abril 2023 às 22h00

TAPgate: a verdadeira novela venezuelana

Joana Petiz

Uma CEO despedida por "justa causa", mas elogiada pelo "excelente trabalho desenvolvido", que o governo nega que terá de indemnizar, ainda que uma semana depois venha revelar os resultados de uma reestruturação cujos fins foram atingidos com sucesso, dois anos antes do prazo estabelecido. Resultados que, aliás, proibiu a CEO de apresentar, ainda que a mantenha com carta branca à frente da companhia um mês depois de a demitir em direto, sem lhe dar justificações ou data de saída, enquanto desesperadamente consulta os advogados à procura de uma saída impossível para a - obviamente inevitável - indemnização milionária que terá de lhe pagar. Dinheiro dos contribuintes, naturalmente.

Uma administradora corrida da TAP pela CEO com uma indemnização de meio milhão de euros que garante que não teria recebido se o próprio governo lhe tivesse pedido para sair. E que se disponibilizou a devolver assim que a IGF decidiu que a ela não tinha direito. Mas que não consegue fazê-lo. Não consegue porque, apesar de insistentes contactos durante três semanas, ninguém nos gabinetes ou nos serviços oficiais lhe dá resposta sobre quanto deve inscrever no cheque (há a questão dos impostos) e a quem deve dirigi-lo. Nem sequer a atendem, aliás.

Christine Ourmières-Widener e Alexandra Reis não são as únicas protagonistas do drama kafkiano alimentado pelo governo de António Costa, com João Galamba, Ana Catarina Mendes e Fernando Medina também no elenco de um enredo que tem deixado o país de queixo caído e com medo do que se seguirá.

O ministro dos Transportes não vê qualquer problema em convidar a CEO da TAP (ou aceder ao pedido dela, diz o próprio), em pleno TAPgate, para uma reunião do grupo parlamentar do seu partido em que se vai discutir como os deputados do PS irão questionar a CEO na Comissão Parlamentar de Inquérito - e aproveitar para a aconselhar nas respostas. A ministra dos Assuntos Parlamentares sacode a água do capote e garante que só cumpriu ordens do colega de executivo. O ministro das Finanças chama ao seu gabinete a presidente da TAP para lhe pedir que saia, apesar do "trabalho fenomenal" que tem feito, porque há "muita pressão" e alguém terá de se sacrificar... - e perante a sua relutância em obedecer, demite-a então pela televisão.

E depois há um inspetor-geral das Finanças que analisa um processo que resulta no despedimento da CEO pelo governo, mas que dispensa ouvir a "acusada", porque ela não fala português e o inspetor não fala francês. E em nenhum momento passou pela ideia do responsável que não só era de elementar justiça escutar as razões de todos os envolvidos, como que podiam comunicar em inglês ou contratar um intérprete, por exemplo.

Para assegurar o apoio da extrema-esquerda na geringonça que montou para chegar a São Bento, António Costa decidiu nacionalizar a TAP. É esta a realidade, independentemente de quantas vezes o negue ou tente desviar com a desculpa da pandemia: foi bem antes disso que o seu governo pagou ao acionista privado para recuperar uma fatia maioritária da companhia (mesmo que à custa de peso na capacidade de decisão). Desde então, entre despedimentos em massa e cortes de salários, redução de rotas e perda de slots no aeroporto de Lisboa, queda a pique na qualidade do serviço e preços em movimento inversamente proporcional, sem falar nas injeções de capital, a operação estética de que Costa não prescindiu custou caro à transportadora e a todo o país. E agora é para voltar a privatizar e rapidamente, assegura, sem pudor, o mesmo primeiro-ministro, assumindo que pode até ser uma operação com prejuízo para o país.

A continuarem os episódios desta verdadeira novela venezuelana, resta saber quem será capaz de a comprar... Desde o caso que levou à saída de Alexandra Reis do governo dias após a sua nomeação como secretária de Estado de Medina, os episódios do TAPgate têm-se revelado tão inacreditáveis que nem o mais imaginativo escritor de ficção poderia pensá-los. Costa, porém, tê-lo-á previsto, o que justifica que tentasse desviar atenções para o processo de privatização no governo de Passos Coelho, quando percebeu que era impossível continuar a impedir os deputados de fazer perguntas sobre um dossier que está bem encaminhado para ascender ao top das trapalhadas de um governo que já somava familygates, governantes acusados na Justiça e uma dúzia de demissões em menos de um ano, só para recordar alguns casos.

Os custos financeiros e sociais da TAP estão longe, muito longe, de representar a fatura total que se imputa a uma companhia a que este governo tem dado sucessivos golpes reputacionais. E que não terminaram com o providencial afastamento de Pedro Nuno Santos - com o qual António Costa conseguiu humilhar publicamente aquele que fora o seu ativo mais brilhante e em simultâneo livrar-se (temporariamente?) da ameaça interna no seu PS.

Subdiretora do Diário de Notícias