Dinheiro
01 junho 2023 às 22h15

Tabelas de IRS. Solteiros com filho deficiente perdem salário para o fisco

Estes trabalhadores, com ordenados mensais brutos iguais ou superiores a 1118 euros, vão descontar mais, a partir de julho. Penalização varia entre um e 161 euros por mês. Desvalorização do dependente é uma das principais razões.

Ao contrário do que o governo tem defendido, nem todos os trabalhadores vão ter um alívio na retenção na fonte, com as novas tabelas de IRS que vigoram a partir de 1 de julho. Solteiros com um filho, com grau de deficiência igual ou superior a 60%, que ganhem acima de 1118 euros brutos por mês, inclusive, vão passar a descontar mais, o que se traduzirá num salário líquido inferior.

O alerta foi dado pela Deco Proteste e depois confirmado pelas contas do Dinheiro Vivo para vários escalões de rendimentos. O Ministério das Finanças foi questionado por este jornal, na sexta-feira passada, 26 de maio, no sentido de perceber se se trata de um erro e se o irá corrigir, mas até ao fecho da edição não obteve resposta.

A manterem-se estas tabelas, as perdas salariais podem variar entre um euro por mês para vencimentos brutos mensais brutos de 1118 euros e 161 euros para ordenados ilíquidos de 8000 euros, em comparação com o regime de retenção em vigor. Se calcularmos os descontos para um salário de 1700 euros, por exemplo, a penalização será de 63 euros por mês.

No primeiro caso, com um ganho de 1118 euros, o ordenado líquido passará a 994,02 euros, menos um euro, face aos 995,02 euros auferidos neste momento. O apuramento dos valores do simulador da Deco Proteste, confirmados pelo Dinheiro Vivo já inclui as contribuições de 11% para a Segurança Social e não considera o subsídio de refeição.

Um trabalhador com um ordenado de 1700 euros, que desconta 110 euros mais as contribuições sociais, perfazendo um valor líquido de 1403 euros, vai começar a adiantar ao fisco 173 euros, mais 63 euros, o que dá um vencimento inferior, de 1340 euros.

Considerando um ganho superior, de 8000 euros brutos mensais, os descontos para o IRS vão subir de 2592 euros por mês para 2753 euros. Feitas as contas, este trabalhador, que aufere 4528 euros limpos, vai passar a receber 4367 euros, menos 161 euros por mês.

O peso que as Finanças atribuem ao filho deficiente é uma das principais justificações para o agravamento da retenção. Até junho, um dependente com grau de deficiência igual ou superior a 60% era equiparado, em termos fiscais, a cinco filhos, o que aliviava significativamente os descontos. A partir do segundo semestre, o mesmo descendente irá valer apenas 3,5 filhos, segundo as contas do Dinheiro Vivo. Esta informação não está disponível no Portal das Finanças, mas antes em despachos do Ministério das Finanças, pelo que não é de fácil descodificação pelo público em geral.

Assim, e até junho, o despacho n.º 14043-A/2022 de 5 de dezembro de 2022 define que "cada dependente com grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60 % equivale, para efeitos de retenção na fonte, a cinco dependentes não deficientes". Esta norma, que "produz efeitos até ao dia 30 de junho de 2023", segundo o mesmo diploma, tem como consequência direta o desagravamento da retenção na fonte, porque quantos mais filhos um trabalhador tem mais ampla é a abrangência da isenção e menores são os descontos.

A partir do segundo semestre, as regras mudam. Não só as tabelas deixam de funcionar numa lógica de taxas percentuais, passando a aplicar-se uma fórmula com base em valores nominais, como também os filhos deficientes passam a ter uma menor importância na redução dos descontos sobre os salários. De acordo com o despacho n.º 14043-B/2022 de 5 de dezembro de 2022, "por cada dependente com grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60 %, é adicionado à parcela a abater o valor de 84,82 euros". Uma alteração que "produz efeitos a partir do dia 1 de julho de 2023", lê-se no mesmo texto legal. Esse valor somado aos 34,29 euros que é dedutível por filho perfaz 119,11 euros, ou seja, fica 52,35 euros aquém dos 171,45 euros que deveriam ser abatidos aos rendimentos do trabalhador, caso o filho em questão valesse por cinco dependentes sem incapacidade. Ou seja, o dependente com deficiência vale agora menos 30,5% ou menos 1,525 filhos, o que equivale a 3,5 descendentes saudáveis.

Esta desvalorização vai agravar a retenção na fonte. Por exemplo, com as tabelas atuais, trabalhadores com ganhos de 1700 euros brutos descontam 110 euros por mês. A partir do segundo semestre, vão começar a reter 173 euros, mais 63 euros mensais.

Perante "esta injustiça", a Deco Proteste "vai alertar o governo para corrigir as tabelas, de modo a não prejudicar trabalhadores solteiros com deficientes a cargo", revelou ao DN / Dinheiro Vivo a porta-voz daquela instituição, Soraia Leite. A jurista considera "particularmente grave esta situação, tendo em conta que estas famílias são mais vulneráveis e têm de assumir mais custos, devido à deficiência do filho", sublinhou.

Em todas as simulações para rendimentos iguais ou acima de 1118 euros foram verificadas perdas. Há, contudo, uma exceção. Quem recebe 1800 euros brutos mensais, terá um ganho líquido de dois euros. Por outro lado, para salários iguais ou inferiores a 1117 euros, não se verificou qualquer alívio na retenção face às tabelas atuais, uma vez que esses escalões de rendimentos estão isentos.

Lembre-se que os descontos em sede de IRS são adiantamentos que os trabalhadores fazem ao Estado relativamente ao imposto a liquidar no ano seguinte. Maior retenção não significa agravamento da carga fiscal. Ou seja, quem descontar mais agora poderá depois receber um reembolso maior. Trabalhadores que retenham menos podem reaver menos imposto ou até ser chamados a pagar, no acerto de contas.

Salomé Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo