Dinheiro
28 fevereiro 2022 às 01h28

O seu negócio tem riscos ambientais? Vai pagar mais no crédito

Bancos vão ter de começar a avaliar os riscos ambientais dos créditos que concedem às empresas, com impacto nos custos do financiamento. A CGD foi a primeira a ter matriz de rating para todos os setores.

Helena C. Peralta

Ainda que discretamente, o sistema financeiro está também a preparar-se para as exigências futuras em termos de sustentabilidade, nomeadamente no que às alterações climáticas diz respeito. O BCE vai realizar, já em março, os primeiros testes de esforço ao sistema bancário europeu que incluem critérios de resistência climática para avaliar exposição aos riscos associados a catástrofes naturais ou à exposição a indústrias com elevadas emissões de dióxido de carbono, o que demonstra a importância desta temática na sua análise de risco de crédito. O banco central tem considerado as alterações climáticas um dos principais riscos para a economia nos próximos anos e estas preocupações são uma realidade já com reflexos no setor bancário.

O BEI-Banco Europeu de Investimento, também chamado de Banco Verde, tem um papel importante na transição climática e anunciou, por exemplo, ter deixado de financiar projetos de energia provenientes de combustíveis fósseis. A reboque destes novos desafios da sustentabilidade, e para cumprir as metas do Acordo de Paris, a banca comercial está a incorporar os critérios ambientais, sociais e de governança, os chamados ESG (Environmental, Social and Governance) na análise de risco de crédito às empresas que financiam. Setores como o têxtil, de exploração de minérios ou de produção de energia com combustíveis fósseis serão os mais penalizados.

Um estudo recente da Mazars, multinacional de consultoria e auditoria, referente a 2021 e divulgado este mês, que incidiu sobre 37 bancos na Europa, Américas, África e Ásia/Pacífico, revela que as instituições financeiras definiram uma ambiciosa estratégia de longo prazo para a sustentabilidade, mas necessitam ainda trabalhar mais a área de governança e divulgar melhor os critérios ESG. Aponta ainda que a maioria dos bancos avaliados já avançou significativamente neste percurso, mas a plena implementação das práticas relevantes mantém-se um desafio. O estudo mostra que 70% destas instituições estão a desenvolver cenários e recursos para os testes de stress, mas apenas 19% dos bancos divulgam, através de métricas de riscos de crédito, como se materializa o risco climático. A Mazars revela que os bancos franceses e britânicos mantêm a liderança em todos os domínios avaliados, sendo a implementação de estratégias o seu ponto forte.

Também as instituições financeiras nacionais já deram o pontapé de saída neste processo. A CGD afirma que foi o primeiro banco a ter pronto um Modelo de Rating ESG, aplicado a todos os setores de atividade, e que permite de uma forma simples e objetiva classificar automaticamente cerca de 300 mil empresas e incidir sobre 20 mil milhões de créditos bancários. Com esta matriz, a CGD consegue perceber quais os clientes a desenvolver e quais os clientes de maior risco, e considera que esta é uma ferramenta essencial para as decisões de investimento sustentável, promovendo assim uma carteira de produtos e serviços bancários com impacto positivo na sociedade.

Pedro Barreto, administrador executivo do BPI, refere a propósito que o banco tem "uma matriz de risco bem definida e implementada de acordo com a diretriz definida pelos reguladores e que está a ser aplicada de forma progressiva a todas as empresas". O responsável explica que o BPI definiu um conjunto de exclusões relacionadas com as atividades com especial impacto no risco meio ambiental, além das exclusões gerais relacionadas com a utilização de trabalho infantil ou trabalhos forçados, ou participação em abusos dos direitos humanos, e o cumprimento das normas em vigor em matéria de saúde e segurança no trabalho. "O BPI e o acionista Grupo CaixaBank têm apoiado clientes no financiamento da transição para uma economia mais verde. Um dos exemplos é a estruturação de green bonds. No último ano, as duas entidades formalizaram algumas das principais operações de financiamento sustentável em Portugal, com empresas como a EDP, a Sonae, a Altri, a BA Glass, a Corticeira Amorim, a Navigator, entre outras", afirma Pedro Barreto.

"Desde julho do ano passado que o Crédito Agrícola passou a atribuir uma notação Ambiental e Social aos nossos clientes empresariais. Para isso, todos terão de, gradualmente, responder a um conjunto de questionários sobre as suas práticas ambientais e sociais. Além disso, estamos a analisar a carteira de crédito tendo em conta os cenários identificados e a incluir o risco ESG e climático no modelo de risco do Banco", afirma Isabel Matos, responsável da Comunicação. Explica que, além de ajudar os clientes a estarem melhor preparados para as exigências ambientais e sociais que todos os financiamentos irão ter, o banco ainda consegue compreender a percentagem de créditos que estão atualmente alinhados com os princípios da sustentabilidade e assim identificar os produtos financeiros que possam incentivar os clientes a acelerar o alinhamento do negócio com o Pacto Ecológico Europeu. "Assim, cada empresa ou empréstimo terá uma classificação de A, B, C ou D relativamente ao seu alinhamento com os princípios da sustentabilidade. Esta informação, que já cobre alguns milhares de empresas, já nos vai dar um bom ponto de partida para compreendermos a qualidade ESG da nossa carteira de empréstimos", explica Isabel Matos. O CA já recolhe informação de setores como a agricultura, imobiliário e construção e, durante 2022, serão introduzidos questionários em mais três setores de atividade.

"O Grupo Santander vai participar nos testes de stress climático do BCE, o que vai ser um exercício muito relevante para podermos entender ainda melhor os riscos e as oportunidades no que se refere aos efeitos das alterações climáticas nos nossos clientes", afirma fonte oficial do grupo. A mesma fonte adianta que o banco tem políticas muitos claras em termos de integração dos riscos climáticos, sociais e de governo na tomada de decisão de investimento e de concessão e crédito, e por isso faz uma avaliação prévia sobre potenciais impactos ambientais de todas as operações de financiamento de grande dimensão ou de setores críticos, e criou cinco grupos trabalho para fazer uma análise profunda a setores específicos, criar oferta de produtos e serviços de valor acrescentado no âmbito ESG. O Santander anunciou já que até 2030 irá deixar de financiar setores como a mineração de carvão e a geração de eletricidade com base em carvão e, em setembro, vai anunciar novos setores a serem restringidos e que tenham operações relacionadas com petróleo e gás, geração de energia elétrica, mineração e metalurgia e soft commodities (produtos agrícolas/alimentares).

O Montepio afirma igualmente estar a desenvolver trabalho nesta matéria, através da recolha, análise e tratamento de informação qualitativa e quantitativa para assim catalogar as empresas clientes relativamente ao seu desempenho ESG e, posteriormente, perceber o nível de compromisso destas empresas com estes critérios. "Os nossos clientes vão pretender a obtenção de uma boa pontuação para terem melhores condições financeiras nos produtos e serviços prestados, mas sobretudo porque existe uma convicção muito forte de que as empresas que pontuam bem nas métricas ESG antecipam melhor os riscos e oportunidades futuros, logo, são mais resilientes, mais competitivas e mais apelativas do ponto de vista do investimento", refere fonte do banco.