É a confirmação da queda de um clube histórico. O Vitória, que é enorme e é de Setúbal, vai deixar de andar entre os maiores do futebol português. Quando na última jornada da I Liga 2019-20 Lito Vidigal e os seus jogadores conseguiram a manutenção, a festa saltou dos relvados para as ruas de Setúbal. Os adeptos quiseram festejar a manutenção com a equipa, mas estavam longe de saber que uns dias depois a felicidade ia dar lugar a angústia e medo. A Liga Portugal não aceitou a inscrição do clube sadino por incumprimento das regras e condenou-o a uma descida de duas divisões.
O emblema de Setúbal recorreu e viu agora o tribunal rejeitar as suas pretensões, levando o Vitória para o Campeonato de Portugal. O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) não deu provimento à providência cautelar do Vit. Setúbal, que pretendia suspender a decisão de desclassificação. O clube foi impedido de se inscrever, depois de a Comissão de Auditoria da Liga ter reprovado os processos de licenciamento. O clube sadino não conseguiu apresentar prova de "inexistência de dívidas a sociedades desportivas", a "inexistência de dívidas a jogadores, treinadores e funcionários", assim como "a regularidade da situação contributiva perante a Autoridade Tributária", segundo se pode ler no comunicado da Liga. E por isso foi excluído.
A 3 de agosto, os sadinos recorreram para o Conselho de Justiça da FPF, que acabou por se considerar incompetente para julgar o processo, remetendo-o para o TAD, que agora rejeitou as pretensões da equipa do Bonfim.
Além do Vitória de Setúbal, também o despromovido Desportivo Aves foi excluído e baixou ao terceiro escalão. O clube de Vila das Aves decidiu não recorrer da decisão: "Não valia a pena." A Liga de Clubes convidou o Portimonense, 17.º classificado e despromovido, a manter-se na I Liga e o Cova da Piedade e o Casa Pia a manterem-se na II Liga, depois de terem sido despromovidos administrativamente, com o cancelamento do segundo escalão, devido à covid-19.
Desde 2015 que o clube tem vivido à sombra de Planos Especiais de Revitalização (PER), um mecanismo de proteção contra credores e de renegociação de dívidas para entidades perto da insolvência. O último foi aprovado em junho e reflete dívidas no valor de 24 milhões de euros.
Segundo o documento a que o DN teve acesso, só a dívida ao Estado português é de 5,4 milhões de euros (3,4 à Autoridade Tributária e 1,8 à Segurança Social). Dívida que os 150 sadinos se comprometem a pagar em 150 prestações. A dívida a fornecedores e a outros credores chega quase ao milhão de euros e os financiamentos obtidos superam os 17,6 milhões de euros (3,8 no Banco Comercial Português e 13,7 na Parvalorem, a entidade pública criada para gerir os ativos tóxicos do antigo BPN).
Sem receitas extra ou património para rentabilizar, o clube aceitou ceder verbas relativas a futuras vendas de ativos - 15% se for formado no Bonfim e 10% se não for formado localmente - para pagar aos credores. Entre as dezenas de credores está o Centro Hospitalar de Setúbal, com quase 23 mil euros de prestação de serviços, e a EDP, com 25 mil euros a receber.
O PER aprovado pelos tribunais era a última esperança dos sadinos para reverter a decisão da Liga de os excluir das competições profissionais.
O país chama-lhe "Setúbal", mas "eles" gostam de ser "Vitória". Um clube com 110 anos de história. As três Taças de Portugal (1964-65, 1966-67, 2004-05) e a Taça da Liga (2007-08) fazem dos sadinos o sétimo grande do futebol português. O museu do clube persiste debaixo das bancadas do Estádio do Bonfim. É o sexto clube com mais presenças no campeonato principal, com 77, depois de Benfica, FC Porto, Sporting, Belenenses e Vitória Sport Club (o rival de Guimarães).
Nascido a 20 de novembro de 1910, por iniciativa de três dissidentes do Bonfim Foot-ball Club, um dos clubes onde se praticava essa nova modalidade importada das ilhas britânicas chamada futebol, a que dariam o nome de Sport Vitória. A 5 de maio de 1911, passou a ser Vitória Foot-ball Club e, dez dias depois, fez o primeiro jogo de futebol. Equipou de calção e camisola brancos, um apontamento vermelho, e perdeu por 0-7 frente ao Futebol Grupo Nacional, no Campo Público do Bonfim. A primeira vitória só chegou mais de um ano depois, a 21 de junho de 1912. O Vitória defrontou o Lisboa Futebol Clube e venceu por 1-0, num jogo que ficou marcado pela estreia das camisolas verde e brancas listadas, herdadas do Setubalense Sporting Clube e que jamais deixou de usar.
Foi um dos oito clubes fundadores do Campeonato Nacional da Primeira Divisão em 1934-35, tendo-se ficado logo na primeira temporada em quinto lugar, posição que repetiu no ano a seguir, antes de descer de divisão. Foi a primeira de muitas, demasiadas vezes dirão os adeptos. Em 1942-43 consegue subir e chegar à final da Taça de Portugal pela primeira vez depois de golear o FC Porto (7-0), mas perdeu com o Benfica (5-1). Seria a primeira de sete finais perdidas. Para a história ficou a invasão de cerca de dez mil vitorianos no Campo da Salésias. O clube estabilizou então na primeira divisão, mas o sobe-e-desce não tinha acabado.
Com alguns dos melhores jogadores da história, a década de 1960 foi gloriosa. Já depois de inaugurado o Estádio do Bonfim, o clube conseguiu quatro quintos lugares no campeonato, foi quatro vezes seguidas à final da Taça, tendo ganho duas. Eram tempos do "Super-Vitória", como escrevia o DN da altura, e em 1971-72 quase chegou ao título com José Maria Pedroto no banco e Jacinto João, Félix Mourinho e José Torres em campo. Depois de dois terceiros e um quarto lugares, o Vitória lutou pelo titulo com o Benfica, mas acabou em segundo lugar, naquela que é a melhor classificação de sempre do clube na primeira divisão. Seguiram-se bons momentos europeus e jogos históricos com as melhores equipas da Europa em 11 participações nas competições da UEFA
Sem se perceber muito bem porquê, o clube de Setúbal perdeu vigor depois do 25 de Abril. A liberdade roubou muitos dos bons jogadores ao clube, passando a jogar onde pagavam melhor. As décadas de 80 e 90 são de sobe-e-desce. O efeito ioiô só parou no início do século XX. Em 2007-0,8 os sadinos liderados por Carlos Carvalhal ficaram em sexto lugar, foram à final da Taça (perderam com o FC Porto) e conquistaram a Taça da Liga frente ao Sporting. Desde que regressou ao convívio entre os grandes, em 2004-05, que o fado do Vitória é sempre o mesmo: a luta pela permanência. Nesta época não foi diferente. Salvou-se na última jornada...
Com o corvineiro (espécie de golfinho que habita no rio Sado) como mascote, o clube tem adeptos fiéis e um lema na ponta da língua: ''Vitória não é grande, é ENORME.'' Mas até os mais fiéis têm um limite. E dos 20 mil sócios que chegou a ter, sobram cerca de nove mil.
E agora, o que reserva o futuro a um dos históricos do futebol português? Deixará o Vitória de ser "ENORME"?