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Desporto
19 março 2021 às 07h00

Crença e cautela. Campeões de 2002 acreditam no fim do jejum leonino

A oito triunfos de quebrar um ciclo de 19 anos, ninguém dá o título por garantido. André Cruz, Beto e Diogo recordam última vitória na prova, antes da receção ao V. Guimarães, que também foi o adversário na 24.ª jornada dessa época.

Oito vitórias separam, nesta altura, o Sporting do final de um jejum que já vai completar 19 anos. Com 11 jornadas por disputar na Liga portuguesa, a equipa de Rúben Amorim parte para a 24.ª ronda com dez pontos de vantagem sobre o FC Porto, segundo classificado, numa caminhada em que apenas cedeu quatro empates. Ainda assim, o técnico leonino continua a recusar assumir uma candidatura ao título, repetindo semanalmente que o único objetivo "é vencer o próximo jogo", enquanto o presidente Frederico Varandas apenas se referiu à larga vantagem para considerar que a distância para o terceiro posto permitia pensar que a qualificação para a Liga dos Campeões, meta traçada no início da temporada, estava mais perto de ser conseguida. A consciência das próprias limitações e os exemplos recentes de FC Porto e Benfica que desbarataram avanços significativos (além do próprio Sporting, no primeiro ano de Jorge Jesus) podem ajudar a explicar esta aversão a assumir o favoritismo.

Até mesmo entre os jogadores que se sagraram campeões no último título (2001-02), a cautela é evidente. Como é o caso do antigo central André Cruz. "Acredito que o Sporting vai vencer a Liga este ano e já dei os parabéns ao Hugo Viana pela excelente caminhada, mas a equipa precisa de manter a concentração porque ainda há muitos jogos pela frente," disse ao DN o antigo internacional brasileiro, hoje em dia secretário do Desenvolvimento Económico em Santa Bárbara d'Oeste, cidade a 150 quilómetros de São Paulo. Confessando que "infelizmente" não tem conseguido ver os jogos, garante que procura "saber sempre os resultados" e que "daqui para a frente" espera conseguir seguir algumas partidas da equipa. Sobre os atuais defesas da equipa, diz não se rever em nenhum, embora admita: "A forma de comandar e o número de golos do Coates podem comparados ao meu rendimento mas temos estilos muito diferentes, até na forma como marcamos os golos".

Beto, com quem fez muitas vezes dupla (embora o português tenha sido mais utilizado na lateral direita nessa temporada), concorda com o seu ex-colega. "Acreditar no título acredito, mas ainda faltam muitos jogos, e é preciso ter os pés bem assentes na terra. O Sporting está no bom caminho, a fazer um bom trabalho, os jogadores estão de parabéns pelo que já conseguiram mas ainda falta", assinala o ex-capitão, que tem aproveitado a pausa na carreira para estudar e tirar o IV Nível de treinador.

Sobre o discurso de Rúben Amorim estão igualmente de acordo. "Faz muito bem em ser cauteloso, pois precisa de conseguir que a equipa mantenha o foco. Mas quero deixar-lhe os meus parabéns pelo belíssimo trabalho que está a fazer", salienta André Cruz. "É um discurso que ele tem utilizado desde o início, tem sido sempre coerente. É a maneira dele encarar a prova e só temos de lhe dar razão. Mas como já disse, faltam muitos jogos e apesar de o Sporting estar bem posicionado ainda não ganhou a Liga. Podem até nem faltar as tais oito vitórias, depende dos resultados dos adversários, mas é como o Rúben diz, porque os jogos têm um grau de dificuldade maior, há muitas equipas a precisar de pontos para fugir à despromoção e, no último terço da Liga, os jogos são cada vez mais difíceis", refere Beto.

Em 2002, ano do último título, o Sporting também liderava à 23.ª jornada, embora com apenas um ponto de avanço sobre o campeão Boavista e cinco sobre um FC Porto já orientado por José Mourinho. Curiosamente, na ronda seguinte teve como adversário, tal como sucede amanhã, o Vitória SC: em Guimarães, a equipa orientada por László Bölöni (onde atuava Ricardo Quaresma, que amanhã estará possivelmente do outro lado) acabaria por vencer graças a um golo de João Vieira Pinto e acabou por tirar da corrida o FC Porto, batido em casa pelo Beira-Mar (2-3). Mas o Boavista de Jaime Pacheco não desarmou e continuou a "morder os calcanhares" a Jardel e companhia, até à penúltima ronda

No entanto, entre estas duas equipas leoninas, há, além dos 19 anos, um oceano de diferenças a separá-las, o que pode explicar todas as cautelas. "Éramos um plantel de homens feitos, tanto em termos futebolísticos como na vida pessoal, tínhamos um conjunto maduro, com uma boa qualidade média - no banco, e eu estava lá muitas vezes (risos), havia muitas alternativas válidas -, e misturava-se uma grande vontade de voltar a ganhar o campeonato para dar continuidade ao que se fizera dois anos antes, até por parte da direção", recorda Diogo Matos, médio que integrou essa equipa e que hoje trabalha para a FPF, colaborando no processo de certificação dos clubes formadores, e para a FIFA, como High Performance Expert, auxiliando um conjunto de federações a melhorarem o seu nível.

"Todas as equipas são diferentes, assim como os jogadores e os plantéis. Esta é uma equipa muito mais jovem. Mas há uma coisa que eu noto e que se assemelha bastante à equipa que foi campeã, que é a união e o querer. Nesta equipa há muitos jovens de qualidade, em 2002 também tínhamos alguns, mas o grosso era constituído por jogadores batidos e experientes neste tipo de competições", reforça Beto para quem a partida de amanhã é "mais um teste" à capacidade de jogar sob pressão: "Ainda agora li que o Vitória só ganhou um dos últimos oito jogos mas vai entrar motivado, por ir jogar com o líder, no seu campo. Além do Ricardo Quaresma, que conhece bem a casa e continua a ser um grande jogador, é uma equipa com bons futebolistas, bem orientada por um treinador de que eu gosto bastante. Por isso vai ser mais um jogo extremamente difícil."

No caso de o Sporting conseguir manter a sua posição até ao fim, Beto não tem dúvidas. "Esperando que a pandemia já esteja controlada, os adeptos do Sporting vão invadir o país", recordando o que se passou em 2002, depois de um golo de Mantorras ter derrotado o Boavista na Luz e firmado a conquista do título em Alvalade - na véspera, o Sporting empatara em Setúbal (2-2). "Fomos campeões em casa, graças a essa vitória do Benfica. Estava com a minha família e depois combinámos encontramo-nos todos em Alvalade. Fizemos a primeira festa ali ao pé e passado uma semana, depois do jogo com o Beira-Mar, fomos para a Praça Sony fazer outra. Apesar de eu já ter sido campeão em 2000, é sempre uma enorme alegria, e muito mais no clube do nosso coração. O meu maior desejo é que se repita este ano, um clube como o Sporting, com a massa associativa que tem, não pode estar tantos anos sem ser campeão. Os jogadores, o clube e os adeptos merecem e o título fica muito bem entregue. Oxalá que sim, apesar de nada estar ganho", disse.

Já André Cruz confessa que aquilo que mais o marcou "foi ver, nos telejornais do dia seguinte, o que aquele título representou para os adeptos". "Não tem preço ver a felicidade que lhes demos com aqeuela conquista." Diogo, por seu turno, teve uma celebração agridoce, uma vez que perdeu uma avó no dia da conquista. "Fomos campeões sentados em casa, não teve o mesmo sabor que celebrar em campo, mas a seguir os festejos foram inacreditáveis. Fomos até Alvalade, fizemos uma festa mais privada no Hotel Radison, que era ali ao lado, e depois fomos pela cidade à Câmara onde fomos recebidos. Já depois do último jogo foi um festão, estava tudo cheio em todo o lado. Tínhamos colegas que já tinham sido campeões por outros clubes em Portugal e disseram que nunca tinham visto nada assim. Acho que há mais sportinguistas do que as pessoas pensam", finaliza.

dnot@dn.pt

Tópicos: Sporting, Desporto, I Liga