Desporto
17 novembro 2023 às 09h15

Casas de apostas patrocinam oito campeonatos de seis modalidades coletivas

A I Liga de futebol passou a designar-se de Liga Betclic para 2023/24, após duas épocas sob a denominação Liga Bwin, empresa que já tinha sido o naming sponsor da prova de 2005 a 2008.

DN/Lusa

As casas de apostas desportivas vigoram como principais patrocinadoras de oito campeonatos seniores de seis modalidades coletivas em Portugal, com especial incidência no futebol masculino e em cada escalão de futsal e basquetebol.

A I Liga de futebol passou a designar-se de Liga Betclic para 2023/24, após duas épocas sob a denominação Liga Bwin, empresa que já tinha sido o 'naming sponsor' da prova de 2005 a 2008 e substituiu a operadora NOS em 2021, com um acordo válido até 2025/26.

"A nova parceria é sinal do valor que a I Liga tem. A Bwin cumpriu o seu desiderato, mas esta é a vantagem de adicionar valor aos parceiros e estas são as regras do mercado a funcionarem, para, agora, termos como parceiro a Betclic, que é líder de mercado", frisou Pedro Proença, presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), em julho, enaltecendo o "acordo mais robusto alguma vez firmado" naquele setor a nível nacional.

As verbas em causa nunca foram reveladas, mas o escalão principal português manteve uma casa de apostas na sua designação oficial, cenário replicado por Azerbaijão, Áustria, Bulgária, Cazaquistão, Croácia, Eslováquia, Finlândia, Geórgia, Grécia, Letónia, Lituânia, Montenegro, República Checa, Roménia, Sérvia, Suécia e Ucrânia no contexto europeu.

A Taça de Portugal é patrocinada desde 2015/16 pelo Placard, jogo de apostas à cota de base territorial gerido pelos Jogos Santa Casa, que surge ainda nas provas masculinas - Liga, Taça de Portugal, Taça da Liga e Supertaça - e no campeonato feminino de futsal.

Igual designação receberam os campeonatos masculinos de andebol e hóquei em patins, enquanto a Solverde publicita a Liga feminina de voleibol desde o arranque desta época, recaindo na Betclic o patrocínio dos escalões máximos de basquetebol em cada género.

Os Jogos Santa Casa dão também apoio às federações de andebol, atletismo, ciclismo, canoagem, equestre, futebol, ginástica, judo, motociclismo, natação, patinagem, remo, râguebi, surf, ténis de mesa, triatlo, voleibol e de desporto para pessoas com deficiência.

Entidades como o Comité Olímpico de Portugal (COP), o Comité Paralímpico de Portugal (CPP) ou a Confederação do Desporto de Portugal (CDP) são outras beneficiadas dessa distribuição dos resultados de jogos sociais efetuada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que, em 2024, repartirá com o Governo a manutenção dos patrocínios ao setor.

Em 20 de outubro, o parlamento aprovou, na generalidade, um novo regime jurídico da integridade do desporto, que contemplará a criação de um Conselho Nacional e de uma plataforma de monitorização para sistematizar o combate à manipulação de resultados.

O Governo entendeu que o volume de negócio das apostas desportivas à cota de base territorial e online, que rondou os 2.000 milhões de euros (ME) em cada um dos últimos dois anos, é uma ameaça crescente à integridade das competições, assunto que está a motivar investigações em Itália acerca do envolvimento de futebolistas em redes ilegais.

Ao longo de outubro, os médios internacionais Nicolò Fagioli (Juventus) e Sandro Tonali (Newcastle) foram suspensos pela federação italiana durante sete e 18 meses - oito dos quais acessórios, mediante a presença num programa de recuperação, respetivamente.

A maioria dos clubes da I Liga portuguesa de futebol "tem menos capacidade de angariar bons negócios" publicitários nas camisolas de jogo com empresas distantes da esfera das apostas desportivas, assume o especialista Daniel Sá.

"Quando olhamos para [os equipamentos de] 13 dos 18 clubes, é fácil de percebermos o enorme grau de dependência em relação a estes patrocinadores. A explicação passa por alguma inabilidade da maioria dos emblemas nacionais em atrair outro tipo de 'sponsors'. Estes são os mais simples de se conseguir. Ou seja, exigem pouco esforço de captação, visto que as próprias marcas são muito ativas a quererem entrar nos clubes", reconheceu à agência Lusa o diretor executivo do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM).

Boavista, Desportivo de Chaves, Famalicão, Farense, Moreirense e Vitória de Guimarães (Placard), Casa Pia (ESC Online), Estoril Praia, Rio Ave e Vizela (Solverde), FC Porto e Sporting (Betano) e Sporting de Braga (Moosh) contribuem para uma penetração de 72% de casas de apostas na zona frontal, em contraponto com os canais de exposição menor explorados por Arouca (Solverde), Benfica (Betano) e Estrela da Amadora (ESC Online).

"A amplitude [de valores contratualizados] haverá de ser sempre muito significativa, visto que, neste momento, os clubes portugueses, mesmo os da I Liga, têm visibilidades muito diferentes. Acredito que um patrocínio deste calibre pode partir de um valor anual mínimo de 250.000 euros até à casa dos milhões de euros (ME). Estará algures por aí", estimou.

A própria prova passou a designar-se de Liga Betclic em 2023/24, após duas temporadas sob a denominação Liga Bwin, empresa que já tinha sido o 'naming sponsor' da prova de 2005 a 2008 e substituiu a operadora NOS em 2021, com um acordo válido até 2025/26.

"Tudo isto tem os seus ciclos de vida. Há muitos anos, o futebol esteve dependente das petrolíferas e das tabaqueiras, mas a legislação foi afastando esses patrocínios. Depois, tivemos uma geração diferente a seguir as grandes empresas de telecomunicações. Isto vai acompanhando a própria evolução do mundo. Neste momento, um pouco pelo mundo inteiro, muitas empresas da área da tecnologia estão a entrar com força neste papel de patrocinador desportivo. As apostas também ganharam esse peso", observou Daniel Sá.

Os montantes envolvidos nunca foram conhecidos, mas, segundo o Anuário do Futebol Profissional de 2021/22, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) obteve nessa época 12 ME em apostas, contra os 28 ME da Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

"Obviamente, há um elefante muito grande na sala. Se o tabaco tinha os seus problemas reputacionais e a questão de fazer mal à saúde, esta indústria também os tem e há uma sombra muito significativa no seu modelo. Na minha perspetiva, não existe coragem para aplicar uma legislação mais agressiva, sobretudo pela força que [o setor] tem nesta altura e por se perceber que o desporto sofre a sério se afastar estes patrocinadores", advertiu.

De acordo com o último relatório trimestral do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), as apostas desportivas à cota renderam 40,8% da receita bruta total no país entre abril e junho de 2023, com o futebol a liderar nas preferências dos apostadores (68,4%), seguido à distância pelo ténis (20,1%), basquetebol (7,4%) e outras modalidades (4,1%).

Ao nível das competições desportivas, a I Liga representou 11,2% do volume de apostas protagonizadas no futebol, seguida pelas congéneres inglesa (7,9%), espanhola (6,2%) e italiana (5,3%), enquanto o 'Grand' Slam' Roland Garros se evidenciou no ténis (20,2%).

"A nova geração tem um conjunto de preocupações sociais que as anteriores não tinham. Creio que, a médio prazo, irá ser difícil continuar a aceitar a visibilidade das apostas, com toda a nuvem que existe à sua volta. Vai haver um ponto em que a legislação apertará ou os próprios consumidores farão um 'chega para lá'. A questão da responsabilidade social é tão importante como ter visibilidade. Esta indústria tem riscos associados, além de uma série de histórias que a deixam um bocadinho no campo da dúvida", concluiu Daniel Sá.

De janeiro até junho deste ano, as 13 empresas com licença para exploração de apostas desportivas à cota registaram 799 ME em volume de apostas, para gastos diários de 4,4 ME e receitas brutas de 169,7 ME, valores dos quais se excluem os efeitos do mercado paralelo, também de dimensão considerável e constantemente na mira das autoridades.

As plataformas legais superaram uma afluência de 3,8 milhões de apostadores inscritos, mas o mesmo indivíduo pode estar registado em uma ou mais entidades exploradoras.

As empresas de apostas desportivas estão proibidas de patrocinarem o espaço frontal das camisolas de jogo dos clubes das Ligas de futebol de Espanha e Itália, regulamentação que tem Inglaterra na forja e Portugal em contraciclo.

Pioneiros na aplicação de medidas de licenciamento e legalização dos jogos 'online', os transalpinos tornaram-se em 2019 o primeiro país da União Europeia a vetar publicidade deste género nas provas futebolísticas, com os espanhóis a fazerem o mesmo em 2021.

As Ligas nacionais e os clubes chegaram a mostrar preocupação pela iminente perda de receitas avultadas e de competitividade, mas, atendendo aos malefícios do aumento da exposição e influência dos jogos sociais na vida humana, os decretos vieram para ficar.

Alguns emblemas demoraram a ocupar essa lacuna frontal nos equipamentos com novos patrocinadores de igual dimensão financeira, sendo que Sevilha, da La Liga, e Lazio, da Serie A, ambos a disputarem a Liga dos Campeões, atuam sem 'main sponsor'.

Estimulada pela revisão executada pelo Governo inglês nesta matéria, a Premier League aprovou em abril a remoção das publicidades de jogos de fortuna ou azar até ao final de 2025/26, medida que, caso entrasse agora em vigor, afetaria Aston Villa, Bournemouth, Brentford, Burnley, Everton, Fulham, Nottingham Forest e West Ham, oito dos 20 clubes primodivisionários.

A legislação é menos restritiva na Alemanha, cuja Bundesliga ostenta a Tipico no lote de patrocinadores e o Estugarda é caso singular, e em França, onde Montpellier, Le Havre e Estrasburgo - só no seu equipamento alternativo - difundem casas de apostas e a Betclic surge nos 'sponsors' da Ligue 1, da mesma forma que a 1xBet aparece na Serie A.

Em termos institucionais, a Bwin e a Interwetten estão associadas à Federação Alemã de Futebol (DFB) e a Betclic apresenta uma parceria com a Federação Francesa de Futebol (FFF), cenário replicado em Portugal através do apoio cedido pelos Jogos Santa Casa à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e, na íntegra, às respetivas seleções nacionais.

Na I Liga portuguesa, Gil Vicente e Portimonense contrariam uma propensão portuguesa sem paralelo entre os 10 países com coeficiente europeu mais alto, tendo como principal perseguidor a Bélgica (43,8%), onde o Governo irá proibir o patrocínio de jogos de fortuna ou azar nos suportes virtuais ou estáticos dos recintos a partir de 2025 e junto de clubes desportivos em 2028.

Em Portugal, na mais recente atualização do regime jurídico dos jogos e apostas 'online', o decreto-lei promulgado em março de 2020 refere que a publicidade "deve ser efetuada de forma socialmente responsável" e afastar-se do apelo à "obtenção fácil de um ganho".