Cultura
06 agosto 2023 às 22h03

Música clássica pelo Forte Trio do Cazaquistão 

Pianista Timur Urmancheyev, violinista Maxat Jussupov e violoncelista Murat Narbekov deram concertos em Braga, Porto e Lisboa. Foi a sua estreia absoluta em Portugal, "o país europeu mais longínquo" do seu.

Uma ida à Ópera de Astana numa das minhas visitas à capital cazaque chegou e sobrou para desfazer qualquer ideia de que a música no Cazaquistão ou é a de caráter tradicional, como a feita com a dombra, um instrumento de cordas em forma de pera, ou então assume a forma dos grandes sucessos pop de Dimash Kudaibergen, jovem cantor tão famoso fora de fronteiras que até tem clube de fãs em Portugal. A música clássica de matriz ocidental não só tem um público entusiasta no Cazaquistão, país entre a Europa e a Ásia tanto pela geografia, como pela cultura, como também tem executantes de grande qualidade. E o público português teve oportunidade há dias de assistir aos espetáculos do Forte Trio, um conjunto cazaque que deu concertos em Braga, Porto e Lisboa, apresentando um repertório musical que incluiu peças do alemão Johannes Brahms, do francês Claude Debussy, do espanhol Manuel de Falla e do argentino Astor Piazzolla, mas também a obra Kerogly, do compositor cazaque Adilzhan Zhaiyim, e Yapurai, música tradicional do país das estepes, com um arranjo de A. Tolykpayev.

"A música clássica está muito bem implantada no Cazaquistão pelo menos desde o período soviético, quando muitos músicos hoje famosos foram para Moscovo e regressaram formados pelas melhores escolas. Pianistas, violoncelistas e violinistas, sobretudo. O nosso Conservatório Nacional tem já cerca de 70 anos e há 25 que abriu a primeira universidade dedicada às Artes ", explica o pianista Timur Urmancheyev, fundador do trio, que já tem uma década, mas agora, com o violinista Maxat Jussupov e o violoncelista Murat Narbekov, "finalmente atinge a fórmula ideal".

A conversa decorre na Embaixada do Cazaquistão em Lisboa, no dia seguinte ao do concerto na capital, que aconteceu no Museu Nacional de Arte Antiga. É a primeira vez do Forte Trio em Portugal - e, por isso, o fascínio pelo azul do Tejo que se avista do jardim -, mas não a primeira vez num país de língua portuguesa, pois no ano passado atuaram no Brasil. Sorriem sempre que alguém lhes explica que Forte Trio soa a puro português. Este périplo europeu em curso inclui, além de Portugal, Espanha e Itália.

Urmancheyev, de 58 anos, é de Oral, cidade também conhecida pelo nome russo de Uralsk e que por se situar na margem ocidental do Rio Ural fica já tecnicamente na Europa. A sua formação aconteceu em escolas cazaques, nos anos finais da União Soviética. Jussupov, de 34 anos, e Narbekov, de 37, ambos nascidos em Almaty, são já produto do ensino artístico no novo Cazaquistão, país independente desde 1991, mas cuja história remonta pelo menos à fundação do kanato cazaque por Kerei Khan e Janibek Khan, em meados do século XV, depois da desagregação da Grande Horda, um dos principais Estados herdeiros do Império Mongol.

"Através da música queremos dar a conhecer o nosso país e criar curiosidade pelo Cazaquistão, que muitas pessoas desconhecem ou então pouco sabem além do nome. Os nossos concertos são também uma forma de aproximar os povos, como aconteceu aqui em Portugal", conta Urmancheyev, que destaca integrarem a Qazaq Concert, entidade ligada ao Ministério da Cultura. Jussupov e Narbekov acenam com a cabeça em sinal de concordância.

"Somos o 9.º maior país do mundo, no coração da Eurásia", sublinham. A conversa é em russo, com um elemento da embaixada a traduzir para português. Não escondem certa surpresa quando descobrem que fui já três vezes em reportagem ao Cazaquistão, a última delas em junho, quando tive oportunidade de assistir a uma gala na Ópera de Astana, com música tradicional cazaque, e em língua cazaque, também com grandes árias e ainda obras-primas da música clássica. Na mesma sala, um imponente edifício no coração hipermodernista de Astana, atuou em fevereiro a soprano portuguesa Susana Gaspar, segundo contou em recente entrevista no DN a embaixadora em Astana, Maria de Fátima Mendes.

"Com o mundo geopolítico em crescente turbulência, torna-se cada vez mais crucial desenvolver novas abordagens para reforçar o diálogo e a confiança intercivilizacionais e interculturais a nível mundial. O fator cultural está cada vez mais presente nas relações internacionais e nas políticas externas. A diplomacia cultural é o melhor instrumento para promover as identidades culturais, o que reforça a diversidade cultural do mundo e abre caminho à cooperação e ao diálogo", diz, por seu lado, Daulet Batrashev, o embaixador do Cazaquistão. Que acrescenta: "O Cazaquistão sempre atribuiu especial importância ao respeito pelo património espiritual, ao estudo aprofundado da História nacional e ao apoio à cultura através da popularização do rico património histórico e cultural do povo cazaque. Estes princípios adquiriram um novo significado num Cazaquistão independente."

Urmancheyev, pianista e líder do grupo, destaca Nurgisa Tlendiyev, que morreu em 1998, como o grande compositor cazaque - existe uma Casa-Museu em Almaty, a antiga capital. E relembra ainda "a importante ópera Abai, criada há 10 anos, uma ópera em dois atos com música de Latif Khamidi e Ahmet Zhubanov e libreto de Mukhtar Auezov", inspirada na vida do poeta Abai Qunanbaiuli que morreu no início do século XX. "As salas de concertos, em muitas cidades, não apenas Astana e Almaty, estão cheias. O público cazaque gosta de música clássica", realça.

Os músicos admitem "conhecer pouco da música portuguesa, além da pianista Maria João Pires, "um nome muito prestigiado". "Portugal é o país europeu mais longínquo para nós, mas a visita, que correu muito bem, criou curiosidade e vamos querer saber mais", diz Urmancheyev.

A atuação da soprano Susana Gaspar na Ópera de Astana, já em 2023, e a vinda agora do trio cazaque a Braga, Porto e Lisboa são sinais de que apesar da distância entre os dois países é possível desenvolver as relações a todos os níveis, incluindo as culturais.

Bastante satisfeito com a receção aos músicos cazaques em Portugal, o embaixador Batrashev enfatiza: "A cultura cazaque está ligada à história secular do nosso povo. A Grande Estepe testemunhou a existência de várias civilizações e culturas. As fronteiras da nossa cultura estão a expandir-se e a entrar no espaço cultural mundial. O nosso país está situado no cruzamento de rotas que ligam o ocidente e o oriente, o sul e o norte. Apesar de todas as diferenças, as culturas orientais sempre tiveram muito em comum. O principal segredo do desenvolvimento harmonioso dos povos é a sua interação mútua, que exclui o choque de civilizações. Tenho a certeza de que a atuação exemplar dos músicos do Forte Trio será fonte de inspiração e esperança para muitas pessoas em Portugal."

leonidio.ferreira@dn.pt