Fernando Medina responde em 14 páginas às cinco dúvidas sobre a Operação Integrada de Entrecampos apresentadas na quarta-feira pela procuradora Elisabete Matos na sequência da análise de uma exposição que os vereadores do CDS-PP enviaram à Procuradoria-geral da República.
Documento que lançava dúvidas sobre as legalidade urbanística do projeto que visa reconverter Entrecampos numa área de habitação, escritórios e espaços verdes.
Como primeira consequência desse documento a câmara decidiu adiar a hasta pública - que tinha um valor base total de cerca de 180 milhões de euros - dos terrenos onde esteve a Feira Popular da próxima segunda-feira (dia 12) para a sexta-feira, dia 23 de novembro.
Dez dias que, defendeu Fernando Medina, permitem à procuradora do Tribunal Central Administrativo Sul analisar as respostas e, ao mesmo tempo, dar a conhecer a quem possa ter interesse em investir no projeto de urbanização pensado para o local que está abandonado desde 2003 quando a Feira Popular fechou portas a posição da câmara sobre o assunto.
Aqui ficam as cinco questões enviadas pela magistrada Elisabete Matos à câmara e o essencial das respostas da câmara.
Os termos e fundamentos para a delimitação da Unidade de Execução e do Loteamento Municipal n.º4/2018 [...], bem como para a alienação em hasta pública dos lotes e parcelas de terreno que a integram, não resultam da Proposta n.º 395/2015 [...] e da Recomendação da Assembleia Municipal de Lisboa n.º 2/77 [...] que sobre ela recaiu, ou ainda da Deliberação de Câmara n.º 481/2015 [...].
Documentos que visavam a hasta pública prevista para 2015 e que não se concretizou. Para a câmara essa não realização da alienação dos terrenos "determinou desde logo que os respetivos pressupostos/ condições fixadas tenham ficado sem efeito, não podendo a Câmara realizar nova hasta pública sem que ocorresse, como veio a acontecer, nova pronúncia dos órgãos municipais competentes".
O documento enumera de seguida as várias deliberações da autarquia e da assembleia municipal que visava este processo que agora está em análise, acrescentando que todas as propostas foram alvo de um "alargado debate, incluindo uma audição pública".
Na justificação destes passos, no documento assinado por Fernando Medina, é frisado que "nunca houve dúvida de que as deliberações de 2018 substituíram - materialmente revogaram - as deliberações de 2015/2016. Aliás, estas últimas, a partir da delimitação da Unidade de Execução em 2018, e da assunção do novo modelo de transformação urbana, deixaram mesmo de ter objeto".
Quanto à dúvida substancial de que o atual projeto não cumpre a recomendação anterior de que 25% da superfície devia ser para habitação efetiva a autarquia defende que nestas nova recomendações sobre a Operação Integrada de Entrecampos "não se encontra expresso que pelo menos 25% da superfície do pavimento acima do solo se destine a habitação efetiva, sem embargo de aí estarem contidas diversas preocupações quanto às edificações a realizar e à necessidade de prestação ulterior de informação pela Câmara dos parâmetros urbanísticos a observar na execução da denominada OIE [Operação Integrada de Entrecampos]".
A procuradora questiona o facto de se chamar Operação Integrada de Entrecampos ao projeto que a autarquia apresentou para a zona. Elisabete Matos frisa que "os instrumentos de gestão territorial estão sujeitos a tipicidade, como resulta da Lei de Bases Gerais da Política de Solos, depois desenvolvida pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, estando previstos Programas e Planos, com o recorte definido nestes diplomas. [...] Não se vislumbra a previsão da figura da Operação Integrada enquanto instrumento de planeamento do território. [...] Não se vê assim a que corresponde, no plano jurídico, uma Operação Integrada que respeita a uma área superior a 25 hectares".
A magistrada alerta para o facto de "face àquela tipicidade dos instrumentos de planeamento, e a não se identificar norma que preveja um instrumento urbanístico designado operação integrada, os atos administrativos que desta poderão ficar afetados na sua validade e assim também sujeitos a impugnação".
Perante estas dúvidas a câmara rejeita qualquer ilegalidade e diz que se chama operação "integrada" para "dar tradução à necessidade de compreender as diferentes operações a realizar numa perspetiva conjunta, que, em matéria de planeamento, se suporta numa unidade de execução e num outro instituto típico do direito português: o loteamento urbano [...].
No final das várias alíneas desta explicação, é concluído: "Não há qualquer violação do princípio da tipicidade dos planos, pela simples razão que a referida expressão - "operação integrada" - não foi, nem é utilizada, no sentido da "criação" de um novo instrumento de planeamento do território".
Outra figura utilizada pela autarquia é a de "unidade de execução" o que também levantou dúvidas à procuradoria. "A unidade de execução está prevista enquanto instrumento de gestão urbanística, enquanto instrumento de execução do plano, e não enquanto instrumento de planeamento, querendo-se significar, no que releva, que o estudo urbanístico que lhe subjaz não tem força vinculativa para os particulares, porque só os planos a têm. Daqui resulta que os desenhos urbanísticos e as fichas de caracterização das parcelas e lotes não circulam os particulares abrangidos pela unidade de execução enquanto adquirentes da parcela e lotes".
Na resposta, a câmara explica em 19 pontos o seu entendimento onde defende que o "Regulamento do Plano Diretor Municipal de Lisboa concretiza este regime legal, designadamente, no seu artigo 90.º".
Neste ponto, Fernando Medina faz o primeiro "ataque" aos vereadores do CDS. "Importará questionar: quando no objeto da Exposição apresentada pelos Senhores Vereadores do CDS se diz que o caráter vinculativo é suprido por via contratual e que não era necessária hasta pública, quererão significar que a Assembleia Municipal de Lisboa deveria ter dispensado a venda deste património em concorrência e ter negociado diretamente com terceiros, fora da publicidade e transparência de uma hasta pública?".
Nas perguntas enviadas à câmara na quarta-feira é questionado o que se pode construir acima do solo nos terrenos da antiga Feira Popular com a Procuradora da República junto do Tribunal Central Administrativo do Sul a lembrar que "em 2015, a área em causa traduzia-se por uma parcela única de 42 550 m2 a que correspondia 143.712 m2 de superfície de pavimento acima do solo. Atualmente, a mesma área reconduz-se à parcela A, e a dois lotes, B1 e B2, sendo que aparcela A tem, uma área de 11.012,06 m2 (de acordo com a certidão predial), pelo que ao remanescente da parcela inicial de 2015 a lotear corresponde 31.537,94 m2".
Entre outras considerações Elisabete Matos frisa que "a determinação da edificabilidade nos termos referidos pode, assim, ser considerada violação de normas do regulamento do PDM, do que resulta vício no loteamento e nos negócios e operações consequentes e a suscetibilidade de impugnação."
Também numa resposta com vários itens a autarquia defende que a "edificabilidade acima do solo aprovada em 2018 para os terrenos da antiga Feira Popular corresponde exatamente à mesma que havia sido aprovada pela Câmara e Assembleia Municipal de Lisboa em 2015, a saber 143.712 m2, sendo que a área de edificabilidade abaixo do solo, que em 2015 não tinha restrições, passou agora em 2018 a estar limitada a 20.459 m2".
O último ponto do documento enviado ao gabinete de Fernando Medina na quarta-feira (dia 7) diz respeito a uma alegada falta de parecer da Autoridade Nacional de Aviação Civil ao processo de urbanização pois a área está no alinhamento de uma das pistas do Aeroporto Humberto Delgado.
Devido a essa proximidade é obrigatório o pedido de parecer à ANAC. Documento esse que existe - com um parecer positivo ao projeto - e que é, sublinha a câmara, preliminar e nesta fase preliminar. Pois quando for cumprida a fase de licenciamento da construção será necessário novos pedidos de pareceres, tanto à ANAC como à NAV - Navegação Aérea de Portugal.
Na conferência de imprensa onde defendeu que não há nenhuma irregularidade com esta Operação Integrada de Entrecampos onde a câmara prevê que surjam mais 279 habitações, que serão colocadas em regime de venda livre, e escritórios - para 15 mil empregos -, Fernando Medina sublinhou que este projeto é "essencial para a cidade e visa resolver um problema que existe há muitos anos [desde 2003] na zona de Entrecampos".
No total está prevista a construção de 700 fogos de habitação de renda acessível naquela zona da capital (515 construídos pelo município) e de um parque de estacionamento público na avenida 5 de Outubro. A operação está orçada em 800 milhões de euros, dos quais 100 milhões serão responsabilidade do município, previstos no orçamento da autarquia para o próximo ano.
Segundo o autarca antes da decisão de adiar por dez dias a hasta pública, os serviços camarários já tinham recebido " várias manifestações de interesse de mais de uma dezena de entidades e apresentadas mais de uma centena de questões".
Justificando este adiamento, Fernando Medina referiu que vai ser assim possível a "todos os investidores avaliar com calma e tranquilidade" as respostas prestadas pelo município ao Ministério Público.
Agora, o prazo para a entrega de propostas para a hasta pública - cuja expectativa de rendimentos ronda os 180 milhões de euros - ficou adiado para as 17.00 de dia 22, realizando-se a abertura das propostas no dia seguinte.