25 janeiro 2018 às 00h50

"Quem é que ia pintar paredes para Campo Maior?"

Intervenções de arte pública em Trás-os-Montes, Ribatejo e Alto Alentejo estão concluídas. Fundação EDP apresentou ontem os seus roteiros de arte publica

Lina Santos

A pergunta de Carlos Cardoso ecoa como resumo e programa na sala dos Geradores da Central Tejo, no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT). "Quem é que ia pintar paredes para Campo Maior?". A reposta está nas 79 intervenções de arte pública, uma delas do autor da pergunta, que desde 2015 têm vindo a nascer em 40 localidades de seis regiões do país a partir de postos de transformação de eletricidade, e cujos primeiros três roteiros Alto Alentejo, Ribatejo e Algarve -- foram apresentados ontem pela Fundação EDP.

Carlos Cardoso, 19 anos, natural de Campo Maior e estudante de Ciências da Cultura na Universidade da Beira Interior, pinta na rua com o nome de Tox e foi por verem o seu trabalho, e o do colega Alexandre Gaita, que os convidaram a participar no roteiro de arte pública do Alto Alentejo. Não se considera "artista", mas agora o seu nome aparece ao lado do pintor Luís Silveirinha e de NADA, que também deixaram a sua marca em equipamentos da EDP em Campo Maior, Ouguela e Degolados.

"Foi um desafio porque é a minha terra de origem", diz Luís Silveirinha, em conferência de imprensa. "Era um desafio voltar a Campo Maior", a sua terra natal. "Havia ainda um terceiro desafio, o maior de todos, a cooperação". Cada intervenção nestas zonas do país, todas de "baixa densidade populacional", como precisou Miguel Coutinho, diretor-executivo da Fundação EDP, resulta do encontro dos artistas com a comunidade, em assembleias, e com artistas locais. André Clérigo e Orphão também participam nesta intervenção.

Mais abaixo, na geografia portuguesa, sete artistas deixaram a sua marca em cinco localidades algarvias. Tiago Batista, Susana Gaudêncio, Padure, Menau, Mariana, a Miserável, Jorge Pereira e Xana, que vive no Algarve desde 1984, e que, na relação com o lugar, as pessoas e a arquitetura criou uma ligação inesperada num alçado vazio da atual junta de freguesia, um edifício moderno sem arquitetura. "Numa aldeia perto de Portimão, havia uma casa cuja moldura das portas não era retilínea. Fazia uma espécie de ameias. Achei tão fora do comum que propus usar nesse alçado. Na assembleia alguém me contou que esse edifício era da antiga junta de freguesia".

"Foram importantes as assembleias comunitárias", considera o pintor. "Não para validarem as ideias dos artistas, que têm a sua autoridade, mas porque este princípio de que os artistas têm ideias e que querem promovê-las e querem construir o mundo à sua imagem, é se não a ideia principal deste projeto que é o desenvolvimento social e cultural perde-se", refere Xana.

Do encontro de ideias nasceram mudanças em projetos, relata o artista, contando que após uma das assembleias, Menau decidiu evocar na sua obra a figura do Remexido, um herói de Messines que lutou pela independência do Algarve. No vazio de uma parede da Associação Columbófila local, Remexido, um guerrilheiro, deveria ser retratado com uma arma. A comunidade discordou do uso de uma arma naquele local. "Menau percebeu o problema e mudou o projeto".

João Seguro foi o artista convidado a trabalho no Ribatejo. "O meu trabalho apesar de não ser alheio ao espaço público, não é no espaço público nem para o espaço público". O convite da Fundação EDP deixou-o "entusiasmado", mas "apreensivo", admitiu. "Por ter de me confrontar que eram estranhos à minha forma de intervenção artística", considerou.

Dois temas lhe chamaram a atenção na Vila da Marmeleiro: a proximidade com a Quinta da Torre Bela, a maior propriedade de exploração agrícola antes do 25 de abril, ocupada durante o PREC e alvo de documentários e literatura, e muito importante para definir a identidade sociopolítica daquela região, e a biblioteca e centro de arquivo Ephemera de Pacheco Pereira. "Nas assembleias percebi que alguns desses elementos criavam resistência". "Estava a tentar entrar em terreno de difícil digestão para a comunidade local". A entrada dos outros artistas no projeto começou a ser "suavizar" o peso que eu tinha nesses projetos. Fala de Samina e Alecrim e dos Desejos Urbanos de Priscilla Bailarin, uma artista brasileira que trabalhou nas paragens de autocarro.

Às assembleias e intervenções, segue-se a publicação dos roteiros, que permitem conhecer estes museus de arte urbana a céu aberto. Estão a ser terminadas intervenções em Trás-os-Montes (com trabalhos de Draw

Gabriela Vaz Pinheiro, Nuno Pimenta, Sofia Borges, R2 Design, FAHR 021.3, Cristina Mateus, Fernando José Pereira, MAR, Pedro Almeida, Miguel Schreck e Ricardo Santos) e estão em marcha projetos em quatro freguesias de Vila Nova da Barquinha (Médio Tejo), trabalhando propostas de Vhils, Manuel João Vieira e Violante. O roteiro prossegue pelo Minho no próximo ano.