A meio desta maratona cinematográfica eis que surge um filme de gala, daqueles que nos fazem acreditar na fé do cinema, no absoluto prazer de ainda acreditar nesta arte. Chama-se Inside e é uma aposta europeia da Focus (Universal Pictures). Passa aqui na Berlinale na secção Panorama mas é daqueles casos que podia estar na competição. O grego Vasilis Katsoupis dirige Willem Dafoe que se torna uma espécie de cocriador do filme. São uma hora e quarenta cinco minutos de um "tour-de-force" de apenas um ator: Dafoe e o seu corpo..O conceito é simples: um ladrão de arte tem azar e fica preso numa penthouse de luxo de um arranha-céus de Nova Iorque. Este homem que nunca vamos saber o nome vê-se encurralado quando saía do sofisticado apartamento com arte roubada. Percebemos que o apartamento é uma verdadeira fortaleza tecnológica e que o seu dono está no Azerbaijão e não deve voltar tão cedo. Para piorar as coisas, este deslumbrante "panic room" está insonorizado e autónomo do exterior. Para sobreviver, este homem tem de ser engenhoso até aos limites. Sozinho, durante semanas vai sobrevivendo através da água da rega de uma árvores e de algumas conservas que encontra. Lá fora, apenas recebe do mundo um sinal das câmaras de segurança do prédio..Tratado filosófico sobre a solidão, Inside é, antes de mais, o prazer de ficarmos presos perante um corpo, um rosto. Importa, claro, que esse rosto e corpo seja o de Willem Dafoe, aqui em absoluta performance física, da decadência à vitalidade extrema. Um ator em movimento filmado com uma animalidade nova. A instalação do filme é essa mesma, por muito que o tema do mundo das artes plásticas seja a proposta. Um mundo entre o vazio e a aparência do sublime. A arte e o dinheiro. O dinheiro e o excesso do luxo e da vaidade..O olhar do cineasta grego é sempre portador de uma noção da qual o cinema é território de uma exploração da alma que se aproxima da mais pura transcendência. Em Inside, o "huis-clos" é então a forma de nos deixar entontecidos perante a prisão da qual a personagem de Willem Dafoe tenta sair. Uma experiência que nos faz pensar em como estamos presos a tantos atos de consumo e serventia dos hábitos burgueses. Aquele apartamento pode ser uma metáfora da futilidade de um mundo dos privilegiados..Nesta instalação humana há igualmente uma ideia de provocação: sermos ilhas de nós mesmos. O fulgor efémero dessa constatação vale o que vale, aliás, como qualquer art project. A par disso, torna-se tudo maior quando se percebe que esta partilha de angústia tem uma estética geométrica que obriga a que nunca desviemos o olhar. Inside é o triunfo de revalorizar a arte do ato teatral e performativo no cinema narrativo. Basta um décor e um ator, apenas isso..Da competição, boas notícias: Le Grand Chariot é outra prova da vitalidade do último sobrevivente da Nouvelle Vague, Philippe Garrel, aqui a contar um caso de uma família que sobrevive como trupe de teatro de marionetas. Um filme feito em família: interpretado pelos seus filhos, com Louis Garrel como protagonista..Fica a sensação que há um travo de obra de despedida, sobretudo quando encena a morte do encenador da companhia teatral e passa o testemunho aos filhos, mesmo considerando que há fantasmas. Sente-se também o prazer de filmar os códigos dos artistas: das alegrias às trágicas convulsões, do sucesso ao fracasso. Um filme com morte, vida, prazer e renascimento. Tem bebés, idosos e o tempo a avançar. Uma crónica de fim de ciclos. Ode feliz ao romantismo daquilo que se entende por "vida de artistas". Vai bater bem forte a muito boa gente....Pelo mercado, novidades, mais novidades, do filão dos biopics. Anna Nicole Smith, a modelo da Playboy morta por uma receita errada terá direito a um filme em sua honra. Está já à venda aqui nos corredores do EFM (European Film Market) e terá o título de Hurricana e conta com um elenco onde estão confirmados Sylvia Hoecks, Holly Hunter e Jamie Bell. Outro das biografias já concluída é aquela que fala dos Milli Vanilli, o duo vencedor de Grammys que, posteriormente, se descobriu que eram uma fachada de playback. Girl You Know It"s True tem a assinatura de Simon Verhoeven e estará pronto em dezembro.