A novela das nossas vidas

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Porque as notícias se sucedem a um ritmo avassalador, sinto a necessidade de começar por dizer que escrevo este comentário na sexta-feira, dia 19, pelas 11.00, hora local de Liubliana, onde me encontro. À distância, tenho procurado acompanhar a evolução da crise política iniciada com a carta de demissão de Vítor Gaspar. De perto, tenho assistido às inegáveis virtualidades da União Europeia e, mais especificamente, da moeda única.

Com efeito, iniciei, no passado dia 6, uma viagem de moto que me tem levado por Itália, Grécia, Macedónia, Albânia, Montenegro, Croácia, Bósnia-Herzegovina e Eslovénia. Voltei a encontrar fronteiras terrestres, que só a simpatia dos agentes e o encanto que a minha Harley-Davidson sempre causa permitiram não constituíssem momentos menos bons desta viagem. Mas, mais importante, e isso gostaria de destacar, sempre necessitei apenas do euro para todas as transacções efectuadas nesses países. Para além das óbvias Itália, Grécia e Eslovénia, países da UE e da Zona Euro, o Montenegro adoptou o euro como moeda local e, na Croácia, Albânia, Macedónia e Bósnia-Herzegovina, o euro funciona como segunda moeda, perfeitamente interiorizada por todos, com conversão em real time por taxistas, restaurantes ou postos de combustível, entre outros.

Esta é a Europa real, a que melhora o nível de vida das populações, aquela que potencia o comércio e a aproximação entre os povos e que segue o seu caminho virtuoso, apesar do fraco exemplo dos líderes políticos dos seus vários países. Estes são também os "mercados", não os de dívida ou accionistas, mas os que asseguram o seu funcionamento quando os outros falham. Eles estão, muito claramente, a indicar-nos o caminho e, se esse não for o trilhado pelos vários partidos políticos das diferentes democracias, são esses e essas que estarão em risco e sucumbirão, embrulhados no seu próprio autismo.

Por terras lusas, seguem os novelescos episódios de uma crise que será certamente um case study da cadeira de Ciência Política, com jogos arriscados ou brilhantes de estratégia político-partidária, mas que olha só para o umbigo e esquece os mercados e as populações. Se o pedido de demissão de Vítor Gaspar foi um acto de um homem sério, farto de ser desautorizado e ciente de que não conseguiria cumprir os objectivos a que se propôs, com a sua "irrevogável" demissão, Paulo Portas consegue, numa jogada arriscada, até dentro do próprio partido e eleitorado, ascender e aumentar o peso político do CDS na coligação. Os "mercados", que compreenderam a primeira demissão e se apressaram a avalizar Maria Luís Albuquerque, apresentaram-se muito nervosos com a segunda e os juros subiram para todas as maturidades. Depois, quando a bonança parecia ter chegado, com um governo remodelado, eis que o Presidente da República decide surpreender tudo e todos com uma proposta de Governo de Salvação Nacional que, muito provavelmente, nunca chegará a tomar posse. Estando afastada a possibilidade de eleições antecipadas, como confirmou o Presidente da República, desta jogada presidencial ficará para a história a imolação de António José Seguro como líder da oposição, entrincheirado entre o acordo que Sócrates assinou e que, com sentido de responsabilidade, pretende respeitar, e as forças vivas do partido que outrora controlou e que não lhe dão margem para assinar um acordo com a coligação governamental. Sabemos também que nenhuma das partes vai querer para si o odioso de interromper as negociações. Assim, a novela dura e dura e dura... Mas, ao contrário das outras novelas e reality shows, esta não é na televisão, mas nas nossas vidas. Ou será que, como na expansão do euro, seguiremos o caminho certo apesar dos líderes?

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