Médio Oriente
15 abril 2024 às 23h03
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Israel confirma que vai responder ao Irão

Intensifica-se a pressão ocidental para que o governo de Netanyahu não retalie, mas o gabinete de guerra decidiu não se ficar. A forma como o fará é, contudo, uma incógnita.

Vários dirigentes mundiais, entre os quais aliados de Israel, multiplicaram declarações nas últimas horas a apelar para que as agressões diretas entre Israel e Irão fiquem por aqui. Os preços do petróleo caíram em resultado de os investidores apostarem num desagravamento da situação no Médio Oriente. Porém, apesar de nada ter sido anunciado no final da reunião, o gabinete de guerra israelita tomou a decisão de responder “clara e energicamente” contra o Irão pelo ataque com mísseis e drones de sábado à noite.

Foi a terceira reunião em 48 horas do gabinete de guerra -- constituído dias depois dos ataques terroristas de 7 de outubro do Hamas -- e hoje segue-se mais uma. Este órgão chefiado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu inclui o ministro da Defesa Yoav Gallant, o ministro dos Assuntos Estratégicos Ron Dermer e três personalidades que não pertenciam ao governo: os generais Benny Gantz e Gadi Eisenkot e Aryeh Deri, líder do partido ultraortodoxo Shas. Além disso, o gabinete pode reunir-se com as chefias militares e de segurança. No final do encontro não houve declarações de Netanyahu, porém, segundo o Canal 12, depois de a reunião anterior ter sido marcada por divisões, nesta ter-se-á concluído que Israel “não permitirá que um ataque desta magnitude contra si passe sem uma reação”.

O cerne da questão é como contrariar o tabu quebrado por Teerão -- um ataque direto a Israel -- e a “nova equação” anunciada pelos iranianos. O chefe do Corpo dos Guardas da Revolução Islâmica, Hossein Salami, disse no domingo que “a partir de agora, se Israel atacar interesses, individualidades e cidadãos iranianos em qualquer lugar, retaliaremos a partir do Irão”.

De acordo com o mesmo canal de TV israelita, Gallant e o chefe do Estado-Maior das forças israelitas, Herzi Halevi, estão em sintonia ao considerarem ser necessária uma resposta, mas sem pôr em perigo a coligação liderada pelos Estados Unidos que ajudou Israel a defender-se do ataque iraniano. Além disso, o gabinete de guerra tenciona coordenar a sua ação com os EUA e não quererá que a retaliação desencadeie uma guerra regional. 
De visita à base aérea de Nevatim, que ficou com pequenos danos em resultado do bombardeamento iraniano, Halevi realçou que o Irão “quis afetar as capacidades estratégicas do Estado de Israel, algo que nunca tinha acontecido antes” e agora é hora de planificar. “Estamos a olhar para o futuro, estamos a considerar os nossos passos, e este lançamento de tantos mísseis, de mísseis de cruzeiro e de drones para o território do Estado de Israel terá uma resposta”, assegurou.

Uma retaliação que não aparenta contar com o apoio de qualquer aliado ocidental. No telefonema de domingo entre Netanyahu e o presidente dos EUA, o primeiro ouviu Joe Biden aconselhá-lo a “desacelerar e a refletir” em vez de desencadear um contra-ataque. 

De Londres, Paris ou Berlim, os conselhos foram semelhantes. “A coisa certa a fazer é não escalar”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico. “Estamos a pedir-lhes, como amigos, que pensem com a cabeça e com o coração, que sejam inteligentes e duros, e que reconheçam que o Irão sofreu esta derrota, porque o ataque foi um fracasso”, afirmou David Cameron. Já o presidente francês apresentou um caderno de encargos alternativo à retaliação que poderá alimentar uma espiral de violência. “Isolar o Irão, conseguir persuadir os países da região de que o Irão é uma ameaça, aumentar as sanções, reforçar as pressões contra a atividade nuclear. Depois podemos encontrar um caminho para a paz na região”, propôs Emmanuel Macron. “Todos concordam que a forma como Israel conseguiu repelir com sucesso este ataque é realmente impressionante”, disse o chanceler alemão, em referência à taxa de sucesso de 99% de destruição das centenas de drones e de mísseis iranianos. “É um sucesso que não deve ser desperdiçado e, por isso, o nosso conselho é de contribuir para o desanuviamento”, concluiu Olaf Scholz.

O governo iraniano, que no domingo deu o caso por encerrado, chamou a atenção do Ocidente para que “apreciem a contenção” do Irão nos últimos meses e aconselhou as lideranças a fazerem autocrítica. “Em vez de acusarem o Irão, os países ocidentais deveriam culpar-se a si próprios e responder perante a opinião pública pelas medidas que tomaram contra os crimes de guerra cometidos por Israel”, disse Nasser Kanani, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano. Além disso, afirmou ter informado os EUA e os países vizinhos com 72 horas de antecedência sobre o ataque “limitado” a Israel, sem no entanto terem acordado sobre a forma do ataque. Foi noticiado que a Suíça, a Turquia e o Qatar foram avisados do agendamento do ataque. 

No entanto, quer o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, quer o porta-voz do primeiro-ministro britânico negaram ter recebido qualquer aviso. “Vimos notícias de que os iranianos queriam fracassar e que o fracasso impressionante e vergonhoso foi deliberado. Tudo isso é categoricamente falso”, disse Kirby, destacando por sua vez a coligação internacional aliada à defesa aérea israelita. “Hoje Israel está numa posição estratégica muito mais forte do que há poucos dias”, concluiu.

Opções militares


Os analistas militares e outros peritos afirmam que Telavive tem agora três opções em cima da mesa. A primeira é a de não retaliar diretamente em solo iraniano, mas continuar a perseguir alvos do regime no Líbano, Síria, Iraque e Iémen - contrariando a referida “nova equação”, mas sem provocar uma resposta inevitável de Teerão. A segunda é responder na mesma moeda, com o lançamento de mísseis em alvos específicos.

Por fim, a retaliação mais desejada pela ala dura dos militares e do governo (como, por exemplo, o ministro Itamar Ben Gvir, que apelou para um “ataque esmagador”), e que dificilmente não traria consequências incendiárias: um ataque aéreo, fosse este conduzido através de espaço aéreo da Jordânia e do Iraque ou da Arábia Saudita - um cenário pouco credível -, fosse contornando através do Mar Vermelho e do Mar Arábico, o que traria riscos acrescidos, como lembra o analista Michael Clarke à Sky News

Lapid quer derrubar Netanyahu

O líder da oposição israelita voltou a pedir eleições antecipadas e pediu para que duas figuras do gabinete de guerra ajudem o governo a cair. Segundo Yair Lapid, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o seu governo “tornaram-se numa ameaça existencial para Israel”, pelo que “chegou a hora de realizar eleições”. Lapid pediu a Benny Gantz -- o preferido dos israelitas para suceder a Netanyahu e que no início do mês pediu para o chefe do executivo agendar eleições -- e a Gadi Eisenkot para “ajudarem a derrubar o governo”. Lapid disse ainda que, ao visitar Washington, a administração Biden mostrou-se “chocada com este governo”.

cesar.avo@dn.pt