Médio Oriente
20 maio 2024 às 12h46
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Tribunal Penal Internacional pede mandados de detenção para Netanyahu e chefes do Hamas

Netanyahu e Sinwar são suspeitos de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, segundo um comunicado divulgado por Karim Khan em Haia, Países Baixos, sede do TPI. "Decisão ultrajante", reagiu Israel

O procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, pediu esta segunda-feira a emissão de mandados de captura contra o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e o líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar.

Netanyahu e Sinwar são suspeitos de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, segundo um comunicado divulgado por Khan em Haia, Países Baixos, sede do TPI.

Khan também pediu ao TPI que emita mandados de captura contra o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, o comandante das Brigadas Al-Qassam, Mohammed Al-Masri, e o chefe do gabinete político do Hamas, Ismail Haniyeh.

Khan disse ter "motivos razoáveis para acreditar" que Netanyahu e Gallant "têm responsabilidade criminal por crimes de guerra e crimes contra a humanidade" cometidos em Gaza.

Os dois políticos israelitas são suspeitos de causar a fome de civis como método de guerra, de causar intencionalmente grande sofrimento ou ferimentos graves em pessoas e de homicídio voluntário.

São igualmente suspeitos de dirigir intencionalmente ataques contra uma população civil, de extermínio e assassínio, incluindo no contexto de mortes causadas pela fome, de perseguição e outros atos desumanos.

"Os crimes contra a humanidade imputados foram cometidos no âmbito de um ataque generalizado e sistemático contra a população civil palestiniana, em conformidade com a política do Estado [de Israel]. Estes crimes, na nossa avaliação, continuam até hoje", afirmou.

As provas recolhidas mostram que Israel "privou intencional e sistematicamente" a população civil de Gaza de bens indispensáveis à sobrevivência humana, através da "imposição de um cerco total" ao enclave.

Tais medidas "foram acompanhadas de outros ataques a civis, incluindo os que faziam fila para obter alimentos, da obstrução à entrega de ajuda por parte das agências humanitárias e de ataques e assassínios de trabalhadores humanitários", segundo o TPI.

O tribunal considerou que os crimes imputados aos políticos israelitas visavam eliminar o Hamas, assegurar o regresso dos reféns e "punir coletivamente a população civil de Gaza, que era vista como uma ameaça a Israel".

Disse que os efeitos da utilização da fome como método de guerra, juntamente com outros ataques e castigos coletivos contra a população civil de Gaza, "são graves, visíveis e amplamente conhecidos".

"Incluem desnutrição, desidratação, sofrimento profundo e um número crescente de mortes entre a população palestiniana, incluindo bebés, outras crianças e mulheres", disse o TPI.

O tribunal referiu que "Israel, como todos os Estados, tem o direito de tomar medidas" para se defender, mas lembrou que esse direito não o isenta da obrigação de cumprir o direito internacional humanitário.

"Independentemente de quaisquer objetivos militares que possam ter, os meios que Israel escolheu para os alcançar em Gaza (...) são criminosos", acusou.

Os chefes do Hamas e das Brigadas Al-Qassam, braço armado do grupo extremista palestiniano que atacou Israel em 07 de outubro de 2023, são também suspeitos de crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

O TPI cita os crimes de extermínio, homicídio, tomada de reféns, violação e outros atos de violência sexual, tratamento cruel, ultrajes à dignidade pessoal e outros atos desumanos, no contexto de cativeiro.

"Os crimes contra a humanidade imputados fizeram parte de um ataque generalizado e sistemático contra a população civil de Israel pelo Hamas e outros grupos armados (...). Alguns desses crimes, em nossa opinião, continuam até hoje", referiu.

O TPI disse ter "motivos razoáveis para crer" que Sinwar, Al-Masri e Haniyeh "são criminalmente responsáveis pelo assassínio de centenas de civis israelitas" no ataque de 07 de outubro, e pela tomada de pelo menos 245 reféns.

Durante "visitas pessoais aos reféns pouco depois do seu rapto, reconheceram a responsabilidade por esses crimes", afirmou.

Os investigadores consideraram que os crimes de que são suspeitos Sinwar, Al-Masri e Haniyeh "não poderiam ter sido cometidos sem as suas ações", pelo que são acusados como coautores e como líderes.

"Se não demonstrarmos a nossa vontade de aplicar a lei de forma equitativa, se esta for vista como sendo aplicada de forma seletiva, estaremos a criar as condições para o seu colapso", disse o TPI.

Os crimes que motivaram os mandados de detenção "foram cometidos no contexto de um conflito armado internacional entre Israel e a Palestina e de um conflito armado não internacional entre Israel e o Hamas que decorreu em paralelo".

Detenções são essenciais para julgamento

As detenções do primeiro-ministro de Israel e do líder do Hamas são condições prévias necessárias para o eventual julgamento pedido pelo procurador do Tribunal Penal Internacional.

O Estatuto de Roma, que instituiu o TPI, estabelece que o tribunal não pode julgar nenhum acusado "in absentia", exigindo que o indivíduo em questão se sente fisicamente no banco dos réus e responda pessoalmente pelos crimes de que é acusado.

A detenção é, por isso, uma condição prévia a qualquer julgamento no quadro do TPI.

No entanto, o Tribunal Penal Internacional não dispõe de uma instituição própria capaz de executar a detenção, delegando essa responsabilidade nos Estados signatários do Estatuto de Roma ou a países não signatários que possam, eventualmente, cooperar.

Atualmente são 124 os países que subscrevem o Estatuto de Roma mas nem Israel nem os Estados Unidos, o principal apoiante internacional, se encontram entre os países membros. 

Além disso, Benjamin Netanyahu, por exemplo, não se deslocou ao estrangeiro desde os atentados do Hamas ocorridos a 07 de outubro de 2023.

Segundo a agência de notícias espanhola Europa Press, o TPI tem pendente a detenção de mais de uma dezena de pessoas, entre as quais indivíduos relacionados com as crises na República Democrática do Congo, Uganda, Quénia, Líbia, Costa do Marfim, na região sudanesa do Darfur e na Ucrânia.

Neste último caso, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, é um dos principais nomes da "lista de fugitivos" do TPI.

Putin tem um mandado de captura emitido em desde março do ano passado pela "transferência de crianças ucranianas" para a Rússia.

O TPI refere que quando emite um mandado de captura dispõe de "provas" de que o indivíduo em causa cometeu crimes e exige, por isso, a cooperação internacional.

No entanto, a instituição já comunicou que não é necessária a ratificação do Estatuto de Roma para se proceder à detenção de um fugitivo e que, no passado, já solicitou a cooperação de países externos ao tratado.

Por outro lado e apesar de os signatários do Estatuto de Roma serem obrigados a executar os mandados de detenção pendentes, não seria a primeira vez que um país fizesse cedências: Em 2015, a África do Sul evitou prender o então Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, alegando que tinha imunidade por ter participado numa cimeira da União Africana.

Uma vez detido, o suspeito segue um processo que depende, numa primeira fase, das instituições do país onde foi efetuada a detenção.

Posteriormente, o acusado deve comparecer perante a autoridade judiciária competente que examina se as leis foram ou não cumpridas e se a entrega ao TPI é ou não possível, num processo que difere da extradição.

"Decisão ultrajante", reage Israel

O Governo israelita considerou "ultrajante" o pedido de mandado de captura contra o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), e anunciou a criação de um comité especial para contrariar esta decisão.

"A decisão ultrajante do procurador do Tribunal Penal Internacional de Haia é um ataque frontal sem limites às vítimas do dia 07 de outubro e aos nossos 128 reféns em Gaza", afirmou, numa publicação na rede social X, o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Israel Katz.

O chefe da diplomacia anuncia, na mesma nota, ter ordenado a "criação imediata de um comité especial" no Ministério dos Negócios Estrangeiros, "com todas as entidades profissionais, com o objetivo de lutar contra a decisão que visa, em primeiro lugar, algemar as mãos de Israel e impedir o país de exercer o seu direito à autodefesa".

"Enquanto os assassinos e violadores do Hamas cometem crimes contra a humanidade, contra os nossos irmãos e irmãs, o procurador menciona no mesmo fôlego o primeiro-ministro e o ministro da Defesa de Israel ao lado dos vis monstros nazis do Hamas - uma vergonha histórica que será recordada para sempre", criticou Israel Katz.

O ministro diz ainda que pretende falar com os seus homólogos "dos principais países do mundo para os exortar a oporem-se à decisão do procurador e a declararem que, mesmo que sejam emitidos mandados, não tencionam aplicá-los contra os dirigentes israelitas".

"Nenhum poder no mundo nos impedirá de recuperar todos os nossos reféns e de derrubar o regime terrorista do Hamas", salientou

"Equiparar a vítima ao carrasco", acusa o Hamas

O Hamas denunciou as tentativas do TPI de "equiparar a vítima ao carrasco ao emitir mandados de captura para um certo número de líderes da resistência palestiniana", segundo um comunicado citado pela agência francesa AFP.

O grupo, que controla a Faixa de Gaza desde 2007, considerou que o TPI visou os dirigentes palestinianos "sem base legal e em violação das convenções e resoluções internacionais".

Tais convenções "dão ao povo palestiniano e a todos os povos do mundo sob ocupação o direito de resistir à ocupação por todos os meios, incluindo a resistência armada", referiu.

O Hamas considerou que os mandados contra Netanyahu e Gallant chegam "com sete meses de atraso", numa referência à ofensiva israelita em curso contra Gaza, em resposta ao ataque de 07 de outubro.

Desde então, "a ocupação israelita cometeu milhares de crimes contra civis palestinianos, incluindo crianças, mulheres, médicos e jornalistas, destruindo propriedade privada e pública, mesquitas, igrejas e hospitais", afirmou.

O Hamas também criticou que o pedido do procurador do TPI diga respeito "apenas a dois criminosos de guerra da entidade sionista", segundo a agência espanhola Europa Press.

Khan deveria ter apresentado o pedido contra "todos os funcionários de topo da ocupação [Israel] que deram as ordens" para a ofensiva contra Gaza, defendeu o Hamas.

Os mandados deveriam visar igualmente "os soldados que participaram na prática de crimes" e "todos aqueles que ordenaram, instigaram, cometeram, apoiaram ou não tomaram medidas para evitar estes crimes", segundo o grupo palestiniano.

"O Hamas apela ao procurador do TPI para que emita mandados de captura para a prisão e detenção de todos os criminosos de guerra", disse o grupo.

O Hamas pediu ainda o cancelamento dos mandados "contra os líderes da resistência palestiniana".