Diplomacia
23 maio 2024 às 07h32
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Madrid, Oslo e Dublin reconhecem o Estado Palestiniano: o que é que isso significa?

Israel criticou o “prémio ao terrorismo”, mesmo se a decisão é principalmente simbólica. Para o Hamas é “um passo importante para afirmar o nosso direito à nossa terra”.

Espanha, Noruega e Irlanda anunciaram esta quarta-feira a decisão de reconhecer o Estado da Palestina na próxima terça-feira, esperando que outros países se juntem à iniciativa - Malta e Eslovénia podem ser os próximos. Israel, criticou o que apelidou de “prémio ao terrorismo” e chamou os seus embaixadores nestes três países para consultas. Isto apesar de o gesto político ser principalmente simbólico.

“Só uma solução de dois Estados [Israel e Palestina] que convivam em garantias de segurança permite a paz. Para o conseguir, as duas partes devem sentar-se em igualdade de condições”, defendeu o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, no anúncio no Congresso, deixando claro que a sua decisão não é contra Israel ou o povo israelita nem a favor do terrorismo. “Lutar contra o Hamas é legítimo, mas com Netanyahu a solução dos dois Estados está em perigo. A solução que promoveu só leva ao ódio. Não o podemos permitir”, acrescentou, referindo-se ao primeiro-ministro israelita.

 “No meio da guerra, com dezenas de milhares de mortos e feridos [em Gaza], temos que manter viva a única alternativa que oferece uma solução política para israelitas e palestinianos: dois Estados, a viver lado a lado, em paz e segurança”, indicou, por seu lado, o primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Store. “Reconhecer a Palestina é uma forma de apoiar as forças moderadas que têm vindo a perder terreno neste conflito prolongado e brutal”, acrescentou.

Face aos que criticam o momento do reconhecimento do Estado Palestiniano, o chefe do governo irlandês, Simon Harris, limitou-se a dizer: “Nunca é o momento errado para fazer a coisa correta.” E lembrou a própria história do seu país: “Tal como o reconhecimento da Irlanda como um Estado levou eventualmente ao estabelecimento da nossa agora república pacífica, acreditamos que o Estado Palestiniano vai contribuir para a paz e a reconciliação no Médio Oriente.”

Resposta israelita

Israel reagiu de imediato ao anúncio, chamando os seus embaixadores para consultas e indicando que irá repreender os diplomatas dos três países. “A intenção de vários países europeus de reconhecerem o Estado Palestiniano é uma recompensa ao terrorismo. 80% dos palestinianos na Judeia e Samaria [o nome que os israelitas dão à Cisjordânia] apoiam o terrível massacre de 7 de outubro. O mal não pode receber um Estado”, escreveu Netanyahu no X. “Este seria um Estado terrorista. Tentará repetir, uma e outra vez, o massacre de 7 de outubro. Não o vamos permitir. Recompensar o terrorismo não vai trazer paz nem nos vai travar de derrotar o Hamas”, concluiu o primeiro-ministro israelita.

Pelo contrário, a notícia foi muito bem recebida pelos palestinianos. A decisão contribui para a “consagração do direito do povo palestiniano à autodeterminação na sua terra”, disse o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas. Para o Hamas, é “um passo importante para afirmar o nosso direito à nossa terra”.  

Mas o que muda?

A decisão política é principalmente simbólica, já que não existe um território delimitado do que é a Palestina, nem um governo único. Além disso, na prática não se alteram os laços entre estes países e a Organização para a Libertação da Palestina (que é vista como a legítima representante do povo palestiniano) ou com a Autoridade Palestiniana, que gere de forma limitada a Cisjordânia ocupada. O Hamas controlava a Faixa de Gaza.

Espanha, por exemplo, não planeia abrir embaixada em Ramallah (sede da Autoridade Palestiniana), sendo o atual cônsul-geral em Jerusalém que representará o país. Outra questão que se coloca é: que território se está a reconhecer? Normalmente aponta-se às fronteiras prévias a 1967, quando Israel, durante a Guerra dos Seis, ocupou a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Gaza. Os colonatos israelitas, que têm crescido na Cisjordânia, complicam a delimitação do território.

A 15 de novembro de 1988, Yasser Arafat proclamou a independência do Estado da Palestina, que englobava a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, com capital em Jerusalém Oriental. A proclamação foi feita em Argel, num encontro do exilado Conselho Nacional Palestiniano, que estabeleceu como objetivo a solução de dois Estados. A Argélia foi o primeiro país a reconhecer o novo Estado, sendo que em poucas semanas dezenas de outros países, a maioria árabes, seguiram o mesmo caminho.

Atualmente, 142 dos 193 países das Nações Unidas reconhecem o Estado da Palestina, incluindo alguns europeus. A Suécia, com uma importante comunidade palestiniana, deu esse passo em 2014, sendo que outros seis países da União Europeia o tinham reconhecido antes da adesão. Há uma década que o Parlamento Europeu votou uma resolução a favor de um Estado Palestiniano, da mesma forma que algumas assembleias nacionais - como a espanhola, também em 2014, ou a portuguesa, em dezembro do ano passado. 
Fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros português disse ao DN que o governo mantém a posição desde o primeiro momento, que segue também a do executivo anterior, de reconhecer o Estado Palestiniano. Contudo, consideram que “este não é o momento”, defendendo a existência “do maior consenso possível” dentro da União Europeia, estando a trabalhar como “mediadores” nesse sentido.

Desde 2012 que a Palestina tem, nas Nações Unidas, o estatuto de “Estado observador não-membro”, tendo a Assembleia Geral aprovado por larga maioria, a 11 de maio, dar-lhe novos “direitos e privilégios”. Isto depois de, em abril, no Conselho de Segurança, os EUA terem vetado uma resolução que visava reconhecer o Estado Palestiniano, argumentando que isso só deveria acontecer a partir de negociações que tenham em conta os interesses de Israel em matéria de segurança.

susana.f.salvador@dn.pt