Escândalo
06 setembro 2024 às 20h18
Leitura: 7 min

Brasil. Ministro acusado de assédio sexual contra ministra sai do governo 

Sílvio de Almeida, responsável pelos Direitos Humanos, foi denunciado por Anielle Franco, na pasta da Igualdade Racial, entre outras mulheres, e nega acusações. Lula diz que ele “terá direito a defender-se mas não pode continuar”.

Sílvio de Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, vai ser demitido pelo presidente Lula da Silva depois de ter sido denunciado pela organização Me Too Brasil por supostos episódios de assédio sexual contra mulheres, entre as quais a colega de governo Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial.

O caso, como assinalou o próprio Lula, será investigado por diversas instâncias do seu governo, como a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União, o Ministério Público Federal e a Comissão de Ética da Presidência, que deu dez dias para o ministro se defender.

Lula referiu, a meio da tarde de ontem, que não lhe resta alternativa que não seja demitir o ministro. “Alguém que pratica assédio não vai ficar no governo. Eu só tenho que ter o bom senso de saber que preciso que a gente permita o direito à defesa, à presunção de inocência. Ele tem o direito de se defender”, afirmou o presidente em entrevista a uma rádio local.

“Vamos ter que apurar corretamente mas eu acho que não é possível a continuidade no governo porque o governo não vai fazer jus ao seu discurso, à briga danada que trava contra a violência contra as mulheres, inclusive na área dos direitos humanos, mantendo alguém que esteja sendo acusado de assédio”.

Lula então acrescentou que uma foto divulgada, logo após o escândalo, pela primeira-dama Janja da Silva em que beija a testa de Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em março de 2018, é apenas um sinal de que as mulheres se defendem nesta matéria. “O motivo de uma foto da Janja com a Anielle é a demonstração inequívoca que as mulheres estão com as mulheres. E é o normal. Não tem nenhuma mulher que fique favorável a alguém que seja denunciado de assédio”.

Logo após o escândalo rebentar, a primeira-dama Janja divulgou uma foto sua a beijar Anielle Franco na testa em sinal de solidariedade com a ministra.

Almeida, que nega veementemente as acusações, também pediu investigações àqueles organismos e iniciou ação em tribunal contra o Me Too Brasil. “Repudio com absoluta veemência as mentiras que estão sendo assacadas contra mim. Repudio tais acusações com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de um ano de idade, no meio da luta que travo, diariamente, em favor dos direitos humanos e da cidadania neste país”, afirmou em vídeo.

“Toda e qualquer denúncia deve ser investigada com todo o rigor da Lei, mas para tanto é preciso que os factos sejam expostos para serem apurados e processados. E não apenas baseados em mentiras, sem provas (...) sempre lutarei pela verdadeira emancipação da mulher e vou continuar lutando pelo futuro delas. Falsos defensores do povo querem tirar aquele que o representa. Estão tentando apagar a minha história com o meu sacrifício”.

Anielle Franco não se pronunciará até conversar com Lula pessoalmente sobre o suposto assédio de Sílvio de Almeida num encontro marcado já para depois do fecho desta edição. 

Franco e Almeida são dois dos quatro ministro negros do governo, o que levou Basília Rodrigues, jornalista, negra, da CNN, a lamentar o facto. “O negro no Brasil está sempre por baixo. Morto, ou acusado de matar; pobre, ou acusado de roubar; sem espaço, ou acusado de invadir. A história que ganhou tamanho nas últimas horas traz dois negros como protagonistas de algo ruim”, escreveu.

Entretanto, o painel “Bibliotecas na formação de um mundo melhor”, integrado na 27.ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, mantém os ministros Anielle Franco e Silvio Almeida como palestrantes na tarde de domingo, dia 8.

A notícia do assédio foi inicialmente divulgada por uma reportagem do jornal Metrópoles na noite de quinta-feira, dia 5, já madrugada em Portugal, publicada após ter ouvido 14 pessoas, entre ministros, assessores do governo e amigos de Anielle Franco sobre os supostos episódios de assédio, que incluiriam toque nas pernas da ministra, beijos inapropriados ao cumprimentá-la, além de o próprio Silvio Almeida ter, alegadamente, dirigido à colega de governo expressões com conteúdo sexual. Todos os episódios teriam ocorrido no ano passado.

Em nota, a organização de defesa das mulheres vítimas de violência sexual, Me Too Brasil, confirma, com o consentimento das vítimas, que recebeu denúncias de assédio sexual contra o ministro. Elas foram atendidas por meio dos canais de atendimento da organização e receberam acolhimento psicológico e jurídico.

“Como ocorre frequentemente em casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder, essas vítimas enfrentaram dificuldades em obter apoio institucional para a validação das suas denúncias. Diante disso, autorizaram a confirmação do caso para a imprensa”, diz a organização em comunicado.

“Vítimas de violência sexual, especialmente quando os agressores são figuras poderosas ou influentes, frequentemente enfrentam obstáculos para obter apoio e ter as suas vozes ouvidas. Devido a isso, o Me Too Brasil desempenha um papel crucial ao oferecer suporte incondicional às vítimas, mesmo que isso envolva enfrentar grandes forças e influências associadas ao poder do acusado”, prossegue a nota.

“A denúncia é o primeiro passo para responsabilizar judicialmente um agressor, demonstrando que ninguém está acima da lei, independentemente de sua posição social, económica ou política. Denunciar um agressor em posição de poder ajuda a quebrar o ciclo de impunidade que muitas vezes os protege”.