Filipe Froes fala em "decisão certa"
16 agosto 2024 às 11h01
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Mpox. “OMS aprendeu com a covid e já está a pedir ajuda para travar surto”

Aumento de casos e de mortes em África levou a OMS a decretar “emergência global” por causa de uma nova linhagem do vírus Monkeypox. O médico Filipe Froes diz ter sido "a decisão certa" para levar ao reforço da vigilância internacional. A Suécia anunicou ontem ter registado um caso, o primeiro fora de África.

Num ano, o número de casos de Monkeypox (Mpox) em África aumentou 160% e o de mortes 19%, tendo sido registados desde o início e até ontem 15 664 casos e 548 mortes, segundo o  Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC África). A República Democrática do Congo é o país mais afetado, registando 96% dos casos e das mortes, mas o CDC África afirma que já há infeções em mais outros 13 países daquele continente, como Burundi, Uganda e Quénia.

A grande preocupação das autoridades é que quase 70% dos casos no Congo são de crianças menores de 15 anos, as quais já representam 85% das mortes.

Este quadro levou o CDC África a considerar que se está perante uma situação de “emergência de Saúde Pública” e a pedir ajuda internacional para travar a disseminação do vírus, logo no início da semana. E a OMS apressou-se a decretar “o Estado de Emergência global em Saúde Pública”, que é como “um alerta para todos os países”, explica ao DN o médico Filipe Froes, pneumologista e ex- coordenador do Grupo de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos. 

“A primeira grande lição a tirar desta decisão é que a OMS aprendeu com a pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2. Ou seja, antecipou uma decisão que vai acelerar a cooperação entre os diferentes países para que se aumente a vigilância, a capacidade de implementação de medidas de controlo da infeção e a capacidade de diagnóstico. Ao mesmo tempo que se aumenta também o acesso destes países a terapêuticas que não têm, como vacinas”, especificou, concordando com o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, quando este diz que “esta situação é algo que nos deve preocupar a todos”, pois “o potencial para uma disseminação além-África é muito preocupante”. 

Filipe Froes reforça este aspeto justificando que a preocupação da OMS é evitar que o surto extravase para a Europa ou para os Estados Unidos, para onde há fluxos migratórios dos países afetados. E ontem ficou a saber-se que a Suécia registou um  primeiro caso detetado fora de África provocado pela  nova linhagem do vírus Mpox. Segundo as autoridades suecas, o caso foi identificado “numa  pessoa que procurou atendimento em Estocolmo” e que visitou uma parte de África afetada pelo surto”. 

O grande problema detetado nesta nova linhagem do vírus Mpox é que os primeiros sintomas da infeção não são tão fáceis de diagnosticar, podendo uma pessoa estar infetada e não saber que pode estar a contaminar outras.

O médico explica: “Ainda há a ideia errada de que a Mpox é, sobretudo, uma doença de homens que têm relações sexuais com outros homens. Isso era com a linhagem inicial do vírus, que circulou em 2022, e cujos sintomas mais evidentes eram as lesões cutâneas exuberantes, fáceis de diagnosticar. Só que agora, com a nova linhagem do vírus, houve uma evolução e mudança na transmissão da doença e nos primeiros sintomas”, destaca ao DN, acrescentando que foram estas novas particularidades que levaram a OMS “a decretar este novo alerta de Saúde Pública”. 

Antes, “as  lesões cutâneas exuberantes levavam a própria pessoa a identificar a doença e a isolar-se, mas estas não estão agora tão presentes nesta nova linhagem. As pessoas começam com um quadro de febre, mialgias e dores musculares, o que faz com que, muitas vezes, nem se apercebam de que podem estar infetados”.

Outra característica diferente desta nova linhagem é a forma de transmissão: antes era sobretudo pela via sexual, “agora por gotículas respiratórias que podem levar à contaminação pela permanência de um infetado junto de outras pessoas, por período prolongado”, realça Filipe Froes. Neste momento, e pela avaliação do CDC África, o médico considera que se está perante “uma situação de endemia, a alastrar para uma epidemia na região”.

O diretor-geral da OMS já tinha anunciado que iria prolongar por mais um ano as recomendações permanentes contra o risco crónico do vírus Mpox em vários países africanos, na sequência deste novo surto, como forma de ajudar “os países a responder ao risco crónico de varíola”. Há laboratórios farmacêuticos que já estão a enviar vacinas para prevenir a infeção, porque especialistas, como Salim Abdool Karim, um dos maiores conhecedores  em doenças infecciosas, garantem: “Estarmos numa situação em que o Mpox representa já um risco para muito mais países vizinhos na África Central e à sua volta”, com o argumento de que “a nova variante do vírus vinda do Congo aparenta ter uma taxa de mortalidade de cerca de 3% a 4%, enquanto, em 2022, no surto global de Mpox, que atingiu mais de 70 países, esta taxa era de 1%.”

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