Legislativas
15 fevereiro 2024 às 07h45
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O jovem turco e o líder do PS: descubra as diferenças em matéria laboral

Pedro Nuno Santos leva às eleições um programa eleitoral em tudo alinhado com as posições de António Costa no que toca a relações laborais. No passado, o drama de um trabalhador inspirou-o para o nome do blogue Os Ladrões de Bicicletas. Agora, o filme é outro.

Antonio consegue um emprego a colar cartazes. É uma oportunidade que não pode perder. Mas tem um problema. Precisa de uma bicicleta para conseguir fazer o trabalho. Para a comprar, penhora o pouco que tem. O problema é que, pouco depois de comprar a bicicleta, ela é roubada.

Quando, em 2007, Pedro Nuno Santos e um punhado de outros economistas desalinhados do dominante neoliberalismo fundaram um blogue foram buscar inspiração a esta história, que é o enredo do filme de Vittorio de Sica, de 1948. A escolha foi explicada por a trama deste Ladrões de Bicicletas  ser um retrato dos “dilemas trágicos que os indivíduos têm de enfrentar em resultado da falta de recursos e de poder”.

O que não está no programa

Quase 20 anos depois, uma bicicleta é cada vez mais não só uma ferramenta de trabalho indispensável para os estafetas de entregas, como um símbolo de uma economia uberizada. Mas o programa que Pedro Nuno Santos leva a votos pelo PS no dia 10 de março não perde mais de três linhas a falar sobre os trabalhadores das plataformas digitais.

“Aprofundar, no âmbito da Concertação Social, a proteção laboral dos trabalhadores das plataformas digitais” é tudo quanto o PS tem a dizer sobre o tema.

De resto, o programa socialista proposto pelo homem que é muitas vezes apresentado como um dos construtores da geringonça e um “esquerdista” não tem uma referência ao reforço da contratação coletiva, ao trabalho por turnos ou a bancos de horas. Não se vislumbra qualquer aproximação à esquerda em matéria laboral, mesmo sabendo que esse é um dos temas que fez quebrar o apoio parlamentar de PCP e BE nos tempos de António Costa.

Quando o trabalho separava Pedro Nuno da direita

A marca que PSD e CDS deixaram no Código do Trabalho nos tempos da troika dividiu sempre o PS da sua esquerda, mas houve tempos em que Pedro Nuno Santos era bem mais enfático na demarcação dos partidos de direita nesta matéria. Num discurso que ficou para a história como o pontapé de saída para a sua corrida à liderança socialista, no Congresso da Batalha, em 2018, Pedro Nuno fez questão de vincar o que o separava de sociais-democratas e centristas.

“Proteção laboral. A legislação laboral garante a liberdade a um trabalhador na relação com o seu patrão, para que não fique à mercê da discricionariedade do seu empregador. É de liberdade que falamos quando falamos de legislação laboral. Não contamos com o PSD e com o CDS para proteger os trabalhadores. No seu discurso há uma obsessão com a liberalização da legislação laboral. Não é com eles que garantiremos liberdade a quem trabalha”, dizia o então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares do Governo de Costa.

O seu discurso estava em linha com as posições que já tinha assumido no passado. Em 2011, o então deputado, tinha ido a outro Congresso do PS usar o tema do trabalho para se distanciar de PSD e CDS. “A direita ganhou quando nos convenceu que, para criar mais emprego, é necessário flexibilizar o mercado de trabalho”, dizia, atacando a precariedade e reclamando a estabilidade como “um direito”.

Agora, o que Pedro Nuno Santos propõe é “discutir com os parceiros sociais a adoção de instrumentos de melhoria das situações laborais das empresas, designadamente a partir do aumento da transparência sobre os níveis de rotatividade nos quadros de pessoal e dos leques salariais praticados”.

Em 2014, noutro conclave socialista, defendia “a necessidade de dignificarmos o trabalho”, elogiando António Costa por ter trazido o tema para as primárias do PS. E mostrava-se desiludido por vivermos “num país, e também num mundo, em que as empresas fazem um despedimento coletivo e distribuem milhões pelos seus acionistas”.

No Programa do PS de 2024, as palavras “dividendos”, “lucros” ou até “acionistas” não aparecem uma única vez.

Em 2014, Pedro Nuno refletia sobre as razões que fizeram o Partido Socialista francês eclipsar-se. E concluía: “[O que os franceses] não perdoam é que uma derrota da direita e uma vitória do PS [francês] não tenham correspondido a uma mudança de políticas.”

Linhas vermelhas à esquerda sem resposta do PS

Um objetivo que consta do Programa do PS nestas legislativas é o de “estancar a tendência de redução da densidade sindical”, colocando sindicatos e associações de patrões no mesmo patamar. Para o fazer, propõe o “aprofundamento de incentivos à sindicalização e ao associativismo empresarial”, sem especificar que incentivos poderão receber trabalhadores e patrões para se organizarem coletivamente, mas sugerindo a criação de “um mecanismo automatizado de informação associativa para cada novo contrato de trabalhador e para cada empresa criada”. Ou seja, que cada novo contratado ou novo empresário saiba que sindicatos ou associações representam o seu setor.

Sobre a “negociação coletiva”, Pedro Nuno Santos, em relação à qual reclama o “legado histórico” do PS no que toca à afirmação do seu “dinamismo”, não há medidas muito concretas. Sobretudo, não há duas questões que têm sido consideradas centrais por comunistas e bloquistas e que podem ser um grão de areia na engrenagem de um novo acordo político à esquerda: o fim da caducidade da contratação coletiva (uma regra dos tempos da troika, que permite extinguir contratos coletivos de trabalho sem obrigar à renegociação de novos acordos); e a reposição do princípio do tratamento mais favorável (que acabou com a troika e fazia com que fosse aplicável ao trabalhador a regra em vigor que mais o beneficiasse).

Outro ponto que tem dividido o PS da sua esquerda e que, a julgar pelo Programa Eleitoral, continua a ser uma linha vermelha para os socialistas, é voltar às regras de indemnização por despedimento de antes da troika.
O reforço da contratação coletiva e dos direitos laborais são vistos à esquerda como a melhor forma de dar poder aos trabalhadores, fazendo subir salários. Mas, neste ponto, a visão de Pedro Nuno Santos está muito mais alinhada com a de António Costa do que com a de Paulo Raimundo e Mariana Mortágua. 
 
Para aumentar salário, o Programa do PS propõe “assegurar a plena implementação do Acordo de Concertação Social sobre Rendimentos, Salários e Competitividade e dos seus compromissos, e aprofundar o diálogo nesta sede”. E manter “uma trajetória plurianual de aumento do SMN que permita atingir, pelo menos, os mil euros em 2028”, um valor que agora já é aceite à direita.

O ministro contra os sindicatos

Em 2017, já com a pasta dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos continuava a pôr-se do outro lado da barricada em relação à direita em matérias de trabalho, mas não com a ideia de reverter as políticas de PSD e CDS que flexibilizaram o mercado laboral.

“O que eles querem tanto fazer, e o país precisa, que este Governo de esquerda não permite? Não sei. Se for privatização parcial da Segurança Social ou mais liberalização da legislação laboral, nunca na vida este Governo as fará”, dizia numa entrevista ao Público, quando confrontado com as reformas estruturais reclamadas pela direita.

Posições como esta valeram-lhe duras críticas, à esquerda e à direita, quando como ministro das Infraestruturas esteve à frente de um plano de reestruturação da TAP e pôs em cima da mesa um processo de despedimento coletivo, enquanto a empresa contactava trabalhadores, selecionados por um algoritmo, propondo-lhes rescisões.

Na altura, foi noticiado pela revista Sábado que alguns dos visados no processo eram mães solteiras, mulheres em licença de maternidade, pessoas que tiveram baixas por cancros e depressões. “Pressão psicológica intolerável e um clima laboral de assédio completamente inaceitável” eram expressões usadas pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), num comunicado sobre as reuniões com estes trabalhadores.

Pedro Nuno Santos também foi duro com o sindicato dos estivadores. Em maio de 2020 decretou a requisição civil para manter os portos a funcionar, mesmo com o sindicato a garantir que estava a cumprir os serviços mínimos. E, quando foi decretado o Estado de Emergência por causa da pandemia de covid-19, a suspensão do direito à greve esmagou o protesto.