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81º Festival de cinema de Veneza
31 agosto 2024 às 00h42
Leitura: 5 min

Veneza. Os pecados da carne de Cate Blanchett e Nicole Kidman

O sexo voltou em força ao Lido. 'Disclaimer', a série de Alfonso Cuarón com Cate Blanchett e 'Babygirl', de Halina Reijn, filme feminista erótico com Nicole Kidman de gatas. Objetos potentes para repensar a representação do orgasmo feminino.

Uma série decidida pela mise-en-scène, um filme decidido por uma série de fontes do inesperado. Comum a Disclaimer, de Alfonso Cuarón e Babygirl, de Halina Reijn, a sexualidade feminina e a moral do desejo. Dois projetos com energia erótica quase explícita. 

Se este ano as séries de streaming são um dos pratos fortes do programa pensado pela equipa de Alberto Barbera, o maior acontecimento nessa campo vem da AppleTV+ com Disclaimer. Os seus sete episódios estremeceram o Lido e fizeram rir as plateias quando surgiu um cartão no início a avisar sobre o conteúdo sexual das imagens. Estremecer porque há qualquer coisa de inimitável no deslindar de um mistério em torno de um affaire sexual entre uma mulher mais velha e um adolescente inglês numa praia italiana. Cate Blanchett é a protagonista de uma história que nos leva até à Londres dos nossos dias quando uma jornalista de investigação percebe que está a ser alvo de ameaça por um episódio sexual na sua juventude. Ao longo dos 7 episódios vamos ser puxados para um mistério enigmático que perturba a fundo e sem rodeios. Cuarón está a filmar o desejo feminino mas sobretudo as grandes questões éticas sobre adultério e traição.

Uma série com cinema, pois então.

Será cinema em televisão? O realizador mexicano andou por aqui a dizer que só sabe fazer cinema, embora o crescendo de antecipação e emoção denote algumas técnicas da ficção de streaming, mas dê por onde der, Disclaimer é um dos grandes casos de reflexão em Hollywood sobre a culpa humana. Em outubro o mundo vai perceber que a Apple tem aqui um dos acontecimentos de ficção televisiva que muda o paradigma de tudo. E Cate Blanchett é assombrosa, ela e os grandes Sacha Baron Cohen e Kevin Kline.

Cate Blanchett em Disclaimer, exame de consciência cintilantemente incómodo.

Erotismo feminino


Mas ainda mais obrigatório é outro dos casos sérios deste arranque da competição, o drama erótico Babygirl, destinado a ser mais falado por ser o “tal filme com cenas tórridas” com Nicole Kidman. Na verdade, a realizadora de Bodies Bodies Bodies fez um filme com muito sexo porque o tema é sexo, neste caso através da história de uma mulher poderosa, CEO de uma empresa de robótica, que inicia uma relação extraconjugal com um estagiário com idade para ser seu filho. Um caso que se torna num vício carnal e onde ela ensaia uma exaltação com humilhação e sobreposição do poder, tornando-se escrava sexual do jovem. 

Só mesmo o estúdio A24 para dar luz verde a um filme com Antonio Banderas e Nicole Kidman sobre o que é isso do sexo de dominação retrógrada? Um acontecimento, portanto, destinado a acaloradas discussões sobre os limites da fantasia sexual e o atual poder afrodisíaco da sedução no local de trabalho. 

Se em Disclaimer ainda se pode vir com a cartada do “male gaze” do realizador, em Babygirl (o título alude à forma como o amante trata a sua chefe) o olhar é feminino, mais em concreto, feminista. Se fosse realizado por um homem era sobre uma ninfomaníaca, como é por uma mulher trata-se de um conto sobre uma esposa que não consegue o orgasmo com o marido e reinventa todo o seu prazer.

As más notícias é que há uma resolução a guinar para a comédia de mau gosto e em Portugal ainda não há estreia. As más línguas também vão refilar com o rosto com plásticas de Nicole Kidman, mas curiosamente, é ela própria a brincar com isso com este personagem a levar com uma overdose de botox…Mas o filme é também de Harris Dickinson, o ator britânico de O Triângulo da Tristeza, o trágico dominador sexual.