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Esterilização voluntária
22 setembro 2024 às 01h04
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Laqueações diminuem para um quarto e vasectomias quase triplicam desde 2014

Em 2023, houve 899 laqueações e 689 vasectomias com objetivo contraceptivo; em 2014 foram, respetivamente, 3429 e 252. Atual taxa de laqueação em Portugal é de 0,5 por mil mulheres. Em França, por exemplo, é o quádruplo.

Na última década, houve 19 545 “episódios com procedimentos de laqueação de trompas como diagnóstico principal para efeitos de esterilização”, e 3979 “episódios com procedimentos de vasectomia como diagnóstico principal  para efeitos de esterilização”.

Estes números foram fornecidos ao DN pela  Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Examinados em detalhe, demonstram que, sendo as vasectomias contraceptivas quase um quinto das laqueações ao longo dos últimos 10 anos, as primeiras têm vindo a aumentar, enquanto as segundas decrescem.  A ponto de em 2023 o total de umas e outras estar próximo: 899 laqueações e 689 vasectomias.

Os dados indicam também que as faixas etárias com mais laqueações e com mais vasectomias coincidem. Assim, é entre os 40 e 44 anos que mais se efetuam estes procedimentos –  em 2023, 39,3% das laqueações (353) e 35,5% (246) das vasectomias ocorreram nesse grupo etário. Segue-se a faixa 35/39 anos,  que corresponde, respetivamente, a 33,3% e a 23,5% . A partir daqui há uma diferença: se o terceiro grupo é, nas laqueações, o dos 30 aos 34, com 16% (144), nas vasectomias  é o dos 45 aos 49, ao qual respeitam 17,9% (123). E, compreensivelmente – a fecundidade nas mulheres termina, em regra, antes dos 55 – se o registo de laqueações com o objetivo de esterilização pára na faixa etária 50/54 anos (dois procedimentos em 2023), nas vasectomias vai até aos 60/64 (registaram-se no mesmo período 11 destas cirurgias entre os 55 e os 64 anos).

O grupo no qual as vasectomias mais aumentaram ao longo da última década foi o dos 50 aos 54 (quadruplicaram, de 11 para 46); nas laqueações, o decréscimo foi mais acentuado nos 35/39 e 25/29 (descendo para menos de um quarto).

Segundo o último relatório sobre interrupção de gravidez (IG) da Direção Geral de Saúde (DGS), em 2022 foram efetuadas 202 laqueações na sequência da consulta pós-interrupção de gravidez, correspondendo a 1,3% dos métodos contraceptivos escolhidos nessa consulta. Significando que  21,4% das 947 laqueações registadas em 2022 pela ACSS “para efeito de esterilização” – que o DN está a interpretar como tendo exclusivamente finalidade contracetiva –, foram efetuadas na sequência de IG.  Ainda segundo a DGS, a esmagadora maioria das laqueações pós-IG foram efetuadas em mulheres acima dos 30 anos; mais de 63% entre os 30 e os 39. Uma percentagem bastante superior à que corresponde a esse grupo etário (49,3%) nos números  da ACSS.

A preponderância da década dos 30 nas laqueações encontra-se igualmente nos dados que a Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, facultou ao DN. Efetuaram-se ali, em 2023, “47 laqueações tubárias bilaterais/Salpinjectomias por desejo de contraceção definitiva”; em 2024, e até 11 de setembro, foram 24 os procedimentos. A média de espera foi de seis meses e a da idade das mulheres semelhante nos dois anos: respetivamente, 38,9 e 38,3. Outra informação adiantada pela MAC é que nestes dois anos “apenas 19% das mulheres eram da região de Lisboa”.

Para efeitos de comparação, em 2022, segundo o diário francês Le Monde, foram efetuadas em França 20 325 laqueações e 30 288 vasectomias com fins contraceptivos. No que respeita às laqueações, e tendo em conta o número de mulheres em idade reprodutiva em França – contabilizadas, por a lei ali permitir a esterilização voluntária a partir dos 21, dos 20 aos 49 (9 667 133) – a taxa é de 2,1 por mil mulheres. Em 2013, segundo um inquérito estatal, 4,3% das francesas em idade reprodutiva teriam escolhido a esterilização; entre os 40 e os 49, eram mais de 10%; dos 35 aos 39, 2,9%.

Em Portugal, havendo 1 652 856 mulheres dos 25 aos 49, a taxa de esterilização voluntária – calculada para o ano de 2023, com base nos dados da ACSS –, é de 0,54 para mil, um quarto da francesa.

Já a taxa de vasectomia é de 0,29 para mil homens: apesar de o número destes procedimentos não ser atualmente muito inferior ao das laqueações, o universo a que dizem respeito é maior, já que, como se constata, os homens efetuam a esterilização em idades mais elevadas. Assim, é preciso incluir no cálculo o grupo etário 50/59 anos (resultando num total de 2 330 102 homens – dos 25 aos 59 anos). 

Estas contas, da responsabilidade do jornal, não são absolutamente exatas porque os números da ACSS não podem ser interpretados como dizendo apenas respeito a esterilizações voluntárias, pois registam laqueações e vasectomias antes dos 25 anos – quando a lei só permite o acesso ao procedimento a partir dessa idade – e, inclusivamente, no caso das laqueações, em crianças (dos 10 aos 14 – cinco de 2014 a 2023). Implicando que também nas outras idades haverá esterilizações não voluntárias.

A ACSS também facultou ao jornal o número total de laqueações e vasectomias por qualquer motivo (não apenas com objetivo contraceptivo). No que respeita às primeiras, é muito superior ao das que são classificadas como “para efeito de esterilização”.  Em 2023 foram 8336 (quase o décuplo das contraceptivas no mesmo ano); desde 2014, 82 977. Quanto às vasectomias “independentemente da causa clínica”, foram 845 em 2023 e 5145 nos últimos 10 anos.

A ACSS não explicita o que entende, nesta categoria de procedimentos "por qualquer motivo", por "laqueações". Mas, resultando os dados comunicados, como adverte a ACSS, "de um processo de  codificação clínica de todos os episódios hospitalares de internamento e em ambulatório", supõe-se que estarão incluídas na categoria "laqueações" todas as intervenções que incluem ablação das trompas (Salpinjectomias) no contexto de cirurgias por motivos vários, da gravidez ectópica a patologias de vária ordem, incluindo miomas uterinos e neoplasias. Refira-se que mesmo na cirurgia com objetivo contraceptivo é cada vez mais comum, como medida de precaução em relação a cancros ginecológicos, retirar as trompas em vez de as laquear.