Transporte Ferroviário
23 junho 2024 às 09h18
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Atrasos nos comboios valem multas acima de meio milhão de euros à CP

Celta e Alfa Pendular foram os comboios que menos chegaram a horas no ano passado, muito por culpa das obras nas linhas. Transportadora foi penalizada em mais de 800 mil euros ao abrigo do contrato de serviço público.

Chegaram atrasados praticamente três em cada 10 comboios realizados pela CP no ano passado. O incumprimento dos horários valeu à empresa pública ferroviária mais de meio milhão de euros em multas. É considerado como atrasado um comboio regional e de longo curso que chegue mais de cinco minutos depois da hora; nos serviços suburbanos a diferença é de mais de três minutos. Ainda assim, em mais de dois terços dos casos a culpa dos atrasos deve-se a obras ou problemas na linha.

O comboio Celta foi o que mais se atrasou em 2023: a ligação ferroviária entre Porto e Vigo apenas chegou a horas - isto é, com menos de cinco minutos de atraso - em 17,7% das viagens, revela o relatório e contas da CP.

A diminuição na pontualidade é de mais de 17 pontos percentuais face aos 34,9% verificados em 2022. Um dos contributos para os atrasos do Celta é a necessidade de troca de maquinista em Viana do Castelo, estação ponto de encontro dos comboios provenientes dos dois sentidos. Basta que um dos deles se atrase para que o processo demore mais tempo do que seria necessário.

A pontualidade do Alfa Pendular foi de apenas 45,3%, abaixo dos 47,8% de 2022. As causas dos atrasos vão da simples demora na entrada e saída de passageiros - ainda há pouca informação sobre a ordem das carruagens deste comboio nas estações - às avarias no sistema de controlo de velocidade Convel, que limitam a 100 km/h um comboio que pode circular a 220 km/h. O Alfa também falha na pontualidade porque fica a aguardar passageiros provenientes de comboios regionais e inter-regionais que chegam com atraso. O mesmo tipo de problemas ocorre no Intercidades, serviço de longo curso com menos atrasos, com um índice de pontualidade de 54,4%, ligeiramente abaixo dos 55,3% de 2022.

Os registos ficam bastante abaixo do índice do contrato de serviço público, que estabelece um índice de pontualidade de 85% para os comboios de longo curso e regionais e de 95% para os serviços suburbanos de Lisboa, Porto e Coimbra. A CP foi penalizada em 572 mil euros pelos 33% de atrasos registados por culpa própria e que ocorreram sobretudo nos intercidades de Braga e de Faro e nos suburbanos de Lisboa. Os restantes dois terços de atrasos devem-se às limitações de velocidade impostas pela Infraestruturas de Portugal por conta das obras nas linhas ferroviárias.

Nos comboios suburbanos os piores desempenhos registaram-se nas linhas de Guimarães (65,2% face aos 72,4% de 2022), Sado (67,1% vs. 74,9% em 2022) e Caíde (75,7% contra 79,4% em 2022). As linhas mais pontuais de 2022 registaram descidas acentuadas no ano passado: entre Figueira da Foz e Coimbra a pontualidade caiu dos 97,6% para 75,5%, com os cruzamentos de comboios cada vez mais limitados no centro do país. Na Linha de Cascais, que funciona de forma isolada na rede ferroviária nacional, o índice de pontualidade recuou dos 91,4% para 78,5% de 2022 para 2023. A única melhoria registou-se na Linha de Aveiro, de 79,5% para 81,8%, apesar das limitações de velocidade entre Gaia e Espinho. Os comboios regionais só chegaram a horas em 68,8% das viagens, abaixo dos 79,2% de 2022.

A CP também foi penalizada pela falta de fiscalização em cerca de 320 mil euros. A empresa alega que a “falta de disponibilidade de pessoal operacional justificou o baixo nível de realização das brigadas de fiscalização e cobrança ao longo do ano”. Para 2023, o índice de fiscalização tinha de ficar acima dos 75%, com 50 brigadas a fazerem o controlo dos bilhetes e passes entre janeiro e abril, novembro e dezembro, e 20 brigadas a fazerem o mesmo processo entre maio e outubro. A fiscalização é feita em conjunto com agentes da PSP e é considerada como uma medida “dissuasora de atos de natureza antissocial, reforçando o sentimento de segurança dos clientes”, e que “contribuem para a cobrança de receita”.

 Houve ainda uma coima de 621 euros porque não apareceram os comboios que estavam previstos no contrato de serviço público. No ano passado, só por conta das greves, ficaram por realizar mais de 31.300 comboios, cerca de 7% de todas as viagens programadas para 2023. Apenas 10% dos comboios foram cancelados por motivos imputados à própria transportadora, por avaria do material circulante ou falta de pessoal. O contrato de serviço público estabeleceu para 2023 que fossem realizadas 98% das viagens programadas. Apenas eram consideradas causas para o incumprimento as que eram “diretamente imputáveis à CP”.

Ocupação explode em Lisboa e recua no longo curso

No ano passado, a CP contabilizou 173,267 milhões de viagens, mais 17% do que em 2022. O aumento deve-se exclusivamente aos comboios suburbanos de Lisboa, com mais de 136,3 milhões de passageiros, um acréscimo de 23,7% face a 2022. A taxa de ocupação destes comboios aumentou 9,4 pontos percentuais, para 38,7%. Não é feita uma subdivisão por linhas, que permitiria comparar as realidades de Sintra, Cascais, Azambuja e Sado. O Celta também teve mais 3,3% de utilizadores, no total de 115 mil, e a taxa de ocupação aumentou 3,5 pontos percentuais, para 37,5%.

Os restantes serviços perderam utentes. Os comboios suburbanos do Porto registaram 19,9 milhões de passageiros, ficando pela primeira vez abaixo da fasquia dos 20 milhões, o que já não acontecia desde 2014 - isto se excluirmos os anos pandémicos (2020 e 2021). No Alfa Pendular e no Intercidades houve uma quebra de 6% de utilizadores, para 5,19 milhões.
Os comboios de longo curso foram os únicos em que a taxa de ocupação caiu, de 2022 para 2023, de 56,4% para 55,9%.Também neste serviço as receitas das viagens (proveitos de tráfego) recuaram 5,9%, para 88,2 milhões de euros. A situação é particularmente preocupante no Alfa Pendular, pois é o único serviço comercial da CP que não recebe apoios do Estado, ou seja, depende unicamente das vendas de bilhetes. Para as contas da empresa compensa mais um passageiro em 2.ª classe que faça apenas uma viagem no Alfa Pendular entre Lisboa e Braga (bilhete a 36,60 euros) do que um utente que compre um passe mensal (40 euros) para utilizar todos os transportes da Área Metropolitana do Porto as vezes que quiser.

A transportadora ferroviária sinaliza isso mesmo no relatório e contas, com um gráfico a mostrar que o número de passageiros aumentou 17% mas as receitas das viagens caíram 3,3%, para 247,36 milhões de euros. Os comboios suburbanos de Lisboa tiveram um aumento de apenas 0,9% nos proveitos de tráfego. No Celta, por conta das promoções e de uma taxa de ocupação relativamente baixa, as receitas das viagens tombaram 21,4%.

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