Banco de Portugal
08 junho 2024 às 09h09
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Portugal viola o novo Pacto de Estabilidade já em 2025 com as medidas que têm sido tomadas por Governo e Oposição

Banco de Portugal conclui que, com as medidas já em vigor, Portugal chega a 2025 e violará de forma flagrante o novo limite da despesa. Portugueses acabarão por sofrer mais austeridade nos próximos anos para “compensar” o excesso proibido

O País e as contas públicas portuguesas vão violar o Pacto de Estabilidade (a nova regra de travão da despesa pública, a margem “disponível” para a despesa) já na sua estreia, em 2025, na sequência das medidas que têm vindo a ser aprovadas pelo governo PSD-CDS e pela oposição nas últimas semanas (medidas que aumentam despesa e descem receita), e cujos os efeitos se propagam no tempo, alerta o Banco de Portugal (BdP), num estudo publicado esta sexta-feira. E tudo isto ainda sem contar com o efeito da revisão das carreiras para várias classes profissionais da função pública, que pode abranger mais de 220 mil pessoas.

De acordo com o referido estudo, publicado no novo Boletim Económico do banco central governado por Mário Centeno, Portugal vai violar de forma flagrante a tal nova regra da despesa: a margem da despesa aceitável à luz do novo Pacto, o máximo admissível, segundo o novo quadro legal europeu, é de 5385 milhões de euros, calcula o BdP com base numa estimativa do Produto Interno Bruto (PIB) potencial.

Mas os mesmos cálculos do BdP também mostram que “o excesso do referencial da despesa face à margem disponível será superior a 2070 milhões de euros (superior a 0,7% do PIB)”. Problema: Portugal, por ter uma dívida ainda muito acima dos 60% do PIB, só pode ter um excesso no máximo de 0,3% do PIB, segundo o novo Pacto.
Ou seja, o BdP mostra que se nada for feito para corrigir esta situação - “novas medidas que permitam reduções na despesa e/ou aumentos da receita”, indica o Banco - então o País estreia-se no novo Pacto a violar o valor do indicador principal referente à despesa em mais do dobro.

Na apresentação do Boletim Económico, no Museu do Dinheiro, em Lisboa, Mário Centeno falou deste novo estudo ou cenário sobre as finanças públicas e o Pacto, referindo que o BdP está a tentar ser “pedagógico” e mostrar os riscos reais que se colocam mediante as medidas que estão a ser tomadas.

“Apesar do excedente orçamental registado em 2023 [1,2% do PIB, o maior da História democrática], não deverá haver margem, segundo as novas regras orçamentais, para aumentos de despesa ou reduções de impostos que não sejam compensados por outras medidas, especialmente se cenários macroeconómicos adversos se concretizarem”, avisa o Banco.

“O rácio da dívida pública ainda é muito elevado e os efeitos do envelhecimento da população na despesa pública, já visíveis, irão acentuar-se nas próximas décadas.”
Mas o problema da violação da principal regra do novo Pacto é maior do que se vê. Ele pode conduzir a uma degradação da credibilidade do País, a comentários cada mais negativos e hostis da Comissão Europeia e de altos responsáveis de instituições como FMI, BCE ou OCDE, e, não menos importantes, as opiniões mais negativas por parte das agências de rating, que podem baixar a nota da República, agravando imediatamente as taxas de juro cobradas ao país.

Medidas problemáticas

Mesmo querendo ser apenas pedagógico, Centeno mostrou-se preocupado com o rumo que o governo PSD-CDS e a oposição estão a definir ao nível das Finanças do País.

O BdP disse que “a aprovação e anúncio de novas medidas com impacto orçamental nas semanas anteriores à publicação deste boletim”, portanto, tudo medidas muito recentes, “condiciona a avaliação da situação das finanças públicas em Portugal nos próximos anos”.

“A magnitude destas medidas e a sua natureza - diminuição de receita e/ou aumento da despesa - implicam uma redução do saldo orçamental” e “com a informação disponível, é expectável o retorno a uma situação de défice, colocando em risco a trajetória desejável para a despesa pública no âmbito das novas regras orçamentais europeias”.

Desde que começou a nova legislatura, “ocorreu o anúncio e aprovação de várias medidas de política com impacto orçamental relevante e permanente”. Algumas, o Banco já consegue quantificar, outras não. Entre as medidas problemáticas estão “a redução do IRS, o pacote de apoio aos jovens, o alargamento da redução do IVA na eletricidade, o apoio à habitação e reforço da saúde, bem como as revisões salariais de diversas carreiras na função pública”, elenca a autoridade monetária nacional.

A despesa que mais conta

No novo quadro para a disciplina orçamental na Europa (mais apertado no caso da Zona Euro), que entrou em vigor no final de abril de 2024, “a trajetória de ajustamento orçamental, a ser incluída por cada Estado-membro nos planos de médio prazo, estará ancorada exclusivamente no referencial para a despesa”, explica o Banco.

Ou seja, para cada País “é definida uma trajetória para o referencial para a despesa no respetivo plano orçamental de médio prazo, cuja variação é designada por margem orçamental” e considerou-se que a tal margem orçamental é calculada “a partir do crescimento do PIB potencial nominal”, que no caso português é de 5% em 2025.

E de que tipo de despesa se está a falar? É a “despesa pública primária líquida de medidas discricionárias do lado da receita, de programas de despesa financiados por fundos europeus, da componente cíclica dos subsídios de desemprego e de medidas temporárias”. Portanto, uma despesa mais estrutural, à qual se abate medidas extra de receita, fundos europeus, uma parte mais volátil da despesa com subsídios de desemprego e juros da dívida, ou seja, uma forma de não imputar ao governo culpas pelo agravamento nos gastos que escapam mais ao seu controlo direto.

A violação do novo limite da despesa

“Considerando as estimativas do Banco de Portugal para a execução do Orçamento do Estado para 2024, a margem orçamental em 2025 deverá situar-se em 5385 milhões de euros”, ou seja, é o máximo até onde Portugal pode ir no novo indicador no ano que vem.

A partir desta margem é depois possível “avaliar os aumentos previstos do referencial para a despesa”. E é aqui que começam os problemas.

Segundo o BdP, usando os efeitos do Orçamento do Estado e de algumas medidas novas aprovadas pelo PSD-CDS e pela oposição pós-OE, do lado da despesa, “verifica-se um aumento significativo das pensões e outras prestações sociais em dinheiro (1900 milhões de euros), bem como do aumento regular das despesas com pessoal (1050 milhões de euros) e do consumo intermédio e das prestações sociais em espécie (1100 milhões de euros)”.

Além disso, o Banco detetou já um aumento de gastos “com as variações do investimento com financiamento nacional e da outra despesa de capital, totalizando 1120 milhões de euros”. “Estas últimas despesas estão afetadas pelo forte aumento dos empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência”.

A estas, “acrescem 465 milhões de euros de medidas já aprovadas fora do exercício orçamental e para as quais existe quantificação (CSI - Complemento Solidário para Idosos, apoio aos jovens e revisão da carreira dos professores)”. O conjunto destas despesas dá o tal referencial oficial para a despesa de 5635 milhões de euros, ou seja, o máximo admissível de excesso face à margem orçamental natural do país. Além disso, tem de se calcular “as medidas discricionárias do lado da receita”, onde se inclui o corte no IRS, que “implicam uma redução de 1820 milhões de euros”.

“Deste modo, a variação do referencial para a despesa ascende a 7455 milhões de euros”. Centeno deixou o aviso. “Sem medidas de compensação, não existe margem orçamental”. Segundo o Banco, sem novas medidas que cortem despesa e/ou subam receita, o “excesso do referencial da despesa face à margem disponível será superior a 2070 milhões de euros (superior a 0,7% do PIB)”.

É muito, é mais do dobro do limite que emana do novo Pacto. Este valor “excede o limite máximo de 0,3 pontos percentuais que está inscrito no atual procedimento por défice excessivo para economias com um rácio da dívida superior a 60%”, que é o caso de Portugal (que tem uma dívida superior a 90%).

Moral da história: “A eventual correção deste desvio exigiria a adoção de medidas restritivas, com o risco de serem assumidas numa fase descendente do ciclo económico e, por isso, pró-cíclicas”, diz o Banco de Portugal. Ou seja, seriam sentidas como medidas de austeridade. Novos cortes na despesa e/ou aumentos de impostos no pior momento do ciclo, como aconteceu no tempo da troika.

E o banco central diz que ainda falta contar com outros pesos pesados de despesa que dilatariam ainda mais o valor de novas medidas para compensar a violação da margem de segurança nos gastos públicos. “Ficam fora deste exercício as diversas medidas com impacto orçamental significativo ainda em fase de negociação que abrangem mais de 220 mil trabalhadores da administração pública, os planos de emergência nas áreas da saúde e habitação, entre outras medidas setoriais”, acena o BdP.