Eleições/EUA
28 junho 2024 às 08h03
Atualizado em 28 junho 2024 às 10h13
Leitura: 20 min

Biden hesitante face a Trump mais enérgico e a multiplicar afirmações falsas

Donald Trump encadeou falsas afirmações com calma e confiança e Joe Biden, apesar de ofensivo na substância das suas respostas, mostrou-se confuso e com dificuldades de dicção em vários momentos do debate, durante o qual os rivais entraram em confronto em temas como inflação, imigração ou Ucrânia.

O presidente norte-americano, Joe Biden, surgiu com problemas de voz, respostas incoerentes e lapsos verbais no primeiro debate com o rival republicano Donald Trump, que, mais enérgico, abusou de afirmações falsas sobre economia, imigração ilegal e outros temas.

Joe Biden e Donald Trump abriram o seu primeiro debate presidencial de 2024 sem um aperto de mãos e foram diretos para as perguntas dos moderadores da CNN, com o democrata a revelar uma voz rouca - devido a uma gripe, segundo uma fonte próxima da campanha - o que ajudou a passar desde início uma imagem fragilizada, face a um adversário confiante.

Donald Trump encadeou falsas afirmações com calma e confiança e Joe Biden, apesar de ofensivo na substância das suas respostas, mostrou-se confuso e com dificuldades de dicção em vários momentos do debate, durante o qual os rivais entraram em confronto em temas como inflação, imigração ou Ucrânia.

Ainda na primeira parte do debate, o democrata pareceu perder a linha de raciocínio, passando de uma resposta sobre política tributária para política de saúde, tendo mesmo chegado a ficar paralisado durante alguns segundos enquanto procurava a palavra certa a usar.

Por várias vezes Trump ouviu Biden com uma expressão confusa, mas raramente o tentou interromper, embora o seu microfone estivesse silenciado enquanto Biden falava.

A questão da idade dos candidatos - especialmente os 81 anos de Biden - tem estado em destaque nos últimos meses, com o atual chefe de Estado a ser alvo frequente de troça por parte do seu oponente de 78 anos.

Trump fez cerca de 30 falsas afirmações, contra nove de Biden, segundo a CNN

Biden, que é o presidente em exercício mais velho da história norte-americana, tinha o desafio de demonstrar durante o debate a sua capacidade física e mental para derrotar Trump e liderar o país por mais quatro anos. 

Contudo, a tarefa mostrou-se difícil, perante um Trump contido e imperturbável, mas que recorreu a afirmações falsas várias vezes ao longo do debate.

De acordo com a CNN, Trump fez cerca de 30 falsas afirmações, contra nove de Biden.

Trump sugeriu falsamente que Biden estava a enfraquecer o programa de assistência social por causa da entrada ilegal de migrantes no país.

O tema da imigração serviu para Trump atacar fortemente Biden, num dos momentos mais acesos na primeira meia hora do debate.

"Eles (imigrantes) estão a morar em hotéis luxuosos na cidade de Nova Iorque e em outros lugares", acrescentou Trump, uma declaração que foi prontamente classificada como falsa pelo jornal New York Times.

O debate evidenciou como ambos têm visões nitidamente diferentes sobre praticamente todas as questões fraturantes do país -- o aborto, a economia e a política externa -- e uma profunda hostilidade entre si.

Apesar de cada um dos candidatos ter sido relativamente comedido enquanto defendia o seu histórico e culpava o outro por prejudicar o país, a sua animosidade pessoal rapidamente veio à tona.

Biden entrou numa vertente mais pessoal ao evocar o seu filho, Beau, que serviu no Iraque antes de morrer de cancro no cérebro.

O presidente criticou Trump por alegadamente chamar os norte-americanos que morreram em batalha de "parvos e perdedores".

Num dos momentos mais tensos da noite, Biden disse a Trump: "O meu filho não era um perdedor, não era um parvo. Você é o parvo. Você é o perdedor".

Trump negou ter feito essas declarações, que o seu ex-chefe de gabinete John Kelly assegurou ter feito.

Outra das falsas afirmações feitas por Trump veio sobre a guerra na Ucrânia, com o magnata a acusar Biden de ter "encorajado" a Rússia a invadir o país vizinho.

O New York Times corrigiu rapidamente o republicano, recordando que a administração Biden enviou William J. Burns, o diretor da CIA, à Rússia em novembro de 2021 para dizer ao presidente russo, Vladimir Putin, que os serviços de informações norte-americanos sabiam dos seus planos para invadir a Ucrânia e avisá-lo para não avançar.

"Este lugar, o mundo inteiro, está a explodir sob o comando dele (Biden)", disse Trump.

"Nunca ouvi tanta asneira em toda a minha vida", respondeu Biden.

Trump insiste que pode resolver guerra na Ucrânia e Biden avisa que Putin não ficará por Kiev

O ex-presidente norte-americano Donald Trump prometeu "resolver" a guerra da Rússia na Ucrânia antes mesmo de assumir o cargo, com Joe Biden, o atual chefe de Estado, a alertar que o homólogo russo, Vladimir Putin, não ficará por Kiev.

Neste primeiro debate presidencial de 2024, Trump atacou Biden por dar à Ucrânia centenas de milhares de milhões de dólares e insistiu que seria capaz de acabar com a guerra da Rússia, apesar de não explicar como o faria.

O magnata republicano afirmou ainda que Putin o respeita, apesar de admitir que os termos que o presidente russo apresentou para acabar com a guerra da Rússia na Ucrânia "não são aceitáveis".

Putin disse que a Rússia só acabaria a sua guerra na Ucrânia se Kiev entregasse a totalidade das quatro regiões ocupadas por Moscovo e abandonasse a sua tentativa de ingressar na NATO. 

"Esta é uma guerra que nunca deveria ter começado. Se tivéssemos um líder nesta guerra... Ele (Biden) deu 200 mil milhões de dólares ou mais agora à Ucrânia, deu 200 mil milhões de dólares. É muito dinheiro. Acho que nunca houve algo parecido", disse Trump.

No entanto, Joe Biden alertou que Putin não se limitará à Ucrânia.

"O facto é que Putin é um criminoso de guerra", afirmou o democrata.

"Ele (Putin) quer toda a Ucrânia. É isso que ele quer. E então você acha que ele vai parar por aí? Você acha que ele vai parar quando, se ele tomar a Ucrânia? O que você acha que acontecerá com a Polónia, Bielorrússia? O que você acha que acontecerá com países da NATO?", questionou.

Ainda sobre política externa, Donald Trump não respondeu diretamente à pergunta sobre se apoiaria um Estado palestiniano independente para acabar com a guerra em Gaza entre Israel e o grupo islamita palestino Hamas.

"Você apoiaria a criação de um estado palestiniano independente para apoiar a paz na região?", perguntou a moderadora da CNN, Dana Bash, a Trump, que respondeu: "Eu teria que ver", antes de mudar de assunto.

Trump não é um defensor da causa palestiniana e quando esteve na Casa Branca (2017-2021) decidiu promover a normalização das relações entre Israel e os seus vizinhos árabes, deixando de lado a solução de dois Estados.

Sobre a guerra em Gaza, Biden lembrou que tem pressionado para que Israel e o Hamas fechem um acordo de cessar-fogo que permita a libertação dos reféns.

Donald Trump acusou então Joe Biden de ficar do lado dos palestinianos no brutal conflito de Gaza por supostamente se recusar a ajudar Israel a "terminar o trabalho" na guerra contra o Hamas.

O magnata republicano acusou o seu sucessor de tornar os Estados Unidos numa "nação de terceiro mundo" e de o país não ser mais "respeitado" devido às políticas do democrata.

Trump classificou ainda a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão como o "dia mais embaraçoso" na história do país.

O ex-presidente disse que o plano de retirada que tinha preparado teria permitido a Washington sair do Afeganistão com "dignidade".

"Eu estava a sair do Afeganistão, mas estávamos a sair com dignidade, com força, com poder", argumentou.

Biden diz que herdou economia "em queda livre" e Trump devolve críticas

Joe Biden disse que herdou uma economia "em queda livre" quando chegou à Casa Branca e que passou os últimos anos a consertar os problemas deixados pelo antecessor Donald Trump. 

"A economia colapsou, não havia empregos, o desemprego subiu para 15%, foi terrível", afirmou Biden no debate, ao ser questionado sobre a elevada inflação e a pressão dos preços sobre os consumidores. 

O debate moderado pela CNN foi o primeiro de sempre entre um ex-presidente e um presidente em funções, que se enfrentam pelos próximos quatro anos na Casa Branca.

"Estamos a trabalhar arduamente para lidar com estes problemas", disse Biden, caracterizando o que foi deixado pelo antecessor como "caos". 

Donald Trump refutou de forma incisiva esta caracterização, declarando que no seu mandato os Estados Unidos tiveram "a melhor economia na história do país" e "toda a gente estava maravilhada". 

O ex-presidente defendeu os gastos "necessários" durante a pandemia de covid-19 e disse que nunca recebeu o crédito devido por ter tirado o país da crise da pandemia. 

"Os únicos empregos que ele criou foram para imigrantes ilegais", argumentou Trump, virando-se para Biden. 

O republicano também defendeu os cortes de impostos que beneficiaram mais as grandes empresas e os mais ricos, garantindo que o governo conseguiu mais receitas com taxas mais baixas. 

"Os cortes de impostos levaram à melhor economia que alguma vez vimos", disse Trump. "Estávamos prontos para começar a pagar a dívida", defendeu, quando confrontado com o aumento significativo do défice durante a sua administração. 

Pelo seu lado, Joe Biden argumentou que herdou 9% de inflação e que a economia durante Trump destruiu mais empregos que os que criou. 

"Ele é o único que pensa que esta era a melhor economia do mundo", disse Biden. "Ele premiou os ricos", continuou, frisando que Trump levou à "maior dívida nacional de qualquer presidente" e que se os milionários pagassem uma taxa de impostos justa seria possível financiar todo o tipo de programas sociais, incluindo subsídios para creches. 

Trump disse que, se for eleito em novembro, vai impor tarifas de 10% a todos os bens importados e permitir responder aos países que têm estado a "ludibriar" os EUA, nomeando especificamente a China. 

Também contrariou Biden dizendo que ele não herdou nenhuma inflação. 

Biden acusa Trump de querer assinar proibição nacional do aborto

O presidente norte-americano Joe Biden acusou o seu rival Donald Trump de querer assinar uma proibição nacional do aborto, durante o primeiro debate das presidenciais entre os dois candidatos, em Atlanta, Geórgia. 

"O que é que ele vai fazer se a ala MAGA ["Make America Great Again", afecta a Trump] controlar o Congresso e aprovar uma proibição federal?", questionou Joe Biden. "Ele vai assinar essa lei [a proibir o aborto]. Eu vou vetar, ele vai assinar". 

O direito federal ao aborto foi revogado em junho de 2022 quando a super maioria conservadora do Supremo Tribunal, com três juízes nomeados por Donald Trump, anulou a decisão de 1973 conhecida como Roe v. Wade. 

"Foi a lei durante 51 anos", apontou Joe Biden, num dos segmentos em que o presidente apareceu mais animado depois de um início anémico. "Eu apoio Roe v. Wade", afirmou, considerando "ridícula" a ideia de que os fundadores dos EUA queriam que fossem os políticos a tomar decisões de natureza médica.

Do outro lado, Donald Trump congratulou-se por ter sido responsável pela revogação de Roe v. Wade e disse que a situação atual é a mais apropriada, em que os vários estados decidem o que fazer em relação ao aborto. 

Trump acusou os democratas de serem radicais e quererem poder abortar após o nascimento da criança, algo que Biden refutou. 

"Acredito em exceções para incesto, violação e perigo de vida para a mãe", disse Donald Trump. O candidato republicano também disse concordar com a recente decisão do Supremo Tribunal de continuar a permitir a utilização de pílulas abortivas. 

Biden recusou a ideia de que devem ser os estados a tomarem estas decisões e  disse que seria a mesma coisa que devolver a decisão sobre o respeito dos direitos civis aos estados. 

Os rivais também discordaram sobre a posição dos especialistas constitucionais quanto ao aborto: Trump disse que todos queriam a anulação de Roe v. Wade, Biden disse que a vasta maioria concordava com a constitucionalidade da lei. 

Desde que o direito federal ao aborto foi revogado, 14 estados proibiram o procedimento sem exceções e 7 restringiram fortemente o seu acesso. 

De acordo com os dados de 2024 do Pew Research Center, 63% dos eleitores norte-americanos dizem que o aborto deve ser legal em todos ou quase todos os casos, enquanto 36% consideram que deve ser ilegal em todos ou quase todos os casos.

Trump recusa culpa pelo ataque ao Capitólio e Biden chama-o de “choramingas”

Donald Trump recusou ter tido culpa pelo ataque ao Capitólio a 6 de janeiro de 2021 e Joe Biden chamou-o de "choramingas", apontando que o ex-presidente quer perdoar os assaltantes que foram condenados em tribunal.

O antigo presidente norte-americano não se comprometeu a aceitar os resultados das próximas eleições, tal como aconteceu após as eleições de 2020, referindo que o fará apenas se forem “justas, legais e boas”. Sobre o assalto ao Capitólio que se seguiu à sua rejeição há 4 anos, atribuiu responsabilidades à ex-líder democrata da Câmara de Representantes.

“A Nancy Pelosi disse à sua filha que ela foi a responsável [pelo assalto ao Capitólio]. Eu ofereci 10 mil elementos da Guarda Nacional e ela rejeitou por escrito”, afirmou Donald Trump, referindo-se à então líder democrata da Câmara dos Representantes.

“Eu conseguia ver o que estava a acontecer e disse que era muita gente. E ofereci a Guarda Nacional e ela admite que rejeitou. Ela disse que assumiu responsabilidade total pelo 6 de janeiro”, argumentou o ex-presidente.

Joe Biden refutou a descrição do assalto ao Capitólio e acusou Trump de ter encorajado os seus apoiantes a atacarem o Congresso.

“Imploraram-lhe que fizesse alguma coisa, o seu vice-presidente e colegas do Congresso, e em vez disso falou de grandes patriotas da América”, disse Biden. “Agora diz que quer perdoar as sentenças dos que foram condenados”, apontou.

Trump assumiu que sim porque considerou que os processos “destruíram a vida” de pessoas inocentes.

“Agora ele diz que se perder outra vez, como choramingas que é, vai haver um banho de sangue”, afirmou Joe Biden.

Trump, por sua vez, acusou a comissão bipartidária de investigação do assalto de ter destruído documentos e informação porque, segundo ele, descobriram que o ex-presidente tinha razão. “Eles deviam ir para a prisão”, afirmou.

Biden aproveitou a deixa para lançar uma farpa relativa à condenação criminal de Trump: “A única pessoa que é um criminoso condenado aqui é o homem para quem eu estou a olhar”, disse. “O que ele está a dizer não é verdade. Ele não fez nada para acabar com o que estava a acontecer no Capitólio”.

O democrata também se mostrou indignado com a ideia de que os assaltantes que “mataram pessoas, partiram janelas, ocuparam escritórios e derrubaram estátuas” sejam apelidados de patriotas.

Trump contra-atacou dizendo que o filho do presidente, Hunter Biden, também foi condenado em tribunal. “E ele [Joe Biden] pode ser um criminoso condenado assim que sair da Casa Branca, com base nas coisas horríveis que fez”, sugeriu Trump.

“Este homem é um criminoso. Eu não fiz nada de errado”, defendeu o republicano.

Um dos momentos mais tensos do debate aconteceu depois de Trump ter atacado Hunter Biden, condenado por mentir no processo de aquisição de uma arma de fogo.

“Os crimes de que você ainda é acusado, e pense em todas as coimas civis que tem”, apontou Biden. “Quantos milhares de milhões de dólares deve em coimas civis por molestar uma mulher em público, por fazer uma série de coisas, por ter sexo com uma estrela pornográfica enquanto a sua mulher estava grávida?”, questionou o democrata. “Você tem a moral de um gato vadio”.

Trump recusou ter tido relações sexuais com uma atriz porno, facto dado como provado no julgamento recentemente concluído em Nova Iorque, que terminou com a sua condenação por esquemas para esconder o caso antes das eleições de 2020.

O atual presidente e o seu antecessor não se falavam desde o último debate, realizado semanas antes da eleição presidencial de 2020.

Trump não compareceu à tomada de posse de Biden após liderar um esforço sem precedentes e mal-sucedido para reverter a sua derrota eleitoral, que culminou na insurreição do Capitólio em 06 de janeiro de 2021 pelos apoiantes do republicano.

Este primeiro debate presidencial de 2024 teve a duração de 90 minutos, com dois intervalos comerciais, e decorreu num estúdio do canal CNN em Atlanta, estado da Geórgia, com a moderação dos jornalistas Jake Tapper e Dana Bash.

O debate, que colocou frente-a-frente Biden e Trump pela primeira vez em quatro anos, aconteceu num momento em que as sondagens mostram uma disputa acirrada entre os dois candidatos e quando faltam menos de cinco meses para as eleições presidenciais.

Para evitar a repetição das cenas caóticas registadas em debates anteriores, foram ditadas regras incomuns, como um debate sem público, o silenciamento dos microfones quando o candidato rival estiver a falar ou a proibição dos candidatos trocarem ideias com a sua equipa durante os intervalos ou de levarem notas escritas para o palco.

Biden e Trump deverão voltar a enfrentar-se em 10 de setembro, num segundo debate organizado pela rede ABC News.