Saúde
06 janeiro 2024 às 09h09
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Nos últimos sete dias, houve mais 775 mortes do que as esperadas.Tendência é para aumentar

Especialistas indicam quatro causas: quase mais 900 mil pessoas sem vacinação, acima dos 65 anos, menos imunidade natural, maior envelhecimento da população e, por último, mas não menos importante, a saturação dos serviços e menos cuidados de saúde. DGS e INSA dizem que impacto da gripe vai continuar a aumentar.

Nos últimos sete dias, foram registadas mais 775 mortes do que o antecipado. Um número que está “muito acima do esperado”, revela o site oficial do Ministério da Saúde para a vigilância da mortalidade (evm.min-saude.pt). Só ontem, até às 19.00 horas tinham sido registados 351 óbitos de todas as causas, sendo que 53 tinham ocorrido na faixa abaixo dos 70 anos. O último relatório do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), divulgado na quinta-feira à noite, também o confirma.

“A mortalidade por todas as causas está com valores acima do esperado desde a semana 51/2023 e nos grupos etários a partir dos 45 anos”. A Direção-Geral da Saúde, num comunicado enviado ontem ao início da noite, assume também que, na última semana, se manteve “o aumento de consultas e episódios de urgência por infeções respiratórias agudas e síndrome gripal, sobretudo nos grupos etários mais velhos, acompanhado de internamentos” e que a proporção de casos de gripe em Unidades de Cuidados Intensivos também aumentou.

A nota refere mesmo que se “observa um excesso de mortalidade geral semanal por todas as causas elevado em Portugal, com maior expressão na população com idade superior a 65 anos”, desde a semana 51 de 2023. E explica: “Os indicadores traduzem um impacto da epidemia de gripe sazonal intensa e com tendência crescente”, sendo que “o impacto nos serviços de saúde e a mortalidade será visível até que a atividade epidémica de gripe regresse a níveis basais. O padrão epidémico da gripe retoma algumas semelhanças com o período pré-pandémico”. 

Costuma ser assim em janeiro, o cenário só foi diferente com a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2. A causa são as infeções respiratórias e anos houve, entre 2010 e 2019, em que este período foi tão mortífero, como no inverno de 2014-2015, que chegou a haver um excesso de cinco mil mortes em relação ao ano anterior.

As razões para a mortalidade excessiva nesta época do ano estão a ser estudadas pelo Instituto Superior Técnico (IST) e por um grupo de médicos.

Para já, uma das conclusões é a de que é preciso planear, prevenir e reforçar os serviços e os cuidados de saúde para se fazer frente ao pico das infeções respiratórias em janeiro e para que não haja esperas de 10 a 24 horas por parte dos doentes nos Serviços de Urgência - como tem acontecido em unidades de quase todo o país, e sobretudo nas da Região de Lisboa e Vale do Tejo - e para que os prognósticos possam ser feitos mais rapidamente e os tratamentos iniciados mais precocemente. Isto porque, uma das causas que o matemático do IST aponta para o excesso de mortalidade é, precisamente, a saturação dos serviços de saúde.

O professor, que analisou também a evolução da covid-19 e a mortalidade provocada por esta, afirmou ao DN considerar que  existem quatro fatores que podem estar na origem do excesso de mortes em Portugal. A saber: menos vacinação, menos imunidade natural, maior envelhecimento da população e mais serviços saturados - consequentemente, menos cuidados de saúde.

Henrique Oliveira começa por explicar que, este ano, e de acordo com os dados oficiais , a taxa de cobertura vacinal acima dos 65 anos é da ordem dos 62%, quando deveria ser de 75%. Ou seja, “há cerca de menos 900 mil pessoas vacinadas contra a gripe do que deveria haver. Por outro lado, tivemos três anos de covid-19 e menos gripe, logo há menos imunidade natural contra este vírus. Associado a isto há o envelhecimento natural da população, mais pessoas vulneráveis, bem como mais saturação nos serviços de saúde e menos cuidados”.

"A diminuição da capacidade de resposta do SNS tem impacto assistencial"


Para o analista de dados, este último fator não deve ter, nesta altura, o mesmo impacto que os outros três, mas tem de ser considerado e estudado para se prevenir o excesso de mortes por falta dos cuidados necessários.

Quem está no terreno, como o pneumologista Filipe Froes, diz ser “evidente que a diminuição da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde tem impacto assistencial e se pode traduzir num aumento da mortalidade”. O diretor dos Cuidados Intensivos do Hospital Pulido Valente admite que o excesso de mortes nesta época não é de estranhar, porque “o que estamos a viver, mais uma vez, é a gripe de sempre e a falta de planeamento e de preparação dos serviços de sempre”.


Por isso, não são de estranhar também as longas horas de espera por parte dos doentes em vários Serviços de Urgência do país, mas sobretudo na Grande de Lisboa, região onde o tempo médio de espera chegou a mais de 24 horas nalgumas unidades e agora atingem 10 e 12 horas - e isto numa altura em que já há mais médicos a assegurar as escalas, uma vez que todos voltaram, no início do ano, a ter 150 horas extras para cumprir.

Mas  Filipe Froes alerta para um facto: “A quantidade não significa ter qualidade na capacidade de resposta. O que se passa é que vivemos uma época em que no SNS só se trabalha na reserva, e isto significa que não temos capacidade de aumentar a resposta perante o acréscimo das necessidades. Vou dar um exemplo: se partir uma perna até posso ser visto por dez médicos, mas se nenhum for ortopedista não me vale de nada”.

E  reforça: “É claro que se pode atribuir o excesso de mortalidade à saturação dos serviços. É evidente que quem não está vacinado corre mais riscos de desenvolver doença grave, mas se houver maior demora na assistência a um doente sabemos que isso terá as suas repercussões”. Aliás, “há dados publicados que demonstram que o atraso na avaliação e no início da terapêutica adequada para o doente tem repercussão prognóstica. Quem for observado com mais atraso terá um prognóstico mais agravado.”


O pneumologista defende que “a próxima época de atividade gripal, final de 2024 e início de 2025, deveria começar a ser preparado assim que esta acabe, o que significa que se deve avaliar o que coreu bem e o que correu mal, avaliar o que deve ser e pode ser melhorado para se tomarem as medidas necessárias e minimizar o impacto na mortalidade”. 

Por exemplo, “comprar vacinas mais cedo, aumentar o lote de vacinas disponíveis, avaliar o que correu mal na campanha de vacinação para as pessoas terem diminuído a taxa de cobertura nacional. Temos de aprender com o que correu mal.”


O relatório do INSA revela que , na época 2023/2024, com início na semana 40 de 2023, os laboratórios da Rede Sentinela notificaram 31 420 casos de infeção respiratória e foram identificados 3672 casos de gripe. Na semana 51/2023, foram identificados 910 casos positivos para o vírus da gripe, dos quais 837 do tipo A e 5 do tipo B. Desde a semana 40/2023, foram detetados 85 casos de coinfeção pelo vírus da gripe e SARS-CoV-2.