Descontraído, comunicativo e até com umas tiradas de humor, o almirante Gouveia e Melo escolheu o tema da liderança para falar a uma plateia de auditores de Defesa Nacional, militares e deputados, convidados de um jantar-palestra realizado no Clube Militar Naval, em Lisboa, na última quinta-feira.
“Um chefe militar tem de ter coragem. Ser honesto com o poder político e, quando necessário, vir a público dar a cara. É isso que faço. Se calhar, os chefes militares eram mais do tipo Português Suave, mas eu sou de um género nada suave”, assumiu o almirante Gouveia e Melo no final da sua intervenção para a Associação de Auditores dos Cursos de Defesa Nacional (AACDN).
Tinha acabado de recordar - e lamentar - o facto de a Defesa ter estado praticamente fora dos debates da campanha para as Eleições Europeias, apesar da guerra na Europa com impacto em todos países, incluindo Portugal, e assinalou o facto de ter vindo a público, primeiro através de um artigo de opinião publicado no Expresso, depois na entrevista DN-TSF, a chamada de atenção para a necessidade de investir nas Forças Armadas e preparar os jovens.
Vestido à civil o Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA) aproveitou a oportunidade para partilhar das dificuldades no recrutamento para a Marinha - que se estende a outros ramos - lamentando também a perda de quadros altamente qualificados a meio da carreira militar, porque a perspetiva de uma reforma de valor reduzido “não é atrativa”. “Se nos postos mais baixos ganham 50% do que ganham as polícias, vão preferir as polícias”, assinalou.
A task force da vacinação e a sua estratégia como coordenador, era o foco da sua intervenção, em que frisou que a coragem, ter valores, assumir a responsabilidade e honestidade são algumas das qualidades que, no seu entender, devem fazer parte de um líder.
Sublinhou, no entanto, que “há diferentes processos de liderança, que se adaptam a diversas situações. Há líderes que podem ter sucesso numa situação e não ter noutra”, salientou.
Confessou não ter dormido “toda a noite” quando foi convidado para liderar o processo de vacinação. “Não sei se se lembram, mas havia cerca de 40% das pessoas que não acreditavam nas vacinas. Era preciso mudar essa visão”, recordou.
Um dos motivos por que passou a andar sempre de camuflado, apesar da justificação oficial de ser “a farda partilhada pelos três ramos” que integravam a task force, foi também, para evidenciar que estavam em “guerra” contra um vírus. “As pessoas tinham de escolher um lado. Quem estava contra tinha de se vacinar”, disse.
Recordou com emoção todo o trabalho da sua equipa, a forma como todos se empenharam e assumiram as suas responsabilidades. Porém, sublinhou que “é sempre o líder a assumir a responsabilidade maior. Poder e responsabilidade têm de estar sempre juntos”.
Questionado por uma das participantes sobre se a liderança, no final, era sempre solitária, ou se era mais trabalho de equipa, Gouveia e Melo respondeu: “Um pouco das duas coisas. O processo de decisão pode ser em equipa, mas, por vezes, quando é preciso ir contra interesses instalados, tem de ser assumida pelo líder.”
A task force, recorde-se, teve como missão a coordenação e articulação dos diversos departamentos governamentais envolvidos na elaboração e execução do planeamento estratégico do processo de vacinação, nas suas vertentes logística, executiva e de comunicação.
“Desde início, disse que queria a responsabilização dos atores. Cada um tem de se sentir envolvido, tem de perceber que conta para o todo, para o bem e para o mal. Um ator responsabilizado é muito mais ativo. Esta é a chave mais importante”, assinalou na altura em declarações ao DN.
Num artigo publicado neste jornal, alguns dos mais importantes especialistas em liderança elogiaram as opções do almirante. Miguel Pina e Cunha, diretor do Centro de Conheci- mento Leadership for Impact, da School of Bussiness and Economics (SBE) da Universidade Nova, valorizou as “respostas assertivas e tecnicamente fundamentadas”.
O seu colega Pedro Neves, doutorado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISCTE, considerou “este processo de liderança muito interessante” de acompanhar, destacando um elemento que caracterizava Gouveia e Melo: a “genuinidade”, como uma abordagem que transmitiu “calma, confiança no trabalho da sua equipa”.
Nadim Habib, mestre em Economia pela London School of Economics, consultor internacional nas áreas de Estratégia, Inovação e Criatividade, destacou a “visão estratégica clara” e “uma enorme disciplina à volta da estratégia: toda a gente percebeu que era para levar a sério, ao contrário do que acontece algumas vezes em que há certa tendência em ir fazendo como der mais jeito”.
Partilharam a mesa com o CEMA, neste jantar com lotação esgotada, o presidente e a vice-presidente da AACDN, Miguel Guimarães (deputado do PSD e ex-bastonário da Ordem dos Médicos) e Maria de Belém Roseira (antiga ministra da Saúde); Liliana Reis, deputada do PSD e vice-presidente da Comissão de Defesa Nacional; o diretor do Gabinete Nacional de Segurança e Autoridade Nacional de Segurança, contra-almirante Gameiro Marques; o ex-CEMGFA e presidente da EuroDefense, general Valença Pinto; ex-CEMA, almirante Macieira Fragoso.