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Política
30 outubro 2024 às 23h01
Leitura: 12 min

OE2025. Chega e IL forçam Governo a chumbar promessas eleitorais

Montenegro confia que propostas da Oposição não consumam margem orçamental. Chega e IL obrigam AD a votar contra as suas promessas eleitorais. Governo concluiu negociações com Açores e Madeira, travando ameaças de voto contra. Socialistas madeirenses e açorianos decidem hoje sentido de voto contra “agachados” do PSD.

A linha vermelha está delineada. Ir além da “proposta” apresentada ao PS, e que o Governo “reflete” no Orçamento do Estado, é o “limite do razoável”. O aviso de que “seja na generalidade, seja na especialidade” ultrapassar essa linha “seja no tocante à margem orçamental, seja na direção política governativa, descaracterizaria o Orçamento e constituiria uma ofensa à vontade política expressa pelos portugueses nas últimas eleições” foi verbalizado por Luís Montenegro sem que tenha tinha concretizada qualquer consequência - somente uma profissão de fé: “Acredito na palavra do PS”.

O “limite do esforço” e a confiança “na palavra dada ao país pelo PS” são para o primeiro-ministro a certeza de que Pedro Nuno Santos não vai “desvirtuar a essência do OE” com propostas.

A “ofensa à vontade do povo” que Luís Montenegro diz tentar evitar que venha do PS, por ter conseguido, acredita, “um equilíbrio [no OE2025] que não privilegia interesses partidários ou pessoais, mas que salvaguarda o interesse nacional e a vida das pessoas”, virá, e já foi anunciado, do Chega e da IL que vão confrontar Montenegro, no debate na especialidade, com as promessas eleitorais da AD.

Objetivo? Obrigar PSD e CDS a votarem contra o que diziam ser essencial e prometeram, em campanha eleitoral, e que consta do programa do Governo.

Ventura já anunciou, por exemplo, que vai propor a “alteração da medida do IRC para a redução gradual que estava prevista inicialmente pelo Governo da AD (de 21% para 19% em 2025, 17% em 2026 e 15% em 2027) e a “alteração da medida do IRS Jovem para o formato previsto inicialmente pelo Governo”.

Rui Rocha, por seu lado, já garantiu que a IL vai levar a votos, entre outras medidas, a proposta para que “os suplementos prescritos para a gravidez - designadamente o ácido fólico e o iodeto de potássio - passem a ser comparticipados em 90%, que se reduza o IVA para a taxa mínima [de 6%] na alimentação para bebés” e propor a descida do IVA para 6% na “construção nova ou em imóveis destinados a habitação permanente” - tal como Luís Montenegro e Nuno Melo asseguraram no programa de Governo.

“Não se consegue construir tudo em poucos meses. Mas consegue-se fazer muitas coisas que não foram feitas em anos, e os resultados já começam a aparecer (…) O Governo teve a humildade de ceder para proteger as pessoas, instituições e empresas (…) agora cabe agora ao Parlamento mostrar também que acredita em Portugal e nos portugueses”, apelou o primeiro-ministro.

O “Orçamento da AD”, que Montenegro, diz ser “diferente de qualquer outro e de qualquer outro partido”, é para Pedro Nuno Santos um documento sem reformas e as que existem “são na sua generalidade as reformas estruturais que já estavam previstas pelo governo do PS”.

Pressionado pelos governos da Madeira e Açores - os deputados eleitos pelas regiões autónomas ameaçavam votar contra o OE - Montenegro concluiu esta quarta-feira o acordo que travou essa intenção.

Foi já decidido uma transferência extraordinária de verbas para as duas regiões (38 milhões para Madeira) e a revisão rápida da Lei das Finanças Regionais que vai aumentar as transferências do Orçamento do Estado.
No caso na Madeira, ficou ainda acordado, por exemplo, a “prorrogação da Zona Franca por mais dois anos” e a “assunção por parte do governo da dívida dos impostos cobrados e nunca entregues” no valor de quase 16 milhões.

Para Paulo Cafôfo, líder do PS-Madeira, este “anunciado voto favorável dos deputados do PSD-M  (…) perante um Orçamento que penaliza a Região” significa que “nem mesmo assim, o PSD-M deixa de se agachar a Lisboa”.

Passo seguinte? Está em aberto o voto contra, , a decisão é tomada hoje,  dos deputados madeirenses e açorianos, o que significa que o Orçamento será aprovado na generalidade com os 80 votos favoráveis de PSD e CDS, 74 abstenções do PS e 76 votos contra - Chega, Il, BE, PCP, PAN e quatro deputados das regiões autónomas.

Aprovação mais curta de que há memória

Mesmo no melhor cenário para o Governo de Luís Montenegro, em que todos os deputados do PSD e do CDS votem favoravelmente a proposta de Orçamento do Estado para 2025, a aprovação na generalidade será assegurada por apenas 80 dos 230 eleitos nas últimas legislativas. E com a passagem à fase de especialidade só possível devido à abstenção do grupo parlamentar do PS.

Para encontrar situação comparável há que recuar até ao final de 1986, quando a maioria dos deputados que hoje participarão no debate e na votação ainda não tinham entrado para a escola, ou sequer nascido. O Orçamento do Estado para 1987, segundo e último do primeiro Governo de Cavaco Silva, contou apenas com os votos favoráveis do PSD e do CDS - que não estava coligado com o seu antigo parceiro da Aliança Democrática original -, cabendo ao recém-criado Partido Renovador Democrático (PRD) garantir a viabilização, com a abstenção dos seus 45 deputados.

A vitória do PSD nas legislativas de 1985, após Cavaco Silva ser eleito líder e pôr fim ao Bloco Central em que os sociais-democratas eram parceiros de governação do PS de Mário Soares - que vencera sem maioria absoluta as eleições anteriores, realizadas em 1983, assinando o tratado de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (atual União Europeia) -, levou a que o ministro das Finanças de Sá Carneiro tomasse posse como primeiro-ministro de um executivo minoritário. No hemiciclo, que tinha 250 deputados, havia 88 do PSD,  57 do PS, 45 do PRD, 38 da Aliança Povo Unido e 22 do CDS.    

Tanto o Orçamento do Estado para 1986 como o seguinte tiveram apenas votos favoráveis do PSD e do CDS, cujos 110 deputados eram 44% do total, ainda assim mais do que os 34,78% que os dois partidos têm agora na Assembleia da República. O primeiro documento elaborado pelo ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, teve a abstenção do PS e do PRD, enquanto no segundo só se abstiveram os renovadores. E o partido fundado por apoiantes de Ramalho Eanes decidiria pouco depois apresentar a moção de censura que fez cair o Executivo do PSD. E abriu caminho às duas maiorias absolutas consecutivas com que Cavaco Silva governou Portugal até 1995.

Entre os deputados responsáveis pela aprovação orçamental mais “curta” até à que irá ocorrer hoje estiveram os sociais-democratas António Capucho, Carlos Coelho, José Cesário e Miguel Relvas, bem como o centrista Nogueira de Brito. E, entre os que votaram contra, os socialistas Ferro Rodrigues e Jaime Gama, e o comunista Carlos Carvalhas.

Pontos quentes na especialidade

Descida do IRC

O Chega assume que irá propor que a taxa de IRC desça dois pontos percentuais, para 19%, tal como estava previsto no Programa de Governo da AD. Visto que tanto PS e Chega estão contra a descida para 20%, um dos pilares deste Orçamento está em risco.

Aumento das pensões

Se o PS insistir no aumento extraordinário de 1,25% para as pensões que não ultrapassem três indexantes de apoio social, equivalente a 1565 euros, como pretendia Pedro Nuno Santos, o Chega admite que lhe “será muito difícil não viabilizar” tal proposta.

Pacote de habitação

Uma dotação orçamental anual, de 500 milhões de euros, que sirva para investimento público na construção e reabilitação de casas para a classe média, e em particular para jovens, foi uma prioridade do PS ao negociar com o Governo. Poderá voltar na fase de especialidade.

Suplemento de risco

A equiparação do suplemento de missão existente na Polícia Judiciária para as outras forças de segurança tem sido uma das principais bandeiras do Chega. E continuará a sê-lo na fase de especialidade, mesmo que não se afigure fácil encontrar apoios para aprovar essa alteração.

Incentivos à natalidade

A Iniciativa Liberal vai defender propostas, preconizadas pela Aliança Democrática durante a campanha eleitoral, destinadas a incentivar a natalidade: taxa reduzida de 6% no IVA da alimentação para bebés e comparticipação de suplementos para grávidas.

IVA da construção

Entre as diversas propostas “recuperadas” ao Programa de Governo da AD, com que a oposição parlamentar de direita tentará embaraçar PSD e CDS está a redução do IVA na construção para 6%. A Iniciativa Liberal assume que levará esse tema para a especialidade.

Salário mínimo

O PCP vai defender uma subida imediata do salário mínimo nacional para mil euros, muito acima dos 870 euros brutos previstos pelo Governo para o próximo ano. Olhando para a evolução constante da proposta do Orçamento do Estado, só em 2028 se atingirá 1020 euros.

Dedicação exclusiva

Avançar para um regime de dedicação exclusiva destinado a reter médicos e enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde, sempre “de carácter opcional”, é uma das propostas do Livre. E também consta entre as contrapropostas que o PS apresentou ao Governo. 

Herança social

Proposta emblemática do Livre, envolve o acesso a uma quantia quando jovens nascidos em Portugal atingem a maioridade, podendo ser usada na compra de casa própria, propinas ou criação de empresas. Deverá ser financiada com a taxação de grandes fortunas e heranças.

Proteção animal

O PAN vai levar à especialidade a consagração de verbas para políticas de bem-estar animal, incluindo apoios a associações zoófilas, municípios e famílias carenciadas. Em igual sentido, será defendida a aplicação de IVA de 6% às rações e serviços médico-veterinários.