Críticas
18 março 2024 às 22h58
Leitura: 7 min

Imigrantes protestam na AIMA por atraso na renovação e emissão de documentos

Depois do envio de emails, chamadas telefónicas sem sucesso e de ação semelhante em Portimão, trabalhadores de várias cidades do país vieram até Lisboa na esperança de obter respostas na sede do órgão responsável.

"Oi, meu nome é Faraz e vivo em Lisboa, Portugal, há 4 anos. Sou um bom cidadão, trabalho duro e sou contribuinte regular. Não ter antecedentes criminais”. Assim começa um dos vários de emails que Faraz Mujahid enviou à Agência para as Migrações, Integração e Asilo (AIMA), na tentativa de saber quando o seu título de residência renovado chegará. Já passaram três meses e o condutor de camiões perdeu diversas oportunidades de emprego por não ter o documento válido.

O paquistanês foi um dos cerca de 50 imigrantes que estiveram na sede da AIMA em Lisboa nesta segunda-feira, vindos de cidades como Porto, Odemira, Braga, Torres Vedras e Setúbal, em busca das respostas que não conseguiram por email e telefonemas. “A AIMA manda-nos ir ao Instituto dos Registos e Notariado (IRN), que nos manda falar com a AIMA. Ninguém resolve, ficamos perdidos”, relata ao DN em português, idioma que, diz, se esforça diariamente para aprender e aperfeiçoar. 

Além de não conseguir arranjar emprego, apesar da qualificação profissional necessária para a função, a falta do documento também impede o imigrante de visitar a família em caso de alguma emergência. “Tudo isso me deixa com menos paz e muito stress na minha cabeça”, explica.

Ao mostrar à reportagem do DN, no ecrã do telemóvel, um dos emails que enviou, outros imigrantes fazem o mesmo. As mensagens são semelhantes, algumas em português, outras em inglês: reafirmam que estão a contribuir, que não possuem antecedentes criminais, que são prejudicados pela falta do documento e que não sabem quem mais procurar. “Me ajude” e “Help me, please” constam em todas as comunicações. Na maior parte das vezes, não recebem respostas. Quando recebem, é para irem ao IRN, quando o IRN diz para ir à AIMA e vice-versa.

“Não sabemos quem são os responsáveis, estamos desamparados”, diz o jovem argelino Amin Aissou, que veio com visto de trabalhador altamente qualificado para trabalhar na área de Tecnologia da Informação (TI). Os trâmites legais para levantar a Autorização de Residência (AR) foram iniciados em agosto do ano passado. Até agora, nada. Amin arrisca perder o emprego que arranjou nuuma multinacional e afirma que não sabe quem mais procurar.

Um casamento em risco e uma despedida por fazer

Garandeep Singh, funcionário da construção civil, também está preocupado, pois precisa de viajar para o seu próprio casamento na Índia. “Não tenho o que dizer à família e à minha noiva, eles não entendem que não posso viajar sem o documento. Não sei como resolver”, explica, em português. Singh mora em Portugal há seis anos e está à espera do título desde dezembro.

Nitish Kumar, também da Índia, precisa do documento para manter-se no emprego com contrato que possui, numa rede de hotéis na capital. O imigrante e a esposa, pais de um bebé prestes a fazer um ano, esperam desde agosto de 2023 a primeira AR. Desde então, além da incerteza com o emprego, a companheira não compareceu ao velório do pai, que faleceu, por não ter o documento. “Eu e minha família adoramos viver aqui, trabalhamos, contribuímos, damos o nosso melhor, mas eles não se importam connosco”, desabafa o trabalhador.

A mesma reclamação e solidariedade vem com sotaque brasileiro. Há cinco anos, o carioca Hermes Santos, de 70 anos, escolheu Portugal para viver a reforma com a família. A renovação do documento ocorreu em novembro e, até agora, o cartão, o seu terceiro desde que cá chegou, ainda não está pronto. “Estou em incumprimento com a lei, mas não por minha culpa ou vontade”, resume. 

O empresário reformado analisa que “os imigrantes estão desesperados”, em especial os prejudicados com emprego e família. Hermes estava numa longa fila desde as primeiras horas da manhã na sede da AIMA em busca de informações sobre o documento, quando conheceu os imigrantes que vieram a Lisboa protestar.

Esperar e esperar

Uma funcionária da AIMA conversou com os imigrantes e, cinco deles, foram representar o grupo. Uma equipa tirou fotocópias dos comprovativos de renovação ou aprovação dos títulos e foi-lhes solicitado que saíssem da calçada em frente à Agência e para só voltarem depois das 15.00.

Ao retornarem, receberam como resposta que os documentos seriam enviados “até sexta ou na próxima semana”. Caso não cumpram a promessa, o grupo, que se organizou via redes sociais, promete protestar novamente. Uma iniciativa semelhante havia sido realizada recentemente no Algarve, pelo mesmo motivo. Foi então que surgiu a ideia de vir até Lisboa com a reivindicação. 

Em resposta ao DN, a AIMA afirmou que está a analisar a situação de “duas dezenas de utentes” que não receberam o documento, sem explicar o motivo do atraso. O mesmo órgão refere que, desde 29 de outubro de 2023, foram emitidos 80 mil títulos de residência. A respeito da falta de respostas aos cidadãos, diz que “procura responder a todos”, apesar de já terem recebido 200 mil mensagens eletrónicas. O concurso para um centro de contacto será lançado ainda neste trimestre. Já o IRN respondeu que é responsável pelo atendimento front office da renovação dos documentos, sendo o restante do procedimento de responsabilidade da AIMA.

Atualização

Em nova resposta ao DN, o Ministério da Justiça informou que "tem havido reuniões de articulação entre as entidades envolvidas nas questões relativas ao atendimento da renovação de autorizações de residência". Mais acrescenta que, entre 27 de novembro de 2023 até 13 de março, o IRN realizou 32.545 atendimentos nesta área.