Médio Oriente
13 abril 2024 às 23h12
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Israel e Irão, de aliados a arqui-inimigos

As relações históricas entre os dois países são mais complexas do que poderia parecer à primeira vista. Nas últimas décadas está a ser travada uma confrontação nas sombras, por via indireta, ou de forma não assumida.

Os judeus têm uma dívida de gratidão para com os persas. Conta a Bíblia que o fundador do império persa, Ciro, o grande, libertou os judeus do cativeiro na Babilónia e permitiu o seu regresso a Jerusalém. Um salto no tempo de 2500 anos até 1947, ano em que as Nações Unidas votaram o plano de partilha da Palestina. Este resultou da deliberação do Comité Especial para a Palestina, formado por 11 países, Irão incluído. Os representantes iranianos votaram vencidos, ao lado de indianos e jugoslavos, pela recomendação de um sistema federal com um estado árabe e outro judeu e a capital em Jerusalém. Ou seja, de início o Irão mostrou-se contra a solução preconizada, a da criação de dois estados. Também esteve do lado dos países árabes, mas sem qualquer envolvimento, na guerra de 1948, na qual Israel derrotaria cinco países.

O xá Mohammad Reza Pahlavi, apesar de ver Israel como um aliado natural, teve de acomodar a oposição religiosa contra a criação do Estado, liderada pelo aiatola Kashani. Enquanto os clérigos iranianos há muito que denunciavam os planos expansionistas do movimento sionista, os árabes consideravam o reconhecimento de Israel como uma aceitação internacional da Nakba, ou catástrofe, isto é, a expropriação e a deslocação à força de mais de 700 mil palestinianos. Daí que o Irão tenha votado contra a admissão de Israel na ONU, em 1949. Mas a visita do xá aos EUA, nesse mesmo ano, abriu as portas ao reconhecimento, no ano seguinte, de Israel, embora com a subtileza de ter sido tácito: a embaixada em Israel era chamada de segunda embaixada na Suíça.

Visto como uma traição quer no mundo árabe, quer pela oposição, o reconhecimento de Israel sofreu ainda um breve retrocesso, entre 1951 e 1953. Nesse período, Mohammad Mosaddeq chefiou o governo e ordenou o encerramento do consulado em Jerusalém, alegando dificuldades financeiras, mas não revogou o reconhecimento de facto. O golpe de Estado de 1953, patrocinado pelos Estados Unidos e Reino Unido, viria a abrir caminho para o período de relações mais intensas.

A coberto de uma empresa comercial israelo-iraniana, o diplomata Zvi Duriel estabeleceu-se em Teerão, enquanto o Irão trocava produtos agrícolas e petróleo por bens industriais e assistência militar. No que respeita aos hidrocarbonetos, o Irão foi o principal fornecedor dos israelitas durante duas décadas, furando o boicote dos países árabes. A assistência militar e de segurança desenvolveu-se ao ponto de os serviços secretos partilharem informações e ambos os estados participaram num programa de desenvolvimento de armas, que foi mantido em segredo.

No exílio, o aiatola Khomeini, há muito que via em Israel um “inimigo do islão e dos muçulmanos”. Quando, em 1979, chegou triunfante a Teerão como líder da revolução islâmica que depôs o xá, o clérigo cedeu a embaixada israelita à Organização de Libertação da Palestina e criou um novo feriado, o dia de Quds (Jerusalém em árabe).

Nas duas décadas seguintes, as sementes do ódio foram germinando, apesar da cooperação durante a guerra Irão-Iraque, no início dos anos 80. Então, Telavive terá vendido armamento no valor de meio milhão de dólares e há relatos de que Israel comprou petróleo a preço de amigo. A estratégia israelita era a de enfraquecer o Iraque de Saddam Hussein, que era visto como a maior ameaça. E se num primeiro momento os EUA apoiaram o Iraque, Telavive terá convencido Washington na necessidade de apoiar Teerão para o regime teocrático não se virar para a União Soviética (o famoso escândalo Irão-contras).

À retórica anti-israelita (o “pequeno Satã”) e pró-palestiniana o Irão foi construindo uma rede de forças paramilitares, a mais importante dos quais no Líbano, o Hezbollah. As ligações entre Teerão e o grupo islamista, ambos xiitas, não é segredo, tendo sido expandidas para a Síria, Além disso, patrocina milícias no Iraque, no Bahrein, e os rebeldes houthis no Iémen. Em 1993, depois da primeira revolta palestiniana (Intifada), o Irão e o Hezbollah treinaram combatentes do Hamas, cujas técnicas foram replicadas na segunda Intifada, no início da década de 2000.

A organização xiita libanesa foi responsável por um ataque a tropas israelitas que levou à invasão do sul do Líbano, em 2006, seis anos depois de as forças israelitas terem acabado com a ocupação do território.

Enquanto foi financiando e treinando “grupos de resistência”, Teerão foi advogando que o objetivo não é a destruição do Estado judaico pela via militar, mas a “derrota da ideologia sionista e a dissolução de Israel através de um referendo popular". A retórica iraniana, agravada com a presidência de Ahmadinejad e o seu negacionismo do Holocausto, num mundo pós 11 de Setembro, ganhou novo peso quando foram reveladas, em 2002, atividades nucleares até então secretas, o que levantou suspeitas de que o Irão estava a tentar fabricar uma bomba nuclear.

Entrou-se numa nova e perigosa fase de hostilidade, com a execução de uma série de ataques a cientistas nucleares iranianos na década de 2010, enquanto, em paralelo, Israel conseguiu sabotar as centrifugadoras de uma das centrais de enriquecimento de urânio. Em resposta, o Irão atacou várias embaixadas israelitas no estrangeiro com carros armadilhados. O acordo nuclear celebrado em 2015 entre o Irão e vários países (controlo do programa nuclear iraniano em troca do levantamento de sanções) ficou sem efeito quando os EUA de Donald Trump se retiraram do mesmo, abrindo caminho para o enriquecimento de urânio sem restrições e para mais um capítulo de ataques direcionados a cientistas iranianos.

cesar.avo@dn.pt