Negacionismo do aquecimento global; revogação da lei do aborto; alarmismo securitário anti imigrantes; os cidadãos a chamarem a si a segurança do território substituindo as polícias; proibição da educação cívica nas escolas.
O líder do PSD anda há semanas a falar em “recentramento” da Aliança Democrática mas a verdade é que não têm faltado intervenções de seus apoiantes - dois deles candidatos a deputados em lugar claramente elegível - em defesa de causas caras à extrema-direita.
Em relação a todas elas, Luís Montenegro foi obrigado a intervir para repor a normalidade, demarcando-se e sinalizando assim qual é a verdade oficial na coligação que lidera. De facto, nas três intervenções em causa - de Pedro Passos Coelho, Eduardo Oliveira e Sousa e Paulo Núncio -, só este última apanhou de surpresa a cúpula da Aliança Democrática.
Núncio - dirigente do CDS-PP, nº 4 na lista da coligação em Lisboa e portanto assim com eleição para o Parlamento claramente assegurada - foi a um debate promovido pela Federação pela Vida defender a luta pela realização de um novo referendo que conduza à revogação da lei do aborto.
Aborto é “assunto arrumado”
Assim que se soube, o líder do PSD pôs uma pedra no assunto: “Esse assunto é um assunto que está absolutamente arrumado. Nós não vamos ter nenhuma intervenção nesse domínio na próxima legislatura.” Para que não restassem dúvidas, insistiu: “O que os portugueses querem saber é qual é a minha [posição] e o comprometimento da AD, e esse é muito claro: nós não vamos mexer nesta legislação. É tão simples quanto isso.” E a caravana seguiu.
Com Passos Coelho ou Eduardo Oliveira e Sousa (ex-presidente da CAP e agora cabeça de lista da AD pelo círculo de Santarém) já não se pode dizer que a surpresa tenha sido grande. Falaram os dois comícios da AD, oficialmente convidados para tal.
Quanto a Passos e ao seu discurso sobre controlo de fronteiras, Montenegro conhece-lhe as ideias há anos (o ex-PM anda pelo menos desde 2016 a fazer ligações entre imigração e insegurança, de resto negada por todos os estudos). E quanto ao ex-presidente da CAP, é conhecido o conservadorismo da organização contra as teses do aquecimento global e em defesa da exploração do eucalipto. Assim, que Oliveira e Sousa tenha falado em “falsas razões de ordem climática” não surpreendeu ninguém.
“Conciliarem-se posições”
Ontem, questionado pelos jornalistas, Montenegro disse que “não há nenhuma dúvida com o comprometimento que a AD tem com o clima, com o ambiente”. Mas acrescentou: “Agora, com a mesma naturalidade com que nós defendemos a transição ambiental, a transição energética, é preciso também dizer ao país que nós não podemos pôr as coisas a desnivelarem-se só para um lado. É preciso conciliarem-se as alterações climáticas, a transição energética com a vida real do país, com a agricultura, com a exploração florestal, com a atividade turística.”
Confrontado com a soma das declarações dissonantes, procurou fazer disso uma vantagem: “Evidentemente que, sendo uma campanha de uma grande força, que congrega três partidos, cidadãos independentes, candidaturas fortes em todos os círculos eleitorais, atrai pessoas que não pensam 100% todas de forma igual.”
E até acrescentou que assim, sempre que um episódio destes ocorre, até se cria uma oportunidade para se esclarecer qual é a doutrina oficial da coligação: “Os portugueses com isso saem beneficiados, porque até podem confrontar, aqui ou ali, algumas pequenas diferenças de opinião que nós temos dentro de nós, para perceberem qual é o rumo que eu lhes tenho para dar.”
Quanto a Passos, Montenegro fez questão em Leiria de “responder”, ao dirigir uma mensagem de acolhimento a um imigrante com que se cruzou numa avenida no centro da cidade: “Precisamos de vocês aqui, e para ficar cá, está bem?”, disse-lhe o presidente do PSD. O homem respondeu “gosto de Portugal” e Montenegro insistiu: “E nós também gostamos de vocês cá e que fiquem cá, está bem? Boa sorte e contem connosco.”