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Sociedade
15 novembro 2024 às 00h09
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Lisboa. Ruído é uma “bomba-relógio” para residentes

Foi lançada esta semana uma petição pública contra o excesso de ruído na freguesia da Misericórdia, que inclui os bairros do Príncipe Real, Bairro Alto, Chiado e Rato. Comerciantes e moradores exigem soluções e mais fiscalização de um problema que consideram de saúde pública.

O agravamento de problemas de saúde dos moradores dos bairros que integram a freguesia da Misericórdia (Príncipe Real, Bairro Alto, Chiado e Rato) estão entre as maiores preocupações da Junta de Freguesia local e das associações de moradores e de comerciantes naquelas zonas, que se juntam a outros problemas que perturbam o bem-estar da população. Esta semana foi lançada uma petição pública contra o excesso de ruído na freguesia, que procura levar o tema a debate na Assembleia Municipal de Lisboa. “É apenas mais uma forma que encontrámos de pressionar a Câmara (CML) a agir”, disse ao DN Fabiana Pavel, do Movimento Morar em Lisboa, que promoveu esta quarta-feira um debate sobre o tema.

A petição, que faz o enquadramento do problema e aponta soluções, sob a forma de pedidos, à CML, contava com 112 assinaturas em menos de 24 horas depois de ter sido tornada pública (são necessárias 150 para o tema ser apresentado à Assembleia Municipal). No essencial, o documento lançado pelo Movimento Morar em Lisboa recorda que a freguesia da Misericórdia, especialmente nas zonas do Bairro Alto e São Paulo, conta com espaços de vida noturna e de um conjunto de comércio de restauração e bebidas que, nas palavras de Fabiana Pavel, acentuam o excesso de ruído pelo facto de não estarem a cumprir a legislação. “A falta de planeamento comercial tem levado a inúmeros problemas na vivência quotidiana do espaço por parte dos residentes, entre os quais o barulho, a acumulação de lixo e a insegurança crescente”, reforça.

Estes problemas, a par do aumento do turismo, da especulação imobiliária e do Alojamento Local que afastaram muitos residentes, muitos deles por despejo, já eram significativos antes da pandemia, mas, diz a presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira, “acentuaram-se desde que a vida regressou ao normal”. A responsável recorda que esta é a freguesia lisboeta que mais população perdeu entre 2011 e 2021 (de acordo com os Censos), uma percentagem que ronda os 26%, muito por força da redução da qualidade de vida e da “turistificação”. O problema, sublinha, é que, antes, “os moradores conviviam com o excesso de ruído apenas ao fim de semana, e agora é todos os dias”.

A juntar aos problemas que afetam todas as freguesias centrais (falta de higiene, insegurança, despejos, falta de habitações a preços acessíveis, falta de comércio de proximidade, utilização dos transportes públicos como diversão turística, entre outros), é o ruído que mais faz sofrer os residentes nesta freguesia. “Este é um problema de saúde pública, com um forte impacto na dimensão mental”, afirma Fabiana Pavel que, acrescenta, “o elevado número de espaços comerciais de diversão noturna, e o uso que os seus clientes fazem da via pública, têm-se tornado problemas que afetam diariamente a vida dos moradores”.

Inação da CML “não se compreende”

A petição que agora está a recolher assinaturas procura, diz Fabiana Pavel, “contribuir para o exercício da democracia participativa, fundamental para que se encontrem soluções para os problemas”. No entanto, e apesar dos esforços da Junta de Freguesia local, a inação da CML mantém-se.

Carla Madeira, que está ao leme da freguesia há 11 anos, tem chamado a atenção para estas questões que, diz, já existiam há décadas. Nos últimos anos, com o intensificar dos problemas e das queixas dos moradores, a JF Misericórdia endereçou vários ofícios ao presidente da CML, Carlos Moedas, nos quais reitera a necessidade de tomar medidas que possam devolver o bem-estar à população. “Nunca tivemos resposta”, afirma a presidente, que é presença assídua nas reuniões descentralizadas da CML, onde continua a pedir respostas. “A única resposta que me dão é a de que esta é a freguesia com mais fiscalização sobre as atividades comerciais”, aponta. No entanto, “continuamos a ver muitos comerciantes que não cumprem o regulamento municipal para o ruído, entre outros incumprimentos, e nada acontece”.

Na perspetiva da presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, este regulamento prevê sanções acessórias, como o encerramento temporário dos estabelecimentos, mas, na realidade, “continuam abertos e a prevaricar”.

O licenciamento zero, que visava simplificar a instalação de negócios em Lisboa, acaba, na opinião de Carla Madeira, por ter um efeito perverso. “Há estabelecimentos que se registam como casas de chá, mas acabam a funcionar como bares”, assegura. Estes estabelecimentos são igualmente aqueles que mantêm as portas abertas após as 23 horas (o que vai contra a regulação do ruído) e permitem o consumo de álcool nas ruas, o que exponencia o barulho. “Infelizmente”, acrescenta, “a CML não tem sido um parceiro ativo na resolução do problema, e é o parceiro mais importante para fazê-lo”.
Carla Madeira teme ainda que este caminho conduza a freguesia a reforçar-se como “destino para turismo de bebedeiras e despedidas de solteiro”, e que afaste o turismo que “realmente interessa e que deu nome à cidade”.

A petição “Contra o excesso de ruído na freguesia da Misericórdia” continuará, por agora, online e pronta a ser assinada por todos os residentes, e não residentes, que se sentirem afetados por este problema. Do lado da Junta espera-se “um pulso mais forte por parte da CML, que faça de facto com que passe a mensagem de que quem prevaricar é penalizado, e seriamente”, conclui Carla Madeira.