50 anos do 25 de Abril
25 abril 2024 às 20h39
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“Nunca vi nada assim”. Milhares encheram a Avenida para celebrar Abril

Quem tem memória de comemorações da Revolução diz que a deste ano foi “incomensuravelmente” maior. O cortejo foi tão grande que a parada de chaimites demorou quase três horas a chegar ao Rossio, e quando lá chegou ainda a Avenida estava cheia.

Maria Luísa nunca viu “uma coisa assim”. Ver a Avenida da Liberdade coberta com o manto humano que a ocupou é uma sensação que “bate muito”. “Nunca vi um desfile assim. Nunca mesmo”.

Quando o 25 de Abril aconteceu, Maria Luísa tinha 19 anos e queria ir trabalhar. Não a deixaram sair. “Morava na Pontinha”, um dos pontos mais importantes da Revolução, recorda, empunhando um cravo. “Foi um dia sem igual”, acrescenta.

Manuel de Almeida / Lusa

Aos 69 anos, esteve no desfile da Avenida pela segunda vez. Passados quase 50 anos desde a Revolução, emociona-se ao ver a multidão. Mas o estado do país merece umas palavras também, “está longe” de ser o ideal. Apesar das lacunas noutras áreas, é a Saúde que causa maior preocupação. Afinal, “quem não tem seguro de saúde ou não pode ir ao privado, patina”.

Mas há uma conquista que o 25 de Abril trouxe: “Posso ser mulher. Posso ser o que quiser. Não tenho de ficar cingida a ser uma dona de casa.”

Ao lado da filha, Maria Luísa vê o desfile que se estende por toda a Avenida da Liberdade.

As pessoas são tantas que o tradicional cortejo de viaturas militares tem, até, dificuldade em circular, apesar dos esforços da PSP em abrir caminho. Passa já das 18.00 horas quando chega ao Rossio, sob o banho de aplausos que caracterizou todo o percurso, iniciado às 15.30.

Olhando, junto a uma das esplanadas, está Maria Clara Águas. Quando o 25 de Abril aconteceu, tinha 14 anos. Mas nem por isso passou ao lado da Revolução. Vinha “de uma família muito politizada”, que tinha, de forma clandestina, “panfletos do MDP/CDE [partido de esquerda já extinto]” que escondiam “nas camisolas interiores”. “Era pequena, mas estava atenta e nunca me disseram o que se passava, com medo que dissesse”. Depois do 25 de Abril, veio “a liberdade”, a “filiação partidária” (foi militante do PCP, mas entretanto desfiliou-se) e tudo o resto.

Celeste Caeiro (ao centro, de amarelo), a popular que distribuiu cravos pelos soldados, no 25 de Abril. (EPA / António Cotrim)

Agora, 50 anos volvidos, olha para o desfile com um sorriso no rosto. “É uma demonstração de força. Os recentes acontecimentos [eleições] mostraram que não devemos tomar a democracia e os direitos como garantidos e está aqui a prova disso mesmo”, considera. Há 49 anos “nestas manifestações” nunca viu algo assim. Aponta então  o motivo para a adesão: “Acho que as pessoas estão cansadas da militância cívica. Somos um povo com um dia de consciência e nos outros está tudo bem. O 25 de Abril falhou nisso. Em educar as pessoas para a fragilidade da democracia."

Mais atrás no percurso está José António Santos, 74 anos. Na altura do 25 de Abril, trabalhava na secção de correspondentes do DN (jornal onde esteve 34 anos). Vivendo a transição democrática na primeira pessoa (e a trabalhar), compara o desfile desta quinta-feira à primeira manifestação feita do 1.º de Maio em Portugal, pouco mais de uma semana após o 25 de Abril. “Nesse dia, disse que não trabalhava. Acho que esta é comparável a essa. Nunca vi um desfile destes com tanta gente”, diz. Um amigo, ao lado, argumenta que a desta quinta-feira “é maior” do que a do 1.º de maio de 1974. “É incomensuravelmente superior”, diz.

Muitos milhares saíram à rua em Lisboa para celebrar a data. (António Cotrim / EPA)

Olhando para a deste ano, José António Santos viu “sinais muito positivos”. “Famílias, gerações diferentes, heranças, jovens. Isso é muito promissor”, diz. O cortejo, aliás, era liderado por dois grupos d’A Voz do Operário, onde crianças gritavam, entre outros, o hino “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais” enquanto tocavam tambores.

Protestos paralelos

Mas a manifestação desta quinta-feira ficou marcada ainda por um protesto que aconteceu em paralelo. Ali ao lado, junto a um dos hotéis da Avenida, algumas dezenas de guineenses envergam cartazes contra a presença do presidente Umaro Sissoco Embaló em Lisboa, para a sessão comemorativa com os PALOP.

EPA / António Cotrim

“Sissoco, rua. Assassino”, ouvia-se enquanto a polícia tenta conter os manifestantes, envergando cartazes onde se lia “Sissoco Embaló Ditador” ou “Marcelo lado a lado com um ditador - valores de Abril oprimidos na Guiné-Bissau”.

25 de abril: A Liberdade saiu à rua num País em festa

A tradicional marcha pela Avenida da Liberdade, em Lisboa, juntou milhares de pessoas, vindas de Portugal inteiro e deu o mote para o que se passou um pouco por todo o país. Os 50 anos do 25 de Abril foram celebrados desde a capital, ao Porto, passando, por exemplo, por Coimbra, Setúbal ou Grândola.

Em Grândola, a festa fez-se no jardim 1.º de Maio. (Paulo Spranger/Global Imagens)

Tal como há 50 anos, os blindados chegaram ao Quartel do Carmo, no centro de Lisboa, cheios de pessoas em cima, após completarem o trajeto que os trouxe desde o Terreiro do Paço. Já no local onde se consumou a queda do anterior regime e a vitória dos militares, o povo voltou a sair à rua, de cravos vermelhos nas mãos e ao peito.

Em Setúbal, foi feita uma homenagem a quem lutou contra o fascismo no Monumento à Resistência, que incluiu o discurso do presidente da câmara André Martins. (Paulo Spranger / Global imagens)

Em Coimbra mais de oito mil pessoas estiveram na rua participando numa manifestação popular que desfilou pelo coração da cidade, para “não deixar adormecer a democracia” e “continuar a regar a liberdade” conquistada há 50 anos. Entre os manifestantes despontava um cravo vermelho com 1,60 de altura, que Carla Dionísio construiu com papel Eva, com 50 pétalas, uma por cada um dos 50 anos que a revolução assinala.

No Porto, foi também feita uma homenagem a dirigentes antifascistas e, depois, foi feito o tradicional desfile. (André Rolo / Global Imagens)

Antes, houve o tradicional desfile militar em Belém e ainda a Sessão Solene comemorativa da data, na Assembleia da República.