Violência no Desporto
16 fevereiro 2024 às 22h45
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110 casos de racismo e xenofobia no Desporto desde 2019

Chiquinho acusou um adepto de insultos racistas num jogo da I Liga, mas não foi a única vítima nos relvados nacionais numa semana. Números enviados ao DN pela APCVD mostram que 25 adeptos ficaram proibidos de entrar em recintos por ações semelhantes. Consciencialização pode elevar denúncias e números.

Desde que foi criada, em 2019, a Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) “registou 110 situações relacionadas com racismo ou xenofobia em contexto de espetáculos desportivos, 39 das quais foram encaminhadas para o Ministério Público por existência de indícios de prática de crime e as restantes 71 deram lugar a processos de contraordenação instruídos pela APCVD”.

Segundo os dados enviados ao DN pelo organismo liderado por Rodrigo Cavaleiro, nos primeiros seis meses de atividade, a Autoridade registou 17 casos, a que se somaram mais 21 na época 2019-20. Depois a pandemia afastou os adeptos dos estádios e o número baixou... para um na época 2020-21. Os casos voltaram a subir em 2021-22 (21) e bateram recordes em 2022-23 (39). Nesta temporada já foram reportados 11 infrações desse tipo, incluindo o caso de Chiquinho, no Farense-Famalicão da 21.ª jornada da I Liga.

"A sensibilização que temos feito junto de diferentes intervenientes para que reportem todos os casos de que tenham conhecimento visa dois objetivos: chegar aos infratores, responsabilizando-os , mas, não menos importante, mapear o maior número de ocorrências possível. A denúncia de casos de racismo em espetáculos desportivos, mesmo quando não se consegue indicar o presumível autor das ofensas,  permite-nos, pelo menos, melhor conhecimento da realidade e uma noção mais aproximada do número total de casos. E verifica-se um número superior (25) de condenações efetivas , com base nas provas apuradas, o que demonstra que há consequências para estes comportamentos desviantes, o que, por sua vez, incentiva o aumento das denúncias", acredita o presidente da APCVD.

Por isso, segundo Rodrigo Cavaleiro, "será natural, no futuro, verificar-se um aumento do número de casos registados, o que não significa necessariamente um crescimento do problema, mas antes um melhor conhecimento da sua dimensão real". Isto porque, segundo o dirigente, "o aumento dos níveis de consciencialização para o problema levará cada vez mais os adeptos a não compactuar e a não ficar em silêncio perante atos de discriminação racial a que assistam nas bancadas, deixando cada vez mais isolados os autores desde tipo de expressões de ódio".

Chiquinho não foi caso único na última semana

Dos processos de contraordenação, 49 foram concluídos e 22 encontram-se ainda em instrução. Dos já concluídos, 21 casos foram arquivados... 12 por impossibilidade de identificar o infrator e 9 por absolvição do arguido ou falta de matéria de prova. 

O recente caso de Chiquinho (Famalicão) fez soar os alarmes da "Tolerância zero ao racismo no futebol". O jogo da 21.ª jornada da I Liga esteve interrompido entre os 80 e os 84 minutos, depois do jogador famalicense se ter queixado ao árbitro Hélder Malheiro de alegados insultos racistas vindos da bancada. O homem de 53 anos foi identificado pelas autoridades presentes no Estádio São Luís, em Faro, e posteriormente constituído arguido e notificado da proibição de entrar em recintos desportivos. Uma medida decretada pela APCVD, que desde início da sua atividade (2019) já interditou 25 adeptos por infrações relacionadas com racismo e/ou xenofobia.

O incidente com Chiquinho foi o único noticiado, mas não foi o único a acontecer num relvado português. Um dia depois, no domingo, dia 11 de fevereiro, no jogo entre o AD Piães e o Carvalhais FC, no Estádio Parque Jogos Artur Rodrigues Fontes, referente à 1.ª jornada do Campeonato da 1ª Divisão (apuramento de campeão) da Associação de Futebol de Viseu, um homem de 35 anos, residente em Cinfães, foi identificado pela GNR, na sequência de insultos racistas ao jogador da equipa visitante, Albert Kokora.

O adepto ficou igualmente impedido de aceder a recintos desportivos até final do processo de contraordenação. De acordo com o atual regime jurídico, em caso de condenação, o infrator poderá estar sujeito a coima entre os 1750 e os 50 mil euros e sanção acessória de interdição de acesso a recintos desportivos até 3 anos. Em caso de incumprimento da medida de interdição decretada, o adepto incorre no crime de desobediência e poderá ser detido pelas autoridades policiais.

Números globais refletem maior capacidade da APCVD, maior sensibilidade do MP e nova lei

As interdições em recintos desportivos continuam a aumentar e a bater recordes. No total, a APCVD decretou aproximadamente 1150 interdições efetivas nos últimos cinco anos. E, segundo dados do Ponto Nacional de Informações sobre Desporto (PNID),   estão atualmente proibidas de aceder a recintos desportivos cerca de 380 pessoas  (cerca de 270 aplicadas pela APCVD e as restantes aplicadas por Tribunais Judiciais).

E se por um lado refletem a última alteração legislativa, também mostram que os números suepram os pré-pandemia. "As autoridades policiais e os organizadores de competições desportivas há muito que alertavam para a necessidade de aplicação de medidas exclusão de adeptos responsáveis por comportamentos violentos e intolerantes, como de resto recomendam as boas práticas europeias. Entre 2010 e 2018 entraram em vigor 32 medidas administrativas de interdição de acesso a recintos desportivos, número manifestamente insuficiente face aos casos conhecidos. Comparativamente, desde 2019, após criação e instalação da APCVD em Viseu, já entraram em vigor cerca de 1150 medidas de interdição de acesso a recintos desportivos", evidenciou Rodrigo Cavaleiro.

Para o presidente da Autoridade para a Violência no Desporto, o aumento do número de interdições "deve-se sobretudo ao surgimento e aumento da capacidade de trabalho da APCVD" no pós pandemia e ainda a uma "maior sensibilidade do Ministério Público e às  alterações ao regime jurídico levadas a cabo em 2019 e em 2023, que ajudaram a reforçar as condições para uma aplicação mais alargada e efetiva desta importante ferramenta preventiva e sancionatória".