Saúde
13 março 2024 às 09h26
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Sindicato Independente dos Médicos espera que novo ministro seja sensato e tenha poder político. "Há muita insatisfação"

Novo ministro da Saúde "terá de ser alguém que tenha capacidade de decisão e que se rodeie de uma equipa que de alguma maneira possa ajudar nesta tarefa ciclópica que é tentar recuperar o SN. Não vai ser fácil", diz Jorge Roque da Cunha, que deixa este mês a liderança do Sindicato Independente dos Médicos.

O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) espera que o novo ministro da Saúde conheça os problemas do setor, seja sensato, e tenha poder político junto do primeiro-ministro e do ministro das Finanças.

"Há muita insatisfação, há muita incompreensão, portanto, terá de ser alguém que tenha capacidade de decisão e que se rodeie de uma equipa que de alguma maneira possa ajudar nesta tarefa ciclópica que é tentar recuperar o Serviço Nacional de Saúde. Não vai ser fácil", afirmou Jorge Roque da Cunha em entrevista à Lusa.

Para Roque da Cunha, que vai deixar a liderança do SIM no congresso do sindicato em 23 de março, o novo ministro da Saúde deve ser "uma pessoa sensata, que crie pontes", e tenha poder junto do chefe do Governo e das Finanças para argumentar que "investir no Serviço Nacional de saúde hoje, não é uma despesa, mas sim um investimento" para poupar no futuro.

O novo Governo vai "precisar muito" de criar pontes, nomeadamente "junto da sociedade que está muito agastada", afirmou.

"Houve muita insensibilidade em perceber que a sociedade civil tem muitas questões que não estão a ser respondidas de uma forma correta", considerou, manifestando a "total disponibilidade" do SIM para dialogar.

"Somos um sindicato de acordos, como temos revelado nos últimos anos. Claro que em situações de denúncia também é nossa obrigação fazê-lo", rematou.

Questionado sobre a reforma do SNS com o alargamento a todo o país das Unidades Locais de Saúde (ULS), afirmou ser "uma grande preocupação".

"Desde logo, porque esta situação de instabilidade e de queda do Governo ocorreu exatamente num momento em que existe uma nova Direção Executiva (do Serviço Nacional de Saúde) com novos poderes (...) e, ao mesmo tempo, a criação de ULS em todo o país", explicou.

Segundo Roque Cunha, a "forma precipitada" com que foi feita esta reforma, acabando com as administrações regionais de saúde e obrigando a alterações legislativas na estrutura organizativa do SNS, "está a criar a maior das perturbações", nomeadamente nos departamentos de recursos humanos, "que na maior parte dos locais, têm uma atitude perfeitamente inqualificável".

Considerou que a reforma poderia ter sido feita de "forma faseada", com a criação de condições nos recursos humanos das ULS para evitar perturbações em áreas como compras.

"Há um problema de disponibilização de vacinas junto dos centros de saúde"

Neste momento, exemplificou, "há um problema de disponibilização de vacinas junto dos centros de saúde", porque foi mudada a entidade que tinha a responsabilidade de fazer essas compras e a situação "agora é mitigada e desenvolvida pelas várias instituições".

Ressalvando que não compete ao sindicato "criar ainda maiores dificuldades", disse que o SIM está "muito atento, alertando, esclarecendo, fazendo com que o Ministério da Saúde e as entidades possam ultrapassar os problemas".

Questionado sobre a possibilidade de esta reforma ser repensada se Luís Montenegro for indigitado primeiro-ministro, afirmou que "dada a situação de emergência" que o país vive, isso iria causar "mais adiamentos, mais perturbação".

"Por isso, espero sinceramente que o repensar seja mesmo repensar. Identificar as situações onde é preciso alterar, naturalmente, com cabeça, tronco e membros, mas não partir do princípio que está tudo errado", vincou.

Lamentou ainda as dificuldades que o SNS, uma das maiores conquistas do 25 de Abril, atravessa no ano em que a "Revolução dos Cravos" assinala 50 anos.

"Desde a origem do Ministério da Saúde, que saiu em 1975 do Ministério da Segurança Social, que há um claro subfinanciamento do setor da saúde", lamentou o médico e sindicalista

Por outro lado, defendeu que, relativamente a algumas matérias, faz sentido o SNS contratualizar com os setores privados e social de "uma forma regrada" e em situações de igualdade e não de desespero.

"Quando as situações estão a nível de desespero e de incapacidade de resposta e em situações graves, naturalmente que não é possível negociar nem prazos, nem pagamentos de uma forma adequada", defendeu.

Roque da Cunha manifestou ainda o desejo que, perante "o acumular dos problemas" ao longo dos anos no SNS, "haja por parte do Governo e de todos os partidos no Parlamento uma verdadeira vontade de ultrapassar os problemas" e de não utilizar "a saúde como a arma de arremesso político, alimentando divisões e problemas"

Jorge Roque da Cunha, presidente do Sindicato Independente dos Médicos
JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Roque da Cunha deixa liderança do SIM este mês, "com a sensação do dever cumprido"

Jorge Roque da Cunha vai deixar a liderança do Sindicato Independente dos Médicos, após 12 anos, com a sensação de dever cumprido e a "convicção profunda" de que um cargo de responsabilidade "não é eterno".

Roque da Cunha, que está no SIM desde a fundação do sindicato em 1979, assumiu o cargo de secretário-geral em 2012. Desde então, enfrentou desafios ao sistema de saúde como os cortes no tempo da 'troika', a pandemia de covid-19, a falta de recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde e paralisação de muitos serviços de urgências.

Na entrevista à Lusa, Jorge Roque da Cunha revelou que vai deixar a liderança do SIM no próximo congresso do sindicato, marcado para 23 de março em Peniche, passando o testemunho a Nuno Rodrigues, médico de saúde pública.

Roque da Cunha disse que deixa o cargo "com a sensação do dever cumprido" e por "ter a convicção profunda que qualquer cargo de responsabilidade não é eterno", revelando que esta decisão tinha estado em cima da mesa há cerca de três anos, mas a pandemia fê-lo continuar no cargo.

"Não saio cansado, não saio porque estou desmotivado, ou porque tenha a carga de trabalho que naturalmente um cargo destes exigiu, porque continuo a ser médico no centro de saúde de Camarate, mas essa decisão também é alicerçada numa equipa que me acompanhou, que me ajudou muito", adiantou.

Sobre o futuro secretário-geral do SIM, Roque da Cunha disse que "tem muita experiência em termos negociais e é uma mais-valia para o sindicato".

"Naturalmente que eu irei continuar de uma forma menos ativa a contribuir para este trabalho, mas não podemos eternizar porque uma organização necessita de sangue novo e de ser renovada, com a consciência tranquila de um legado que nos orgulha", afirmou, lembrando os processos negociais e acordos assinados com várias instituições e governos.

Segundo o líder sindical, "há um conjunto muito grande de matérias" para as quais contribuiu que "necessitam de sangue novo, de outras abordagens, e de uma equipa".

"Isto é impossível de funcionar sem ser em equipa, perante um Governo novo que sabemos que não vai ter estado de graça" devido à gravidade dos problemas no SNS e à dificuldade de acesso aos cuidados saúde.

Ao fim de quatro mandatos à frente do SIM, Roque da Cunha disse que guarda "alguma mágoa" devido à "incompreensão e a injustiça" com atitudes difíceis que teve de tomar, nomeadamente quando assinou o acordo com o Governo que permitiu um aumento intercalar de 15% para os médicos.

"Foi um acordo mais do que razoável, foi o acordo possível. Ter sido insultado, quase vilipendiado, até com ataques de caráter de colegas que depois no fim do dia vão usufruir desse acordo, enfim, gostaria que eles tivessem agradecido", confessou.

Por isso, reiterou, "a única mágoa que eu tenho é um pouco esta ingratidão, mas faz parte da vida e tem as grandes alegrias, porque contribui efetivamente para que a situação dos médicos fosse um pouco melhor e a situação dos doentes pudesse ser um pouco mais interessante em termos de acesso aos cuidados de saúde".

Para Roque da Cunha, também "é um orgulho" deixar um sindicato que tem cerca de 160.000 euros para apoiar os internos na sua formação.

"A responsabilidade que o Estado tem de apoiar os seus trabalhadores, nós estamos a colmatá-la de alguma maneira e quando hipocritamente se diz que é preciso que estes médicos sejam obrigados a ficar no SNS, porque o Estado despende muito dinheiro na sua formação, é uma falsidade", criticou.

Roque da Cunha defendeu que se não fossem os internos "as escalas de urgência, as consultas, as enfermarias (...) colapsavam em absoluto".

Relativamente ao congresso, adiantou que Nuno Rodrigues já apresentou o programa que é de continuidade.

"Tem algumas coisas novas, não só melhorar a nossa capacidade de comunicação, mas fundamentalmente não perder o foco na nossa capacidade de diálogo, de procura de soluções e de entendimentos" para que os médicos possam ter uma perspetiva de carreira médica que evite o que tem ocorrido nos últimos anos: o recurso cada vez maior a prestadores de serviço.

"No ano passado, cerca de 200 milhões de euros foram despendidos em prestadores de serviço e cerca de 10 milhões de horas extraordinárias foram efetuadas no Serviço Nacional de Saúde. Portanto, isso é completamente ingerível", rematou.