Portugal deixou 45% das metas e marcos que tem de cumprir no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência para o último ano de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas, segundo o Tribunal de Contas Europeu (TCE), se não as conseguir satisfazer totalmente põe em risco, apenas, 18% dos fundos que tem a receber. Uma realidade que se aplica a outros Estados-membros, mas que desagrada ao TCE, que considera que o foco devia estar na implementação efetiva dos projetos e que o seu incumprimento, ou o seu cumprimento apenas parcial, deveria ditar a devolução das verbas associadas. Bruxelas não concorda com a recomendação e diz que o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) da União Europeia (UE) contempla todos os meios para “incentivar a plena execução das reformas e dos investimentos que os Estados-membros se comprometeram a executar no âmbito do PRR”.
Em causa está um relatório do Tribunal de Contas Europeu sobre a absorção dos fundos do MRR, auditoria esta que conclui que, três anos depois do início da chamada bazuca, que contempla 724 mil milhões de euros de fundos para ajudar os países da UE a recuperarem da pandemia de covid-19 e a tornarem-se mais resilientes “são visíveis atrasos no pagamento dos fundos e no avanço dos projetos”. Até ao final de 2023 (o âmbito da auditoria), só 213 mil milhões de euros tinham sido transferidos para os cofres dos vários Estados, menos de um terço das verbas totais.
E este dinheiro não chegou necessariamente aos destinatários finais, designadamente às empresas. Mostra o relatório que, nos 15 Estados-membros que comunicaram dados sobre este assunto, “quase metade dos fundos recebidos ainda não chegou aos destinatários finais”, o que leva o TCE a sublinhar que “os milhões da bazuca demoram a chegar à economia real”.
Questionada sobre um eventual adiamento do prazo de conclusão dos PRR, definido para agosto de 2026, Ivana Maletic, o membro do Tribunal de Contas Europeu responsável pela auditoria, é perentória: “Não reclamamos uma extensão do prazo, reclamamos sim o cumprimento dos objetivos definidos. Não queremos que se estejam a distribuir verbas sem verificar se as metas implícitas em matérias de redução de consumo energético ou em matérias de digitalização foram efetivamente conseguidas”. E acrescenta: “Era suposto que tudo isto fosse feito de forma muito rápida. Como podemos recuperar as economias se não formos rápidos a fazê-lo?”
Praticamente todos os países se atrasaram a apresentar os pedidos de pagamento à Comissão, sendo a inflação, falhas no aprovisionamento, incerteza quanto às regras ambientais ou falta de capacidade administrativa as justificações apresentadas.
Portugal até é dos países com maior taxa de verbas já recebidas. De acordo com o relatório do TCE - que se refere apenas até 31 de dezembro de 2023 -, Portugal recebeu já 48% das verbas totais do PRR tendo cumprido, satisfatoriamente, 28% das 341 metas e marcos a que está obrigado. Com maior percentagem de fundos já recebidos só a França, que arrecadou 59% do valor a que tem direito, com 53% das metas cumpridas.
Ivana Maletic considera que Portugal “foi bem-sucedido” na implementação do programa, mas lembra que há ainda “muito a fazer”, numa referência ao facto do PRR nacional corresponder a 7,2% do seu PIB. Para o TCE, pacotes acima de 3% do PIB são considerados desafiantes. Ivana diz ainda que o desenho do PRR português “foi inteligente”, ao deixar “quase metade das metas e marcos para cumprir no último ano, mas correndo o risco de só perder 18% das verbas totais”.
Criado em fevereiro 2021, o MRR financia reformas e investimentos desde a recuperação da pandemia de covid-19 (que começou em fevereiro de 2020) até ao final de agosto de 2026. Centra-se em seis prioridades, em que se incluem a transição ecológica e a transformação digital.
A Comissão Europeia já reagiu ao relatório do TCE dizendo estar a trabalhar de perto com os Estados-membros para apoiar a absorção atempada dos fundos.